sábado, setembro 23, 2006

Causas

A propósito de um texto interessante no Positrão, comecei a pensar no que teria acontecido às minhas próprias causas e cheguei a uma conclusão que não sei se será boa ou má, mas o facto é que, tomando como exemplo as causas que o texto personifica, constato que em quase todas sinto que me afastei delas, ou, de outro ponto de vista, elas afastaram-se de mim.

"A nossa cidade é a melhor." Bom, esta causa será um bocado para esquecer. Afinal de contas, se há coisa que inspira o nome deste blogue, será mesmo o local onde vivo. Sempre fui bastante crítico deste sítio, e ainda hoje não vejo razões para deixar de o ser. Se tenho boas recordações da minha cidade (apenas recentemente, quase sempre a conheci como vila)? É claro. Foi aqui que conheci a maior parte das minhas amizades, dos meus primeiros amores, das minhas vitórias, das minhas lágrimas, das minhas alegrias, das minhas brincadeiras, enfim, já são quase trinta anos (com um ano de intervalo pelo meio) a viver neste sítio. Mas não deixa de ser uma cidade cinzenta, logo uma causa não muito defendida.

"O nosso clube é que deve ganhar." Na verdade, e apesar de ainda me entusiasmar com os jogos europeus do meu clube, a verdade é que o futebol faz cada vez menos parte das minhas preferências. Poderá ter a ver com a realidade de que é cada vez mais raro eu assistir a jogos ao vivo. Isso e as (pobres) exibições do meu clube, especialmente no que a nível interno diz respeito. E depois, acho que é um espectáculo que cá não consegue ser espectáculo, ou seja, é caro e acaba por ser intediante, excepto provavelmente para os indefectíveis. Como constato que não o sou, dedico cada vez menos tempo ao meu clube e, basicamente, deixo-o andar.

"A nossa forma de ver é que está certa." Apesar de ser um enorme teimoso, não gosto de impôr as minhas ideias a ninguém, mesmo quando do outro lado vejo igual teimosia em defender posições com as quais não concordo. Serão os efeitos secundários de viver, ou pelo menos tentar viver, em democracia. Convém é não escalar das palavras para os actos menos correctos.

"O nosso partido tem as respostas mais adequadas." Lembro-me que o primeiro acto eleitoral em que participei teve em mim um impacto enorme. Sentia que pela primeira vez iria participar no destino do meu país, dos meus compatriotas, enfim, que podia num simples acto melhorar em muito a minha vida e a dos que me rodeiam. Ilusões? Talvez, mas naquela altura faziam todo o sentido. Recordo-me também que nos primeiros anos de votos acabei por invariavelmente votar sempre no mesmo partido ou em pessoas apoiadas por ele. Influências maioritariamente familiares e amigas, e algumas ideias que me agradavam. Ideias que constituíam a base daquilo que achava que um Governo ou um Presidente ou mesmo uma Junta de Freguesia deveriam de ser: instituições públicas ao serviço de todos os seus constituintes. Com o tempo, no entanto, a ideia do meu partido dispersou-se. Comecei a optar por outros, dependendo da votação em causa. Pior, comecei a notar muitas (demasiadas) semelhanças entre o meu partido e a oposição. Afinal de contas, parecia que ambos advogavam as mesmas ideias e princípios, que em muitos casos nada contribuíam para o evoluir do nosso país. Esquerda e direita passaram a ser mais chavões que outra coisa qualquer. Não deixo de votar, hoje em dia, mas normalmente já não é um voto a pensar no meu partido, esse, tem que se esforçar por me convencer que merece mesmo o meu voto.

"A nossa religião é definitivamente a verdadeira."
Sim, fui o típico rapaz que foi endoutrinado na religião que os seus pais e quase toda a família perfilhava. Sim, passei grande secas em celebrações que muito pouco me diziam. Mas, contra todas as possibilidades, lá pelo meio houve qualquer coisa que me fez acreditar em algo. E foi esse acreditar inocente e verdadeiro (há quem lhe chame fé) que me moldou nos meus princípios mais íntimos e, em certa medida, criou a pessoa que sou no meu âmago. Lembro-me que nos primeiros anos era bastante crítico da instituição que estava por trás da minha religião, talvez fosse a ideologia do meu partido que me colocava em xeque e fazia com que eu agisse dessa forma. Depois cheguei à conclusão que o que realmente importava era a crença e assim consegui conviver com a instituição. De há uns anos para cá que a instituição me tem desapontado a torto e a direito, pelo que lentamente me tenho vindo a afastar, vivendo a minha religião dentro de mim mesmo e com aqueles que me quiserem conhecer. Os fundamentalismos que a minha religião e outras conseguem invocar assusta-me e deixa-me ainda mais convicto que as instituições tendem a lançar o essencial da religião numa espiral de cerimoniais, textos inócuos e acusações mútuas que apenas fazem vir ao de cima o pior de cada uma das crenças que os homens até hoje criaram. Mais uma causa que vai perdendo terreno comigo, mas não o essencial da minha fé, esse mora cá e faz parte de mim.

Menciono apenas mais uma causa que não foi referida no texto do Vasco S., e segundo a mesma linha de escrita, seria algo do género "o meu país é o maior do mundo". Apenas digo que fiquei a compreender melhor o meu país depois de ter estado fora dele. Se calhar é o que todos nós precisávamos, independentemente do destino para o qual fossêmos, devíamos trabalhar, viver, sobreviver, comer, beber, amar, enfim, devíamos transpôr todo o nosso viver para um sítio fora daqui, e, é só a minha opinião e a minha experiência, veríamos o nosso país como uma causa que, sim, provoca-nos imensas dores de cabeça e angústias diárias, mas, que, bolas, é o sítio onde nasci e onde estão as minhas raízes, para o bem e para o mal.

4 comentários:

A disse...

Este post merece uma resposta com tronco, pés e cabeça (e mãos, e braços, e outros órgãos igualmente importantes)...

Ora bem, defendes então, tal como no tal texto do Positrão (o qual acabo de ler), que com o passar do tempo acabamos por dar mais valor a algumas coisas e menos a outras. Não foi sempre assim?... na defesa das nossas causas não está apenas o que cremos nelas mesmas, mas também a nossa personalidade e a forma como apresentamos os nossos argumentos. Com o passar dos anos, sinto que acredito cada vez mais nas minhas causas, mas aprendi a defendê-las: com menos paixão e mais racionalidade.

Como até nos situamos na mesma faixa etária, é fácil situar-te nalgumas questões. Lembras-te de há uns vinte anos atrás dares mais importância à forma como assobiavas e jogavas ao mata? Lembras-te de como um gelado sabia muito melhor? Lembras-te de não teres insónias ou preocupares-te mais com os berlindes e carrinhos do que com as miúdas e as questões profissionais? etc etc etc... :)

A questão é que mudamos todos os dias e o estado adulto (ou semi-adulto) no fundo, não nos traz mais do que apenas algumas questões de fundo que achamos por bem discutir ou abraçar.
Não sou mais nem menos benfiquista do que sempre fui, nem me vejo doutra forma daqui a 20 anos.
As minhas convicções políticas sofreram alterações desde sempre até ao dia em que me filiei num partido e continuarão impenetravelmente as mesmas.
A minha crença religiosa mudou com alguma relutância mas sempre baseada em pensamentos muito profundos acerca do assunto. Questões de fé... questões de importância que dou a certas coisas.

Mas são coisas menos importantes no fundo. Pelo menos até ter chegado a algumas conclusões e definir a minha posição no meio desta massa gigante que somos nós. O Mundo. Hoje em dia estão entranhadas e não me questiono como há 10 anos atrás relativamente a elas. Tenho os alicerces e as bases, mas não nego uma "revisão da matéria". Só os burros, afinal de contas, não mudam as suas opiniões...

Ou seja: continuo a gostar de fazer o que sempre gostei de fazer, a dar o máximo de mim e se aquele menino me piscar o olho, é provável que queira ficar com ele até ao resto dos meus dias :)
Linear e obviamente há muitas (imensas!!) coisas que mudam, mas outras, naquilo que somos desde o berço até ao caixão, no seu âmago, permanecem.

E eu não precisei de sair do meu país para amar a minha cidade, apenas porque a minha cidade é o lugar mais lindo do Mundo :) mas saí desse lugar para poder expandir horizontes... às vezes, é necessário. E ganhei novos amores a novas cidades.

Espero que não te importes que o meu comentário seja tão longo, mas levantaste uma questão importante num belíssimo post (extenso também).

"Ah e tal, escreves mesmo bem!" lol

Beijos Guronsan (o Camus, tá bom?)

Nuno Guronsan disse...

Não sei o que ficou mais extenso, se o meu texto ou o teu comentário, só sei que me deu tanto gozo escrever um como ler o outro... e tu tb escreves mesmo bem, eheheh

Não digo mais nada porque as tuas palavras fizeram todo o sentido.

Beijokas (o Camus está na mesa de cabeceira, à espera que eu consiga ler as últimas páginas, mas o João Pestana tem levado a melhor nos últimos tempos;)

A disse...

Esse gajo é um estúpido do caraças, esse João Pestana...

Nunca chega a horas o tipo... acho que vou processá-lo :D

O Capote anda ali às voltas também... cá pra mim têm os três um caso...o Capote, o Camus e o Pestana...

Hmmm...

Beijos

Nuno Guronsan disse...

Que grande órgia, sim senhor... ;)