Mostrar mensagens com a etiqueta A Naifa. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta A Naifa. Mostrar todas as mensagens

domingo, fevereiro 01, 2015

Música de fundo

Era exactamente assim que Ana se sentia.

Não se sentia assim todos os dias, ou todas as horas, ou todos os minutos. Mas, como qualquer erva daninha que se recusa a morrer, o sentimento lá voltava invariavelmente ao de cima. Normalmente, e cada vez com maior frequência, ele aparecia naqueles momentos em que Ana se sentia mais feliz ou mais completa, de uma forma totalmente egoísta. Naqueles pequenos nadas em que se sentia menos só e mais alegre com a vida. Lá se desviava o seu pensamento para onde não devia. Lá se reavivava a recordação que Ana fazia por tudo esconder no mais profundo do seu interior.

Olhava para o outro lado da mesa do restaurante e o empregado lá vinha tirar o outro prato, o outro copo, os outros talheres. Apenas ficava a cadeira vazia, como que para a torturar, um lembrete permanente da sua condição. Ana olhava para a cadeira vazia por um segundo, um segundo apenas, e não tornava a pensar naquilo, mandava tudo para trás das costas. E durante o tempo da refeição, da satisfação que tinha, do conforto que recebia daquele pequeno prazer, nada mais passava pelo seu pensamento. Apreciava o momento como se fosse o último da sua vida. Era quando voltava a estar novamente sozinha, apenas com a sua mente, que voltava ao indesejado assunto.

E sempre com aquela música a rodar na sua cabeça.

Mas assim era. Ainda que nem sempre. Assim era exactamente como Ana se sentia.

"Tanto tempo casta
Apenas admirada
Tanto tempo casta
Nunca amada"




terça-feira, julho 31, 2012

... chaos will ensue.

Eu e tu não nos entendemos. Tu e eu não conseguimos perceber o que cada um de nós quer desta vida. Poderia apenas ser um problema de linguagem, afinal somos de países diferentes, mas nem isso serve como desculpa. Até porque simplesmente deixámos de falar. Já nem sequer conseguimos ouvir-nos a explicar isto e aquilo e o que está errado e o que está ainda mais errado. Discussão após discussão conseguimos espremer todo o amor que tínhamos até quase nada restar. Continuamos juntos mas apenas estamos a partilhar o mesmo espaço físico, o espaço emocional implodiu. E aqui estamos, sentados a poucos centímetros um do outro, calados, e nas nossas cabeças a milhares de quilómetros um do outro. Um de nós devia dizer algo, devia pedir desculpa, devia pedir que o outro se desculpasse. Mas nenhum se move, nenhum abre a boca, permanecemos mudos e deixamos que a angústia nos consuma. No dia seguinte, alguém vai estar a fazer as malas, a arrumar as suas coisas e algumas das que vieram para esta casa pelas mãos dos dois. Vai ser o símbolo final, o símbolo de que o nosso amor não foi suficientemente forte. Imagino que ambos estejamos a pensar numa das nossas canções preferidas e que, realmente, todo o amor do mundo não foi suficiente e apenas podemos pensar que o amor, o nosso amor, não serviu realmente para nada. A tristeza é palpável mas nem isso nos leva a dizermos algumas palavras, alguma espécie de elegia a um amor que se prepara para ser enterrado definitivamente. Ficamos quietos, cada um no seu canto, calados, sem forças para fazer ou dizer o que seja. Até ao momento em que tu te levantas e sais porta fora e eu apenas consigo sussurar pela última vez o teu nome. Júlia...


domingo, maio 06, 2012

Dejá vu

"Não digas nada – a tua boca já me pertenceu
e agora tenho ciúmes das palavras. O que
disseres será um beijo pousado nos lábios de
outra mulher, dor e mais dor, traição maior
para quem acreditou que o teu amor era para
a morte. Não fales – tenho também ciúmes


da tua voz; ouvir-te é ficar só uma vez mais."

Maria do Rosário Pedreira



quinta-feira, novembro 05, 2009

Festa


O relato oficial fica por aqui. Eu fico-me pelas palavras do pai do João, que ontem foi não uma homenagem, mas sim uma festa da música, a música pela qual o João tinha uma paixão do tamanho do mundo, e que onde quer que esteja, o João está contente, feliz, com todas as pessoas e músicos que ontem se juntaram para celebrarem essa paixão que ele manteve até nos deixar. E que ele tenha sentido que todos os muitos aplausos que ontem se ouviram foram para ele, e ao mesmo tempo uma forma de adiarmos as lágrimas e olhos húmidos com que todos saímos do auditório. Arrepiante, lindo, indescritível.



(Puta de vida, merda de vida... porque é que os bons nos deixam sempre demasiado cedo?)


sábado, outubro 31, 2009

Homenagem


Obrigado, prima. Não podia haver melhor prenda fora-de-horas do que a oportunidade de celebrar a vida de alguém que tanto deu à música portuguesa. Viverás para sempre, João.


segunda-feira, janeiro 19, 2009

Descansa em paz

"Firme nas convicções, determinado nos objectivos , invulgar na forma de ser e estar na vida, desde sempre grangeou respeito e admiração no meio musical, ainda que nunca tivesse procurado o estrelato."

Foi com angústia que soube que este senhor nos deixou, aqui no mundo dos vivos. Fico com imensa saudade desta alma que me soube cativar para o seu universo musical, primeiro com a energia dos Sitiados, e depois com a beleza triste d'A Naifa. É pena termos agora apenas a nossa imaginação para nos guiar até onde o João nos levaria a seguir, na sua viagem pelas notas musicais. Fica, ali ao lado, a melhor homenagem possível, na forma de uma das suas músicas.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Queixas de um utente

"Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros

Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum"

(Poema de José Miguel Silva; Música de A Naifa)