domingo, novembro 25, 2007

Recorrente

(press play)



Retirou a faca enquanto ouvia o som característico da lâmina dilacerando a carne. Olhou para o sangue vermelho e espesso que pingava abundantemente da sua arma. Tinha de admitir um certo prazer secreto em ver as pequenas gotas libertarem-se da lâmina e tombarem indefesas sobre o solo. Era um pequenino pormenor mas que era bem mais saboreado que a torrente de sangue que corria da ferida aberta. O mesmo acontecia com a vítima. Preferia sempre o momento em que chegava o último sopro de vida a todo o esgar de dor que sucedia até à altura em que tudo ficava inerte. E normalmente bastava apenas um gesto da sua lâmina. Não mais que um gesto. Não gostava de actos repetidos. Pelo menos não sobre o mesmo pobre coitado. Porque no fundo não passava disso mesmo, um acto de pena, ou melhor de compaixão. Sentia que a morte que a sua faca lhes trazia era uma espécie de redenção, um fim para todos os pecados imundos que tinham cometido durante as suas patéticas vidas. E no fim de contas era uma morte mais sublime do que uma estúpida bala entre os olhos. No início tinha sido assim, mas detestava toda a nuvem de restos de sangue e massa encefálica que todo o acto deixava por terra. E as lâminas tinham sido sempre o seu fascínio. E o sangue com que as brindava era uma obra de arte difícil de reproduzir. E em vez de servirem para cortar pulsos, serviam muito melhor para cortar aqueles estúpidos relacionamentos em que se deixava envolver, uma e outra vez. Ela sempre tinha adorado analogias...


Instantâneo de Natal - III


Chiado, Lisboa

quinta-feira, novembro 22, 2007

Sûr le pont

Elle était lá. Sûr la place oú tant de fois je l'avais trouvée. Ou tant de rencontres étaient arrivées. Sûr le pont. Mieux disant, sûr sont pont. Ou sûr le pont qu'elle disait être sien. Elle disait que c'était le seul endroit oú elle se sentait en paix, loin de tout et de tous, y compris ce narrateur. C'est vrai, c'était aussi pour ce pont qu'elle fuiait de moi, exactement comme c'était arrivé ce jour lá. Ça n'intéressait pas combien de fois je lui déclarais mon amour, ça n'intéressait pas que mon coeur battait plus fort à chaque fois qu'elle était avec moi, ça n'intéressait pas que j'ai tout abandonné et soit venu dans cette ville éloignée seulement pour être avec elle, pouvoir l'embrasser ou tout simplement réspirer le même air qu'elle. Rien de celà n'était important. Si elle trouvait pour une seconde que mon amour n'était véritable, que j'étais amoureux d'une autre femme, que je ne lui donnais toutes les secondes de mon vivant, elle se lançait en une évasion galopante, à destination toujours marquée par ce pont. Donc j'ai arreté de toujours courir dérriére elle, je savais que ce n'était pas une évasion dans le vrai sens du mot. Quand ont veut être retrouvé, on ne s'enfuit pas, n'est-ce pas? Et elle était lá dans la même position de toujours, comme si s'était encore une de ces statues qui ornaient les deux côtés du pont. Mains acrochées aux pierres millénaires du pont, cheveux au vent, en voyant le soleil se coucher á l'horizon du fleuve. Et c'était sûr cette même place qu'elle fesait partie de moi. C'était lá que je la voyait comme la plus belle des visions que jamais je n'aurais vue. Et en même temps, sachant qu'elle était venue lá parce qu'elle n'avait pas supporté ma présence, cétait aussi lá que mon coeur était le plus ravagé. Même en sachant quel serait le résultat de toute cette mise en scéne. Même en sachant qu'elle serait bientôt à nouveau dans mes bras, même comme ça mon coeur souffrait et mon âme devennait comme folle. Et ces brefs moments, entre mon arrivée au pont et le moment oú elle s'apperçu de ma présence c'étaient comme des couteaux qui transperçaient ma poitrine. Et c'étaient des cicatrices que même la répétition de sa course en ma direction ni revoir ses larmes n'effaçaient tout mon amour pour elle. Que même comme ça persistait et fesait semblant de ne pas entendre tous les appels que mon cerveau donnait pour s'enfuir de ce pont, de cette ville, de cet amour que je savais me consommait un peu plus tous les jours. Et que probablement me rongerait jusqu'à la fin de mes jours, autant de fois qu'il faudrait marcher jusqu'á ce maudit pont. Autant qu'elle me laisse l'aimer sans limites...



(Obrigado, Cláudia. Isto foi mesmo especial.)

terça-feira, novembro 20, 2007

[xv]

quando as serpentes regatearem o direito a colear
e o sol fizer greve para ganhar o salário mínimo -
quando os espinhos olharem as suas rosas alarmados
e os arco-íris estiverem seguros contra a velhice

quando um tordo não puder cantar nenhuma lua nova
se todas as corujas não tiverem aprovado a sua voz
- e qualquer onda assinar sobre a linha ponteada
senão um oceano é obrigado a fechar

quando um carvalho pedir licença á bétula
para criar uma bolota - os vales acusarem as suas
montanhas de terem altitude - e março
denunciar abril por sabotagem

então acreditaremos nessa incrível
humanidade inanimal(e não antes)

e.e. cummings


Instantâneo de Natal - II


(Saldanha, Lisboa)

segunda-feira, novembro 19, 2007

Esplanadas

"Um sofrimento parecia revelar
a vida ainda mais
a estranha dor de que se perca
o que facilmente se perde
o silêncio as esplanadas da tarde
a confidência dócil de certos arredores
os meses seguidos sem nenhum cálculo

Por vezes é tão criminoso
não percebermos
uma palavra, uma jura, uma alegria"

José Tolentino Mendonça


quinta-feira, novembro 15, 2007

Screwdriver Darts

Paul Auster escreve livros.
Paul Auster realiza filmes.

Quando se lê um livro de Auster, percebe-se que ele também faz filmes. Quando se vê um filme de Auster, percebe-se imediatamente que ele também escreve livros.

Quem gosta de ler os seus livros, também vai gostar de ver "A Vida Interior de Martin Frost", pois vai ser confrontado exactamente com o mesmo universo Austeriano que percorre as páginas dos seus livros. Pequenos momentos do quotidiano na vida de pessoas perfeitamente normais que, por um instante ou por uma eternidade, são confrontados com factos fora do comum. E acabamos no lugar no protagonista, tentando descobrir o sentido por detrás de todos os eventos que lhe/nos acontecem. Tal como Martin Frost, também queremos saber quem é Claire, de onde ela veio e como é que conseguiu deixá-lo/nos completamente apaixonados por ela.

Quase que se podia dizer que entrámos na Auster Zone, onde nada é realmente assustador, quanto muito intrigante e de certeza absoluta inesquecível.

quarta-feira, novembro 14, 2007

"A Partir de Amanhã"

"Desafiada pelo Teatro Maria Matos a criar uma peça para o espaço do mm Café, Cláudia Gaiolas encena e interpreta um monólogo que Tiago Rodrigues escreveu para a actriz. O ponto de partida para a criação deste espectáculo é a ideia de "agenda", de organização do tempo, de lista de sonhos, direitos e deveres, de como as leis que criamos para organizar a nossa vida podem ser as ferramentas da felicidade e, ao mesmo tempo, as paredes de uma prisão."

Curiosa esta sinopse. Porque, para além da interpretação agradável da Cláudia e de um texto escorreito e engraçado do Tiago, fico com a sensação que tinha mesmo que assistir a esta peça por estes dias. Mais não seja pela maneira como tenho olhado de fora para esta vida que sigo, dia após dia, e como a vista não me parece nada má. Sinto que tenho conseguido explicar melhor (àqueles que interessam) aquilo que normalmente são apenas sinápses, passando de um neurónio para outro. As conclusões que ficam já não são novidades para mim, apenas muito provavelmente para aqueles com quem as tenho partilhado. É que mesmo que por um infímo momento fique a ideia do "mereço mais" ou "tenho potencial para mais", a verdade é que gosto de ter os pés bem assentes na terra, por mais que em algumas alturas seja uma terra agressiva e cheia de pedregulhos para percorrer. É que, do outro lado da esquina, os pés também vão percorrendo a areia dos dias, aquela que é feita de pequenos estilhaços de felicidade... Como o dia de ontem ou a noite de hoje... Simples mas verdadeiros...


domingo, novembro 11, 2007

Sondagem Cinzenta - VIII


Tirem as vossas próprias conclusões. O meu voto foi para a penúltima opção, muito por causa de uma visita às Nações Unidas onde vi números que tão facilmente não irão sair da minha cabeça...

quinta-feira, novembro 08, 2007

Instantâneo de Natal


(Tapada das Mercês)


A fazer-me recordar dois pequenos textos que muito gostei de escrever. Um aqui e outro acolá.

quarta-feira, novembro 07, 2007

terça-feira, novembro 06, 2007

Ondas Sonoras - XXX




O rapaz tem 21 anos e toca uma quantidade infindável de instrumentos como trompete, piano, acordeão, bandolim e percursões várias. E também canta, num timbre esquisito para uma pessoa tão nova mas que acaba por fazer todo o sentido no contexto musical envolvente. E que contexto... Apenas consigo dizer que a música de Zach "Beirut" Condon me transporta para outros sítios. Sítios longe daqui, onde podemos dar largas à nossa felicidade, aos nossos amores, às nossas vozes e às nossas danças. Sítios onde podem haver festas ciganas, ou um pôr do sol junto ao Sena, com um copo de vinho na mão. Ou simplesmente lembrar-nos aquela vez em que demos a mão à pessoa que amávamos e dançámos até ao fim da noite... Escusado será dizer que as músicas de Beirut têm passado horas e horas na aparelhagem, a acompanhar este sol desavergonhado de Novembro...

quinta-feira, novembro 01, 2007

Sinceridade

substantivo feminino


1.
qualidade do que é sincero; franqueza;

2.
honestidade; lisura; lhaneza;

3.
verdade;

(Do lat. sinceritáte-, «id.»)

(in Infopédia)


Definitivamente, prefiro a definição saída da pena de mestre Confúcio Costa,

“Senhor agente, a minha primeira intenção era, de facto, a de participar o ocorrido à polícia. Mas depois disseram-me que teria de o participar às autoridades competentes.”

E isto num dia onde, por um infímo segundo, acabei por trair a minha própria sinceridade.