sábado, abril 28, 2007

16,6 vermelhos

Subo para a cadeira e sinto um formigueiro no estômago. Nunca fui muito amigo de agulhas e o vermelho vivo que corre dentro de mim sempre foi demasiado vermelho para mim. Mas agora já não havia retorno possível. A agulha é pequena, mas ao mesmo tempo enorme. Sinto a picada e olho para o tecto. A cabeça parece ficar leve, quase a levitar. Ganho coragem e olho para o meu sangue a percorrer o caminho pelo tubo. No fundo, não está a custar tanto como eu receava. Aliás, bem lá atrás, no interior da massa cinzenta, há algo que me confirma que sim, estou a fazer algo que já desejava há algum tempo e parecia que nunca havia tempo para tal. Foi preciso haver alguém que me mostrasse que os seus resquícios de nada significam afinal muito, muitíssimo. E afinal de contas, o sol brilha e já só tenho um penso no braço. Sabe bem. Aonde vamos a seguir?

"Como é do seu conhecimento, o sangue não se fabrica artificialmente e só o Ser Humano o pode doar. Como tal, o sangue existente nos serviços de sangue dos hospitais depende diariamente de todos que decidem dar sangue, de forma benévola e regular, partilhando um pouco da sua saúde com quem a perdeu.

Todos os dias existem doentes com anemia, doentes que vão ser submetidos a cirurgias, doentes acidentados com hemorragias, doentes oncológicos que fazem tratamento com quimioterapia, doentes transplantados e muitos outros que necessitam de fazer tratamento com componentes sanguíneos. Enquanto que um doente com anemia pode necessitar de 1 ou 2 unidades de sangue, um doente com transplante de fígado ou um doente com leucemia pode necessitar de um número bastante elevado de componentes sanguíneos."

(Instituto Português do Sangue)


sexta-feira, abril 27, 2007

Neurónios

Muito obrigado, meu caro não-anónimo, sabes que o sentimento é recíproco, mesmo que deste lado a tendência seja mais para o Chicago :)

Quanto a nomeados, acho que a questão ficou respondida por aqui, não concordas?

quarta-feira, abril 25, 2007

Vinte e Zinco

"O torturador necessita da vítima para criar verdade nesse jogo a duas mãos que é a fabricação do medo."
Mia Couto


segunda-feira, abril 23, 2007

Confidente

Ainda bem que vieste. Sei que te fez bem a ti e a nós, que por ti esperávamos, também. Eu pessoalmente tinha saudades da tua forma de encarar a vida, com um sorriso enorme ou com a sobrancelha franzida por trás dos óculos escuros, conforme ela se apresenta peranti ti. E o melhor de tudo foi ter-te quase exclusivamente para mim, apenas te partilhando com a nossa outra "irmã". Pudémos andar por onde ninguém nos conhece e tu deixaste-me mostrar-te os caminhos por mim trilhados e que tu ainda agora começaste a aprender a vê-los. Bem acima dos músculos doridos, sinto que levas a tua alma renovada e pronta de novo para a batalha. A partilha continua lá, mesmo a não sei quantos quilómetros de distância, continuamos a entender-nos, à nossa maneira, as usual. Partilhámos o presente, as nossas agruras, as nossas preocupações, os nossos amores coloridos e falhados, o nosso viver. Por vias externas e assim um bocadinho mais "velhas", também tivémos oportunidade de lembrar o passado, a infância, a adolescência, as brincadeiras, os arranhões e até mesmo o nosso anjo particular, do qual ainda sentimos uma tremenda falta mas que no fundo nunca nos abandonou e permanece em cada palavra que dizemos sobre ela. E o futuro? Esse acabou por vir de uma forma inesperada, quando nada o fazia prever. Uma porta que se fecha, um lugar vazio ao teu lado, e o futuro em hora e meia. Até Coimbra. Até ao meio termo. Planos de vida? Alguns, mas poucos, nunca fomos bons a pensar a longo prazo. E a viagem chega ao fim. Quer dizer, continuamos mas para lados opostos. Um beijo. Já com saudades de ti, B.

domingo, abril 22, 2007

Da boa vida.



Instantâneos de uma vida. Mesmo que sejam apenas momentos frágeis de parte de uma vida. A luz do sol invade todos os poros, servindo de agente de limpeza de um organismo por vezes preguiçoso. A areia, as árvores, as encostas áridas, o mar, o fogo, a noite, o dia, tudo pequeníssimos pormaiores que dão significado àquilo que nos une, que nos faz percorrer caminhos uma vezes similares, outras tão distantes que parecemos andar a pregar no deserto. Quais profetas de uma fé não-arregimentada, nem sequer proclamada ou espalhada, antes partilhada como um pequeno tesouro que se escapa entre os dedos das nossas mãos, se não estivermos atentos. Tal como os fios invisíveis que se entrelaçam e criam nós de afecto. Também nos esquecemos deles, se não estivermos atentos. Porque apesar de apetecível, o deserto tem memória curta. E nem sempre há oásis ao virar da esquina, com sumos de laranja, ananoskas, quintas do carmo, ou líquidos esquisitos das terras do norte. Mas por isso mesmo é que a memória tem o dever de agarrar todos estes instantâneos. Instantâneos da alma percorrida.

Obrigado, T., por seres assim e ajudares estes pés a andarem por terras apetecíveis.



sexta-feira, abril 20, 2007

Calor

Estou no meio do deserto, onde ninguém me pode ouvir em muitos quilómetros. Onde atrás de uma enorme duna de areia, há uma outra ainda maior e as pausas para o chá podem significar um sono eterno. Debaixo de um sol escaldante, é aqui que eu quero estar. Longe de tudo, é certo, mas estranhamente com uma paz interior que já não tinha há algum tempo. Não adianta gritarem por mim, o mais certo é que não vos irei ouvir. Não enquanto estiver perdido no meio de nenhures. Por agora é aqui que me sinto bem e é aqui que vou ficar.

(Para detalhes técnicos, consultar estas imagens, vindas indirectamente de um inverno cheio de flores.)


Pele

quinta-feira, abril 19, 2007

Morte ao meio-dia

"No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz do dia
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer"

Ruy Belo

Problemas de agenda

"Os atentados com viaturas armadilhadas cometidos hoje em Bagdad fizeram 191 mortos e perto de 250 feridos, segundo o último balanço da polícia."
(Público)

"O Governo sudanês tem usado falsos aviões das Nações Unidas para bombardear o Darfur e para transportar armas e equipamento militar para aquela região do Oeste do Sudão."
(Diário de Notícias)

"Nigerian security forces killed 25 Islamic militants in an all-day battle on the outskirts of the northern city of Kano on Wednesday, authorities said.Troops surrounded the militants in the Panshekara district of the city early on Wednesday after they had burned a police station and killed 13 officers in an ambush a day earlier."
(CNN)



"Perguntam-me o que é que eu tenho de urgente para dizer e eu digo que não quero saber do terrorista mais procurado do momento não foi para isso que vim ao mundo eu estou aqui para viver viajar contar histórias ouvi-las cheirar o mar quando adormece eu não vim ao mundo para saber qual é o terrorista mais procurado do momento para saber sequer o nome dos terroristas eu aliás troco o nome de todos os terroristas que conheço pelos nomes das flores e dos pássaros da infância dos meus pais".

Nuno Costa Santos
( in Urgências)


quarta-feira, abril 18, 2007

Serão (Ondas Sonoras - XXVII)

Uma garrafa de um líquido de origem escocesa já com alguns aninhos em cima. O sol a pôr-se no horizonte cortado da serra. Uma boa companhia com quem tive famosas discussões de pôr todos os cabelos em pé, mas que com o passar dos anos foram ficando para trás e hoje apenas são recordações que nos trazem um sorriso agridoce. Livros para a frente e para trás, "eu quero este", "eu ainda não li esse", ou como limpar uma estante da forma mais fácil. E vagueando por toda a casa, em verdadeiras ondas sonoras, provenientes estranhamente do televisor ligado, uma série de músicas seguidas, verdadeiramente intemporais, que, de uma forma ou de outra, têm acompanhado a nossa vida, separada ou em conjunto. Ladies and gentleman, here's your number one.



terça-feira, abril 17, 2007

Céus de Abril

Gostava de ir ali ler. Sentar-se naqueles bancos de pedra, quase sempre frios, e ler durante horas, de preferência com o sol a bater-lhe na cara. Os amigos achavam aquilo mórbido, os pais diziam que havia alguma coisa errada com a cabeça dele e até já tinham pedido a opinião de um médico. Ele apenas dizia que gostava do silêncio do vento, da luz do sol e da paz que emanava daquele mar de lápides. Era um sítio sossegado, que normalmente só despertava ao fim-de-semana e no dia dos finados. A falta de jardins ao pé da sua casa condicionava um bocado a escolha de um sítio para poder estar a ler, de modo que ali ao menos tinha tempo e luz o dia todo para poder devorar um livro atrás de outro. Normalmente o silêncio apenas era interrompido pelas tarefas de mudar as flores e a água e limpar as lápides, que as senhoras de cabelo branco iam fazendo, dia sim dia não. Pareciam todas iguais. Cabelos brancos, idade avançada, rugas na face e nas mãos, sempre com um molho de cravos ou de rosas na mão, passando horas e mais horas de volta do descanso final de maridos, filhos, irmãs, tios, familiares e amigos. E todas iguais, pelo menos aos seus olhos que às vezes se perdiam das folhas dos livros para observarem o horizonte à sua volta. Quase todas tinham idade para serem sua avó e faziam aqueles rituais exactamente da mesma forma que ela costumava fazer, quando a sua saúde ainda lhe permitia visitar a campa do avô que ele não tinha chegado a conhecer. Seria por isso que elas lhe pareciam serem todas iguais? Talvez, desde que se conhecia como gente que sabia o ritual da visita ao cemitério de cor e salteado. Mas enquanto dantes participava, ajudando a avó a cortar as flores e a mudar a água dos jarros e limpando tudo antes de se afastarem, agora apenas observava, assistia a tudo como se de um filme antigo se tratasse. E ele era o actor mais novo daquele filme. Eram raras as pessoas da sua idade que por ali passavam. Algumas, a maioria, costumava ficar do lado de fora do portão, a fumar um cigarro enquanto olhavam cá para dentro, com um misto de receio e desprezo. Talvez também por isso atraísse a atenção das pessoas, que estranhavam alguém tão novo ali, e ainda por cima sempre a ler. Por isso também não gostava muito de levantar os olhos das palavras que lia, sentia que perturbava o seu próprio silêncio. Mas naquele dia algo tinha prendido a sua atenção. Não muito longe do seu banco, alguém encontrava-se junto a uma das lápides mais recentes. Um homem. Da idade do seu pai, muito provavelmente. Não conseguia perceber se o homem estava sentado ou de joelhos, apenas conseguia ver que estava abraçado à lápide. E chorava. Convulsivamente chorava, mas sem um único ruído. As lágrimas corriam-lhe pela cara e não davam sinal de pararem. Os olhos dele estavam perdidos num ponto qualquer imperceptível da campa e, apesar de haver mais gente ali à volta, parecia envolto num manto de solidão e tristeza que quase fazia a luz do sol parecer menos luminosa. As lágrimas do homem tornaram-se mais dispersas e, por um momento, os olhos dele cruzaram-se com os seus. E nesse momento, com as páginas do livro a baloiçarem ao sabor do vento, sentado, também ele chorou. Duas pequenas lágrimas rolaram pela sua face abaixo. E pela primeira vez ele acabou por chorar ali, no meio de todas aquelas almas já desaparecidas. E foi também a última vez que por ali andou. Deixou as suas leituras para outros dias e para outros locais. Achou que era altura de começar a viver mais e a ler menos.

(Dedicado a Francisco, em memória de São.)

Polónia

"Exmo Sr Embaixador da Polónia,

Ciente do árduo percurso do Povo do seu país rumo a uma Democracia expurgada de totalitarismos como os que historicamente se abateram sobre a Polónia, é com genuína inquietação que assisto à implementação de medidas governativas tendentes a instaurar um clima de desrespeito pelos mais basilares Direitos Humanos. As soluções propugnadas pelo executivo de Varsóvia, ao terem como consequência o desrespeito pela liberdade de não prossecução de um dado credo, a perseguição de minorias sexuais e modelos familiares atípicos, assim como as sugestões vindas a público de uma proibição total do aborto ou, por outro lado, a apologia da pena de morte feita por alguns membros do Executivo que representa, traduzem uma divergência inaceitável com os valores que assumimos comuns nesta União Europeia.

Ciente que o Povo polaco, como outrora, saberá levantar-se contra a instauração da intolerância e do desrespeito pela dignidade humana, junto de vós lavro o presente protesto."

Seleccionar o texto.
Fazer o adequado copy, paste para o mail.
E, enviar para politica.embpol@mail.telepac.pt (Embaixada da Polónia em Portugal)
E tenha o efeito que tiver, pelo menos a nossa consciência ficará um pouco mais leve.

(Ideia original do Devaneios Desintéricos, a quem deixo uma enorme vénia pela iniciativa.)

I Tuning

"Habitamos um mundo de entretenimento, perdidos da poesia que, no entanto, no entanto, resiste - não no poema anunciado: agora silêncio que vamos ler poesia, mas no que não se lê, no verso esquecido, no verso mal lido, no não ouvido, no que se vê: no olhar da miúda da segunda fila, naquele chapéu exageradamente grande daquele homem exageradamente pequeno que acabou de passar, no encontro que não se deu entre aquela rapariga e aquele rapaz, na esquina onde eles não se encontraram, numa flor no lixo - o brilho de um verso libertando uma música qualquer."

Nuno Artur Silva
(in Urgências)


segunda-feira, abril 16, 2007

Apanhada

Não há nada como ter alguém que nos devolva à realidade e que nos ajude a colocar os pés na terra. Afinal de contas, não podemos andar sempre a viajar pelas estrelas nem a sonhar acordado com dias sem preocupações mas também sem o riso que só tu me consegues dar. O tempo que passamos juntos é quase sempre curto, mas apenas posso esperar que daqui a muitos anos o recordes como o amor que sinto por ti. E não é todos os dias que alguém descobre a minha verdadeira natureza, ou assim tu o imaginas :)


domingo, abril 15, 2007

sexta-feira, abril 13, 2007

Da escrita de livros

escrita

substantivo feminino


1.
representação do pensamento e da palavra por meio de sinais convencionais;

2.
conjunto de caracteres adoptado num determinado sistema de representação gráfica;

3.
técnica de representação por meio de sinais convencionais;

4.
aquilo que se escreve;

5.
modo pessoal de expressão escrita; estilo;

6.
exercício para desenvolver a caligrafia;

7.
forma como cada pessoa desenha os caracteres utilizados na escrita; caligrafia;

8.
ECONOMIA (contabilidade ) registo, em livros apropriados, segundo determinadas regras, das operações económicas de uma empresa; escrituração comercial;

pôr a escrita em dia contar as últimas novidades; tratar da correspondência em atraso;

(Do lat. scripta-, «coisas escritas», part. pass. neut. pl. subst. de scribère, «escrever»)


© Copyright 2003-2007, Porto Editora.

livro

substantivo masculino


1.
reunião de cadernos, manuscritos ou impressos, cosidos ordenadamente, formando um volume encadernado ou brochado;

2.
obra literária ou científica, em prosa ou verso;

3.
divisão de uma obra;

4.
registo de certas actividades ou de actos simbólicos;

5.
ZOOLOGIA terceira parte do estômago dos ruminantes, que apresenta internamente numerosas pregas; folhoso;

livro de bolso livro de tamanho reduzido e em geral com preço baixo;

livro de cheques conjunto de impressos emitidos por um banco que, quando devidamente preenchidos e assinados, permitem ao seu titular movimentar dinheiro de uma conta;

livro de ouro livro em que se regista o nome das pessoas que contribuíram para determinado fim altruístico, ou de visitantes ilustres;

livro de ponto livro usado nas escolas pelos professores para fazer o registo diário das actividades lectivas de uma turma;

ser um livro aberto ser franco, leal; saber muito;

(Do lat. libru-, «id.»)


© Copyright 2003-2007, Porto Editora.

Ora, o problema está efectivamente na conjugação das duas palavras, que efectivamente não está ao alcance de todos. Muito menos de alguém que não tenciona levar a sério nenhum dos seus escritos, por mais elaborados ou pensados que eles sejam. Esses escritos não passam de um escape, uma forma de deixar algumas pegadas mais consistentes na areia, mas que mesmo assim serão varridas pelas ondas do tempo, senão agora, daqui a algum tempo, sem qualquer réstia de dúvida. Sejamos muito claros. Ninguém aqui quer ser autor ou escritor ou o que quer que possa sair da conjugação lá de cima. Se me fosse dado a escolher, mais depressa sugeria outros escritos de outras pessoas que, na minha opinião, estão uns furos bem acima da média de livros que vejo publicados todos os dias. Escritos como os que leio aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui. Estamos conversados e ponto final. Até porque o senhor Vergílio Ferreira já explicou muito bem a razão pela qual escrevo,

"Escrever é ter a companhia do outro de nós que escreve."


Limpeza de pc

Lá em cima há planícies sem fim
Há estrelas que parecem correr
Há o Sol e o dia a nascer
E nós aqui sem parar numa Terra a girar

Lá em cima há um céu de cetim
Há cometas, há planetas sem fim
Galileu teve um sonho assim
Há uma nave no espaço a subir passo a passo

Lá em cima pode ser o futuro
Alegria, vamos saltar o Mundo
E a rir, unidos num abraço
Vamos contar uma história
Era uma vez o Espaço

Lá em cima já não há sentinelas
Sinfonia toda feita em estrelas
Uma casa sem portas nem janelas
É estender um braço e tu estás no Espaço!

E às vezes reencontramo-nos com coisas que já nem nos lembrávamos que haviam escondidas no disco rígido. E ficamos com uma vontade incrível de viajar por esse inesgotável universo que se move por cima das nossas cabeças... E o futuro que nunca mais chega...

(Imagem retirada daqui)



quinta-feira, abril 12, 2007

Sábado

"Agora que achamos que percebemos tudo, qual é o ponto da situação? Depois das ruinosas experiências do século anterior, de tantos comportamentos incorrectos, de tantas mortes, instalou-se um agnosticismo repugnante em torno das questões da justiça e da redistribuição da riqueza. Acabaram-se os grandes ideais. O mundo terá de melhorar, se é que algum dia vai melhorar, a pouco e pouco. A maioria das pessoas tem uma visão existencialista da vida - ter de ganhar a vida a varrer as ruas é visto apenas como uma questão de azar. Não estamos numa era visionária. As ruas têm de ser limpas. Os azarados que se cheguem à frente."

Ian McEwan

terça-feira, abril 10, 2007

Porcelana a preto e branco





Ontem à noite, tive o prazer de ver uma pequena-curta-maravilha no grande ecrãn da sala 1 do King. E hoje tenho a alegria de ver que a mesma se encontra no YouTube, ainda que numa versão meio acelerada e sem diálogo. O que me dá outra alegria, que é a de partilhar esta obra de arte (e que saudades eu já tinha de ver animação em cinema) com todos os "cinzentos" e "cinzentas" que por aqui passam. E deixar uma enorme vénia de respeito e encorajamento ao trabalho de Regina Pessoa.

House-Isms

"I can play the harmonica with my nose, make a penny come out of a child's ear, or any other orifice for that matter, and given the right circumstances bring two women to simultaneous ecstasy."

(aqui há mais)

Tempo

Alguns barcos, alguns bares. O mar ali mesmo ao lado, tão perto quanto é possível nesta altura do ano. Umas quantas pessoas por ali, a passear, sentados, a correr, a aproveitar o bom tempo que ainda se vai sentindo, antes que aquelas nuvens ao longe se aproximem. À minha frente um casal mais o filho, quase a entrar na adolescência. Ela abraça-o, ele puxa-a para si. Parecem apaixonados. Vão ouvindo o filho a falar incessantemente sobre os barcos parados mesmo ali. Mesmo ao meu lado, um outro casal, este de muitos anos, provavelmente muitas décadas. Os cabelos brancos dele e as rugas por baixo dos olhos dela apenas os tornam ainda mais sublimes, de uma beleza pura e intocada. Vão trocando sorrisos com o empregado de mesa, enquanto ele os ajuda a escolher a refeição. Para eles os dois, a vida continua a valer a pena, ou assim parece. Do outro lado, nas mesas junto ao corrimão, duas raparigas da minha idade vão conversando, baixinho, muito baixinho. De óculos escuros, viradas para o sol, em busca de luz, seja para as guiar, ou apenas para lhes dar alento de seguir o caminho que desejam. Serão amigas de muitos anos e de muitos episódios, a julgar pelos silêncios cúmplices que deixam escapar de vez em quando. Também recebem muitos olhares do grupo que se encontra à sua frente. Quatro amigos em grande galhofa, a beberem imperiais e a discutirem os assuntos banais de quem não precisa de grandes conversas para se divertirem uns com os outros. Os olhares para o sexo oposto, a futebolada da semana, os copos mais logo quando o sol se puser, e os telemóveis, a interromperem a conversa quase à vez, quase a tentar puxá-los para a realidade. E eu ali estou. A observar tudo por trás dos óculos escuros. Com um copo à minha frente e, felizmente, com a ausência do cinzeiro em cima da mesa. Só com o livro que comecei a ler ontem. Com a companhia das primeiras páginas que se vão revelando. Uma torrente de jargão de neurocirurgia, quase incompreensível, não fossem os muitos episódios vistos e revistos do House. O sentimento de viver numa sociedade encoberta por nuvens de terrorismo, fundamentalismo e violência sem limites e que, quando menos esperamos, nos deixam em sobressalto. A história de como um romance pode nascer de uma tragédia que acaba por se tornar benigna, e que floresce como quem cuida de um jardim. Só eu, mais o meu livro, o copo, e o sol que me vai aquecendo. E neste momento não preciso de mais nada. Só isto e a vida que me rodeia. Aqui no cais, a ver a maré a encher, sem me preocupar com o passar do tempo.


segunda-feira, abril 09, 2007

Momentos - II


(O Ricardo colocou mais uma sugestão minha numa colecção de cenas memoráveis. Aqui.)


domingo, abril 08, 2007

Degraus

As despedidas doem. Sempre.
Faltaram os meus irmãos de alma, mas em compensação tive direito à presença de pessoas que já viveram centenas de vidas diferentes.
A viagem continua, já ao virar da esquina.

Dia 3.

Home is so Sad

"Home is so sad. It stays as it was left,
Shaped to the comfort of the last to go
As if to win them back. Instead, bereft
Of anyone to please, it withers so,
Having no heart to put aside the theft
And turn again to what it started as,
A joyous shot at how things ought to be,
Long fallen wide. You can see how it was:
Look at the pictures and the cutlery.
The music in the piano stool. That vase."
Philip Larkin

Dia de andamento. Literalmente.
De percorrer o caminho do néctar mais divino, de fio a pavio. De começar pelo resultado final, entre recipientes de todos os tamanhos e feitios. De quanto se pode admirar a película de pó que pode aspirar a algo de quase sagrado. De ouvir os primeiros ecos do passado, de um tempo longínquo, onde a minha presença apenas se pode fazer pela boca dos meus antepassados.
E depois andar. E andar. E andar um pouco mais. Correr todos os campos que me conhecem melhor que ninguém. Sentir sob os meus pés aqueles pedaços de terra que são sangue do meu sangue. Ferreiros, laceiras, pedreiros. Sentir o toque da pele de uma oliveira. Afagar os ramos retorcidos de uma videira. Cheirar as flores de um pessegueiro que não conhecia. E, acima de tudo, caminhar ao lado de duas pessoas que estão interligadas ao meu ser e ouvir as suas estórias, sempre velhas, sempre novas.
Ver o sangue mais novo correr solto, liberto, muito mais que o sangue mais velho. Ponto final, parágrafo.
Subir as ruas no meio da escuridão, hoje como ontem. Sentir mil e um flashbacks imporem a sua lei, mesmo que contra a minha vontade e o meu desejo de viver apenas no presente. Sentir-me impotente para me lembrar de todos aqueles que já fizeram aquele trajecto comigo e agora não têm tempo para tal. Assistir à usual união entre o sagrado e o profano e achar perfeitamente normal. Nem poderia ser de outra forma.
E voltar a casa. Uma casa que me acolhe e que é tudo menos triste.

Dia 2.

sexta-feira, abril 06, 2007

Passos

Voltar ao tempo em que se gatinhava. Em que se descobria o espaço à nossa volta.
Recordar caminhos de cabras calcorreados.
Relembrar a importância de meia dúzia de degraus com muitas histórias incrustadas em cada um deles.
Rever as caras daqueles que ficaram na penumbra dos nossos dias. Longe da vista, longe das artérias principais do coração, mas nunca esquecidos, e muitas vezes lembrados.
Ver o passado alterado, acrescentado, inovado. Sentir que o pulso é outro, pelo menos em algumas coisas, uma vez que no essencial, no esqueleto de tudo, nada se alterou. Está tudo como deixei.
Constatar que sim, a minha ausência foi notada, e sempre pelas pessoas que interessam.
Confrontar-me com o passado, o passado que não me larga, por mais voltas que eu dê, ao globo e na minha cabeça.
E imaginar que, por uma noite, sob as estrelas, com os mesmos ruídos de há muitos anos atrás, tu estás ali, ao meu lado, sem nunca me teres largado, no único sítio onde alguma vez fizémos sentido.

Dia 1.

quinta-feira, abril 05, 2007

Polaroides - III


Sem palavras. Só com memórias. E saudade. Uma enorme saudade.

Travel Blues

Já estava destreinado.
Já me tinha esquecido de como as neuroses vêm todas ao de cima, borbulhando à medida que aparecem na forma de palavras irreflectidas e, na maior parte das vezes, gritadas.
Erros meus, má fortuna, and so on, and so on.
Passaram-se demasiados anos. Demasiados anos em que assisti a tudo do lado de fora, regozijando-me no meu próprio sentimento de remorso, por mais uma vez ficar em terra. Não que isso impedisse a onda de destruição de prosseguir o seu caminho. Simplesmente, eu não estava em frente a ela, desamparado e sem salva-vidas, como acontecia dantes.
Mas agora. Agora tudo voltou e foi como se o tempo não tivesse passado. Nem presente, nem futuro. A ampulheta ficou no mesmo ponto em que se encontrava, e eu estou a pagar por todos os grãos de areia que me passaram ao lado.
É nestas alturas, no olho do furacão, que anseio pela chegada da madrugada. Porque sei que nessa altura a tempestade vai desaparecer, tão depressa como chegou. E passados cinco minutos, ninguém se vai lembrar das palavras que berrou, das injúrias que cometeu, dos destroços emocionais que deixou para trás. Não, tudo não passará de mais um episódio da sempre eterna saga que percorremos juntos.
Pelo menos, até à próxima viagem. Nessa altura, será tempo de andar outra vez no carrossel dos loucos e ver por quantos segundos conseguimos lá ficar. A viajar nos azuis.

Segue, segue, segue...


(in Público)

O único grande senão de tudo isto é que qualquer dia ainda vou ter mudar o meu "visual" à conta desta brincadeira, senão ainda sou confundido com algum nacionalista bacoco...


quarta-feira, abril 04, 2007

O segredo da imortalidade?

"O lendário guitarrista dos Rolling Stones, Keith Richards, disse, em entrevista à revista "New Musical Express", que inalou as cinzas do seu próprio pai."

(in Público, e via Beicinho)

Please allow me to introduce myself
I'm a man of wealth and taste
I've been around for a long, long year
Stole many a man's soul and faith

terça-feira, abril 03, 2007

Lá de Cima - XIV


Valdigem, Peso da Régua, Portugal

Hotel

A televisão está ligada, mas ele não olha para ela. Apenas distingue o ruído de pessoas a discutirem num qualquer programa de suposto debate de ideias. Está farto desses programas, que desde Abril o acompanharam a vida toda. Não está farto do conteúdo, mas sim da falta de ideias. Assim decide carregar no botão mute do comando remoto, enquanto puxa da sua única companhia naquele quarto anónimo. Acende mais um cigarro e senta-se na cama. Lá fora, do meio da escuridão, vem o contínuo ruído dos camiões que passam. Depois de quase quarenta anos sempre a andar de um lado para o outro, sempre com os acetatos atrás e toda a outra papelada, sempre a dormir em sítios estranhos, era de supor que lhe marcassem quartos melhores. Mas não, parece que estava condenado a sofrer aquele tipo de tortura até ao final dos seus dias, quando a privação de sono já não seria um problema por aí além. O fumo envolvia-o, a si e aos seus ossos cansados de sessenta e quatro anos. Quantos e quantos médicos lhe tinham dito que precisava de deixar de fumar e ter hábitos de vida mais saudáveis? Já tinha perdido a conta, tal como a quantidade de vezes que tinha ignorado esses mesmos conselhos. E mesmo assim tinha passado a marca dos sessenta. E para quê? Para estar sentado, sozinho, num quarto de hotel, tão indistinto quanto ele mesmo. E o pior de tudo era o sono não vir mais depressa, para forçá-lo a não ter aquelas típicas reflexões de vida que não o levavam a lado algum. Apagou o cigarro e deitou-se. Vestido sobre os lençois. Os olhos fixos num ponto qualquer da escuridão que tinha envolvido o quarto assim que ele desligou o televisor. Só o som dos camiões o impedia de adormecer. Mais um dia, mais um cabelo branco, mais uma dor numa parte qualquer do corpo. Tudo isto só, sem ninguém. E sem tempo para mudar o que quer que fosse.

domingo, abril 01, 2007

Mentira

substantivo feminino


1.
acto ou efeito de mentir;

2.
engano propositado; afirmação contrária à verdade, com a intenção de enganar; peta; falsidade;

3.
embuste; erro;

4.
ilusão;

5.
vaidade;

mentira piedosa mentira que se diz com a intenção de fazer bem a alguém;

detector de mentiras dispositivo capaz de discernir no mentiroso uma reacção emocional (respiratória, cardíaca, vascular ou psicogalvânica) desencadeada por algo que, proposto bruscamente, se relacione com a sua mentira;

(De mentir)


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Mentira = vaidade? Haverá mesmo alguém que sinta efeitos narcisistas pelo facto de enganar a verdade? Não sou obviamente um modelo exclusivo de virtudes e já disse umas quantas mentiras. Muito provavelmente nenhuma delas justificável, mesmo as supostas "mentiras piedosas". Mas daí até sentir um certo prazer em ter cometido esses pecadilhos enganosos, ainda vai alguma distância. Até acho que é daquelas coisas em que a natureza humana vem mais ao de cima. É fácil, é barato e pode não dar milhões mas se calhar poupa o facto de termos de percorrer o difícil caminho da verdade. E depois com um dia institucionalizado da mentira, é ainda mais fácil deixarmo-nos levar pela sua voz de sereia. Imagino que os mentirosos compulsivos que todos os dias encontramos pela frente guardem o dia de hoje para as verdades que acumulam dentro de si todo o ano. E será que o mundo está preparado para um fluxo anormal de verdades? Basta ligar a televisão, folhear o jornal, ou ir a um qualquer site, para sabermos a resposta. Penso eu de que.