Era uma vez um pequeno pinheiro chamado Rafael. Rafael viva numa dessas matas perdidas no interior do país, apenas atravessada por caminhos de terra batida. Convivia principalmente com os pequenos pardais e outros pássaros que aproveitavam os seus jovens ramos para fazerem os seus ninhos e criarem as suas famílias. Também à sua volta se passeavam alguns esquilos e de vez em quando vislumbrava um ou outro lobo perdido no seu caminho. E depois, muito raramente, também via aquelas estranhas criaturas que caminhavam em apenas duas patas, mas que não tinham asas como os seus vizinhos pássaros, apenas mais dois membros que apenas ficavam suspensos no ar, sem fazerem nada. Normalmente passavam a correr, vestidos de cores garridas e nunca se demoravam muito tempo naquela parte da floresta. E assim foi até um dia de Outono, em que aparecera uma estranha máquina, que fazia muito barulho e que afugentou todos os pássaros que se encontravam poisados nos seus ramos e nos dos seus irmãos pinheiros. De dentro dessa coisa, saiu uma dezena daquelas estranhas criaturas bípedes, muitas mais do que as que tinha visto em toda a sua vida. E ficou horrorizado ao ver que essas criaturas começavam a arrancar do seu leito terreno os seus irmãos pinheiros. Um após um iam sendo levados para dentro da máquina. E pela primeira vez na sua vida Rafael sentiu uma tristeza profunda que o sacudiu da ponta das suas raízes até ao mais alto dos seus ramos. Até que deu por si próprio a ser também arrancado da sua adorada floresta. Sentiu aqueles monstros a tirarem-no da sua terra, a colocarem-no no interior da máquina, juntamente com todos os outros pinheiros e teve um pressentimento que nunca mais veria aquela que tinha sido a sua casa até aquele momento. Perdeu os sentidos. Mergulhou na escuridão à medida que sentia a máquina mover-se. Quando se sentiu regressar à vida, Rafael apercebeu-se que estava dentro de terra novamente. Mas esta terra era esquisita, sentia as raízes apertadas, algo não estava bem. Estava, de facto, novamente na terra, mas apenas num pequeno pedaço dela. E estava rodeado de mais pinheiros, muitos mais pinheiros, mas todos eles pareciam tão desanimados como ele. Sentia uma luz muito forte mas não era o seu adorado Sol. Não, aquela luz não lhe aquecia os ramos como o seu amigo dos tempos da mata. Aquela luz era demasiado intensa e piscava ininterruptamente. Depois olhou ainda mais à sua volta e viu dezenas, centenas, provavelmente quase aos milhares dos mesmos monstros que o tinham arrancado da terra. E nesse momento sentiu uma enorme angústia, pois não podia fugir dali. As suas raízes não estavam equipadas para isso. Até que um dia duas das criaturas bípedes, acompanhadas de uma versão reduzida da sua espécie, se dirigiram a si, pegaram nele e levaram-no daquela espécie de casa, cheia de luzes artificiais, barulhos desconhecidos, e as constantes vozes das criaturas. Não demoraram muito a chegar a uma outra casa, mais pequena, mais sossegada, mais quente, enfim tudo o que a anterior não tinha sido. Mesmo assim, as saudades que Rafael sentia da sua floresta continuavam a aumentar de dia para dia, nada atenuando o seu desgosto. Mas havia alguma coisa de diferente. Aquelas criaturas pareciam dar-lhe mais atenção do que todas as outras que se tinham cruzado com ele. Passaram muitas horas de volta dos seus ramos, a pendurarem bolas, estrelas, laços e envolveram-no também de muitas fitas, de brancos nevosos e vermelhos berrantes. E à volta do seu pequeno recipiente de terra colocaram muitas e muitas caixas, umas grandes outras mais pequenas, todas cobertas de cores várias e com laços e laçarotes. Até que chegou um dia em que a casa se encheu de mais gente, houve muita comida e bebida, muitas criaturinhas pequenas a correrem de lado para o outro e à sua volta, e já a noite ia longa quando todas as caixas e caixinhas que tinham sido a sua companhia naqueles dias foram desembrulhadas e abertas e de lá de dentro saíram muitas e muitas coisas, todas elas desconhecidas para Rafael. Quase que se tinha acostumado àquelas criaturas que o tinham rodeado durante todos os dias. Mas ansiava por um dia poder esticar as suas raízes para lá daquele pequenino pedacinho de terra que agora tinha, e poder estar novamente rodeado dos seus irmãos pinheiros, e ter mais uma vez a companhia do alegre chilrear dos seus amigos pássaros. E foi isso que pensou quando, numa noite, uma das criaturas que ali moravam pegou nele, arrancou-o da terra e saiu daquela casa que tinha sido sua durante algum tempo. Mas uma vez cá fora, não viu qualquer sinal da sua floresta ou de outra qualquer. A criatura deixou Rafael dentro de um contentor verde, sem terra, sem água, sozinho e abandonado. E à medida que sentia a ampulheta da sua vida a esgotar-se cada vez mais rapidamente, Rafael apenas teve tempo de ver a Lua, lá no alto, e ter um último momento de recordação da sua amada floresta, onde tinha passado os seus momentos de maior felicidade. Era tempo de dormir e sonhar com árvores de plástico, iguais a ele próprio...
5 comentários:
Pois é... já há muitos anos que deixo viver muitos pinheiros, que possivelmente outros, infelizmente, não deixaram!
Beijos doces
sonialx
Um dia tive um pinheiro com o meu nome, era muito pequeno quando o escolhi e todos os anos ía vê-lo ao sítio onde nasceu. Um dia desapareceu, da mesma forma que desapareceu a pessoa que o adoptou comigo.
Don't you just love xmas...
Belíssimo conto de Natal, amigo (ou pelo menos assim o li)!
a banda sonora perfeita para o teu conto de natal! :*
Nada como ter um amigo a descobrir as palavras certas para descrever aquilo que nem eu próprio sei de que se trata. Obrigado,meu caro, conto de Natal é mesmo em cheio.
Gracias a todos os outros comentaristas ;)
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