sábado, outubro 31, 2009

Homenagem


Obrigado, prima. Não podia haver melhor prenda fora-de-horas do que a oportunidade de celebrar a vida de alguém que tanto deu à música portuguesa. Viverás para sempre, João.


A idade das mãos

"Dentro do seu corpo grande, debaixo da sua pele, debaixo dos arcos largos das costelas, havia um coração que já não tinha força."

José Luís Peixoto


sexta-feira, outubro 30, 2009

The Road

"Once there were brook trout in the streams in the mountains. You could see them standing in the amber current where the white edges of their fins wimpled softly in the flow. They smelled of moss in your hand. Polished and muscular and torsional. On their backs were vermiculate patterns that were maps of the world in its becoming. Maps and mazes. Of a thing which could not be put back. Not be made right again. In the deep glens where they lived all things were older than man and they hummed of mystery."

Cormac McCarthy

(Brutal. Genial.)


quinta-feira, outubro 29, 2009

Para que serve um gato?




Obrigado, irmão.

Promessa

"Andamos todos meios perdidos, disse ela de forma contemplativa e quase resignada, como se lutar contra a vida fosse semelhante a lutar contra o mar em tempos de bandeira vermelha. Como se apenas fosse possível tentarem manterem-se à tona."

(palavras de RF)

E se ela fosse a única que tentava de alguma forma nadar contra as vagas negras que a envolviam? O oceano conseguia ser um lugar muito solitário, mas naquele momento qualquer ponto do planeta seria solitário. Ela era a única que ainda nadava naquelas águas, que ainda caminhava por caminhos outrora povoados, que ainda palmilhava estrada citadinas há muito abandonadas. O silêncio daquele mundo apenas era quebrado pelo vento e pela chuva e trovoada que antecipava a vinda da noite. E a noite, com a sua escuridão negra e impiedosa, trazia-lhe uma espécie de reconforto retorcido. Ela preferia a ausência de luz àqueles dias mortos que a acompanhavam para todo o lado. Aquela luz cinzenta, mortífera, para sempre filtrada pelas nuvens que cobriam todo o planeta. Até o mar tinha perdido os seus azuis, os seus verdes, apenas ondas negras, umas atrás das outras. Não sabia porque razão ainda não tinha acabado com a sua vida, como tantos outros antes dela. Existia ainda algo dentro dela que lhe pedia, lhe suplicava para continuar a respirar, para continuar a enfrentar a morte de frente. Não sabia por quanto mais tempo esse sentimento perduraria. Sentia-se a afundar lentamente, para dentro de um mundo que não descansaria até sugar toda e qualquer réstia de esperança humana à sua face. Manter-se à tona? Sim, continuaria a fazê-lo, sozinha e sem mais ninguém nem nada pelo qual fazê-lo.

Espécie de homenagem fraquinha ao mestre.

terça-feira, outubro 27, 2009

Palavras (em construção)


Ainda não o acabei de ler, mas há três coisas que já posso dizer. Cormac McCarthy escreve palavras que nos aceleram o ritmo cardíaco e nos deixam sem fôlego. Se me dessem a escolher ser eu a escrever qualquer livro, teria muito provavelmente sido este. E, finalmente, tenho a imediata certeza que este vai ser um livro que vou ler muitas e muitas vezes. Agora vou acabar de o ler, algo me diz que ainda vou ter algo mais a dizer sobre The Road.

terça-feira, outubro 20, 2009

Saudade

nome feminino

1. sentimento melancólico causado pela ausência ou pelo desaparecimento de pessoas ou coisas a que se estava afectivamente muito ligado, pelo afastamento de um lugar ou de uma época, ou pela privação de experiências agradáveis vividas anteriormente

2. [plural] cumprimentos a uma pessoa ausente; lembranças

3. [plural] BOTÂNICA nome de várias plantas da família das Dipsacáceas e das Compostas, e das flores respectivas;

morrer de saudades sentir muito a falta (de)

(Do lat. solitáte, «solidão»)

(in Infopédia)

Mas hoje o termo saudade foi sinónimo de um momento de descoberta, de sorrisos repletos de sinceridade, de calmaria no olho da tempestade, enfim, de descanso de alma. Ou então, podemos retirar sabedoria das palavras sussurradas pela Nina, que iam enchendo aquele espaço tão bonito, no sopé da serra plantado.

"But I'm just a soul whose intentions are good;

oh Lord, please don't let me be misunderstood."







domingo, outubro 18, 2009

Real.

" I've never loved anything the way he loves music."

Mesmo em versão cinematográfica, é dificil de ver este filme. É dificil porque sabemos que tudo ou quase tudo o que ali está a passar é real e não imaginado. Todos os milhares de sem-abrigos que rumam pelas ruas mais escuras de Los Angeles são reais. O desprezo a que são votados pela sociedade dita civilizada é real. A esquizofrenia de Mr. Ayers é real. Os seus ataques de fúria são reais. O seu sentimento de claustrofobia perante o resto do mundo é real. O seu talento é real. O seu amor à música é real. O facto de sabermos que a sua cura não irá acontecer e que provavelmente ele vai continuar a vaguear perdido até ao fim dos seus dias, soltando sons maravilhosos das cordas do seu violoncelo, tudo isso é bastante real. E é por isso que, mais que avaliar da qualidade do filme e dos seus actores, o que é importante é lembrarmos que o mundo pode ser terrivelmente injusto e, por isso mesmo, não deixar de ser amarguradamente real.

And now, meet the real Mr. Lopez and Mr. Ayers.




quinta-feira, outubro 08, 2009

Big Sur

"Porque no fim de contas o mar deve ser como Deus e Deus não pede que nos lastimemos e soframos e fiquemos sentados diante do mar ao frio da meia-noite para escrevermos sons inúteis, afinal de contas ele deu-nos as ferramentas da confiança em nós mesmos para que cortemos a direito através da mortalidade desta porcaria de vida e cheguemos ao Paraíso, espero eu - Mas alguns infelizes como eu não o sabem e quando chega a nossa vez ficamos atónitos - Ah, já que a vida é um portão, um caminho, uma via que conduz ao Paraíso, por que não havemos de viver para o prazer e a alegria e o amor de uma qualquer garota junto a uma fogueira, por que não havemos de buscar o que desejamos e RIR... mas eu fugi daquela praia e todas as vezes que lá regressei esse conhecimento secreto perseguiu-me: que ela não me queria lá, que para começar eu era um palerma por ter-me lá sentado, o mar tem as suas vagas, o homem tem a sua lareira, ponto parágrafo."

Jack Kerouac

terça-feira, outubro 06, 2009

Da fé.

Ontem, o céu recebeu nos seus braços uma linda e maravilhosa alma.

Viverás para sempre nos nossos corações, Ritinha. Nunca serás esquecida, mesmo por aqueles que não chegaram a ver o teu sorriso.

Um beijo cheio de lágrimas.



sábado, outubro 03, 2009

Das palavras sublimes

(ou de como umas quantas palavras minhas e uma pequena troca de galhardetes, podem estimular a inspiração de alguém que muito prezo e dar origem a uma prosa tão bonita de tanta amargura e dor que a envolve. Obrigado, é o que posso escrever. Transcreve-se de seguida.)

Peindre ou faire l’amour

O comboio partira há pouco da estação e no entanto, era como se aquela semana se traduzisse em horas, apenas. Sabia que tinha de fugir para algum sítio e o Porto, onde vivia uma tia a quem prometia sempre no Natal uma visita, parecera-lhe o melhor lugar possível. Seria o último lugar onde ele a procuraria. Não tinha sido uma boa ideia. Desesperadamente, queria que ele a procurasse, que a encontrasse. Tantos os momentos que havia estado na Foz, à noite, naquela semana, com o telemóvel por companhia e que patética a sua figura. à terceira noite desistiu; o orgulho levara-lhe a melhor. Ela não haveria de ceder, não podia sucumbir à saudade de alguém que lhe fazia tanto mal. Além disso, tinha a certeza que ele não a entendia, que não a acompanhava nos sonhos, nas coisas que ela gostava de fazer, em nada, que não a amava. Não tanto como ela desejava, não como ela o amava. Agora tinha a certeza. A revolta tinha-se apoderado de si naquela tarde, ao perceber o quão estúpida era, e como aquela relação não a levava a lado algum. Apenas tinha tido tempo de avisar a chefe que se iria ausentar por uma semana, e num ápice, ir a casa fazer a mala. Aquela tarde, os gritos que dara em casa, os gritos que os vizinhos certamente teriam ouvido, os gritos de desamor, de uma pessoa mal amada, de uma pessoa amarga, os gritos de alguém que tinha chegado ao fim da linha, os gritos que esperavam obter uma resposta... por fim, os gritos que ficariam sem resposta. Os homens nunca entendem, os homens nunca sabem. As mulheres gritam porque estão assustadas, porque têm medo, os gritos servem apenas para encher o vazio, a frustração e o frio desse medo. O silêncio de um homem é a única coisa que deixa uma mulher que grita, assustada, sem rede. O grito que ela dá é o salto para o precipício, um precipício sem rede. Ele não lhe deu a rede, a resposta, o eco, nada. Silêncio. Resignação. Então falou, ela falou, falou, falou, falou até não poder mais, disse tudo o que lhe pareceram as melhores razões para justificar aquela saída, aquele fim. Para preencher o vazio, o frio, o medo, o silêncio. Atrás de si fechou a porta convicta de que assim era melhor.


O orgulho deu lugar a um alívio imediato, semelhante a um analgésico fraco para uma dor demasiado forte, que deu lugar a uma tristeza, intercalada com raiva, novamente acessos de orgulho e por fim, a saudade. Naquela semana, sentira acima de tudo, saudade. Saudade do cheiro dele, da voz, das palavras, até dos silêncios. Não lhe apetecia nada retornar à vida do costume. Com ele, era uma incógnita, nunca se entendiam, nada parecia bater certo; não tinham discussões, é certo, mas havia algo nele que lhe indicava que não era nada daquilo. Porque estaria ele com ela? Porquê todo aquele tempo? Agora, sem ele, tudo o que haviam vivido parecia afinal ter algum sentido. Ou seria a saudade a falar mais alto?


Estava cansada, não dormira nada naqueles dias no Porto. Detestava a cidade, as pessoas, tudo lhe parecia escuro e sujo. A tia era uma chata do caraças, sempre preocupada, sempre aquela pronúncia, nem tinha conseguido guardar segredo e o pai ligara logo na segunda noite a perguntar se estava tudo bem. "Claro que está tudo bem". Eram apenas uns dias para tirar umas fotografias para um novo trabalho. Isso ao menos correra bem, ao menos isso! A cidade tinha uma luz diferente de Lisboa, mais difícil de editar e trabalhar, mas até isso aproveitou para o estado de espírito menos "saudável".




::fotografia retirada de http://arcoirisreloaded.aminus3.com::



Agora, estava ali, naquele comboio, era já noite, passava Coimbra B, e estava frio, lá fora, dentro do comboio, dentro de si, sentia o frio e decidira fumar um cigarro para "aquecer". Maldito vício. Três tentativas para deixar e nada. Longe iam os tempos em que fumava Marlboro; agora com o preço do tabaco sempre a aumentar, limitava-se a fumar do mais barato que havia no mercado, ou daquele que a prima lhe mandava dos Açores, da tabacaria Estrela. Era horrível, mas a menos de dois euros, sabia-lhe divinalmente. Tirou o maço do bolso do casaco de malha preto que ele lhe tinha oferecido no passado dia dos namorados. Irónico, não? "Dia dos namorados... foda-se que sou mesmo estúpida, caramba!"


Olhou lá para fora e enquanto tirava o isqueiro para acender o cigarro que tinha nos lábios, caíu-lhe algo mais do bolso. Era um bilhete de cinema amachucado. Ela fazia colecção de toda a porcaria que um dia pudesse recordar e os bilhetes de cinema não eram excepção. Tudo o que fosse concerto ou filme ou peça de teatro ou um pedaço de papel com anotações especiais, pensamentos ou fotografias íam parar ao álbum. Aquele, não teria sido um muito melhor filme para recordar, de entre tantos que ela gostava de ir ver ao King, talvez por isso decidiu não o incluir no álbum. Ele tinha adormecido durante a exibição da película francesa e pela conversa posterior, achava que aquilo tinha algo a ver com uma família. Ela riu-se, como se ria sempre e achou melhor não dar importância ao caso. Estavam algo desencontrados, talvez um dia se encontrassem a sério.




Agora, naquele comboio, pareciam-lhe mais distantes que nunca. Ela não a procurara, todas as razões lhe pareceram plausíveis, concluíu. O fumo do cigarro tranquilizava-a. Soprava o fumo, travava novamente o fumo dentro de si, prendia-o durante segundos, aquilo era mesmo bom. Um rapaz olhava-a fixamente, do seu lugar, na carruagem, enquanto ela fumava de pé, junto à porta. Lembrou-se de Manoel de Oliveira, aquilo parecia um filme do Manoel de Oliveira. Fechou os olhos, ela era a figura principal, a luz estava impecável, princípio de noite semi-fria de Outubro, e aquele rapaz bem poderia ser a sua nova conquista. Talvez fosse de Lisboa, talvez fosse o seu velho/novo/de sempre/Grande Amor que tinha, também ele, o seu coração despedaçado por alguma bimba que havia despachado no Porto, um amor impossível, separados pela distância, e agora conhecia-a a ela, uma romântica incurável, apaixonada, e haviam de ver todos os concertos e ler todos os livros e ele de certeza iria dar-lhe a conhecer um mundo novo e... estava a fazer um filme. Instantaneamente, o rapaz pareceu-lhe adivinhar o pensamento desesperado e desviou o olhar. Era um mundo cruel, aquele, e ela não queria conhecer mais ninguém. Isso dava muito trabalho e não estava disposta a isso: encontros, saídas, engates, jantares, conversas, estava demasiado cansada. Na verdade, ela não queria mais ninguém. Só queria que aquela dor parasse, que o sono chegasse, que as lágrimas parassem e deixasse de fazer a conversa mental consigo mesma que as coisas podiam ter outra solução. Não tinham. Estava tudo irremediavelmente perdido. Acabado.


Ligou o iPod e deixou que o modo aleatório lhe desse uma pista sobre que caminho havia de tomar. Não poderia ter sido mais angustiante o sentimento que surgiu quando ouviu os primeiros acordes da guitarrinha ironicamente alegre do Bill...A Man Needs A Woman Or A Man To Be A Man...

in Psicologias da Treta


sexta-feira, outubro 02, 2009

quinta-feira, outubro 01, 2009

Lost in new age

Acabei de me aperceber de uma verdade (que não política).

Gostava de ter um ferrari e uma conta bancária avultada, e ser um bem sucedido profissional, para passados uns anos chegar à conclusão que não era feliz nem saudável física e mentalmente, e deixar tudo para trás e vender o meu ferrari, e partir numa demanda pela minha paz espiritual, acabar perdido numa qualquer cadeia montanhosa coberta de neve, escapar às garras do abominável homem das neves, para acabar nas garras de uns quantos monges a viverem num vale perdido de uma beleza indescritível, tornar-me pupilo desses mesmos monges que parecem umas cópias uns dos outros, passar meia dúzia de anos em ensinamentos profundos, atingir um estado de comunhão com todo o universo numa manhã particularmente luminosa, escapar às garras dos monges que já não tinham nada para me ensinar, voltar ao mundo dito civilizado, espalhar a boa nova do meu estado de comunhão com o universo com todas as pessoas que me aparecessem pela frente, elaborar uma tourné de palestras onde explicaria às pessoas como podiam ser muito mais felizes se seguissem os meus ensinamentos, lançar livros em série sobre todos os passos iluminados que me levaram à minha comunhão com o universo de modo a que muitos milhões de pessoas o pudessem comprar para serem também bafejadas pela iluminação espiritual, conseguir ser portanto um monge extremamente bem sucedido, com uma conta bancária super-hiper-mega avultada, e no final do dia poder escolher entre qual dos dez ferraris estacionados à porta da minha mansão iria encetar uma nova viagem de paz espiritual até ao aeroporto em trânsito para a minha ilha particular.

Ufa, o que seria de nós sem guias espirituais que falam da verdade (que não política). E sem vulnerabilidades (que não políticas).

Serviço de utilidade pública - XXV


Poste de eletricidade, Lisboa, Setembro 2009