domingo, fevereiro 01, 2015

Música de fundo

Era exactamente assim que Ana se sentia.

Não se sentia assim todos os dias, ou todas as horas, ou todos os minutos. Mas, como qualquer erva daninha que se recusa a morrer, o sentimento lá voltava invariavelmente ao de cima. Normalmente, e cada vez com maior frequência, ele aparecia naqueles momentos em que Ana se sentia mais feliz ou mais completa, de uma forma totalmente egoísta. Naqueles pequenos nadas em que se sentia menos só e mais alegre com a vida. Lá se desviava o seu pensamento para onde não devia. Lá se reavivava a recordação que Ana fazia por tudo esconder no mais profundo do seu interior.

Olhava para o outro lado da mesa do restaurante e o empregado lá vinha tirar o outro prato, o outro copo, os outros talheres. Apenas ficava a cadeira vazia, como que para a torturar, um lembrete permanente da sua condição. Ana olhava para a cadeira vazia por um segundo, um segundo apenas, e não tornava a pensar naquilo, mandava tudo para trás das costas. E durante o tempo da refeição, da satisfação que tinha, do conforto que recebia daquele pequeno prazer, nada mais passava pelo seu pensamento. Apreciava o momento como se fosse o último da sua vida. Era quando voltava a estar novamente sozinha, apenas com a sua mente, que voltava ao indesejado assunto.

E sempre com aquela música a rodar na sua cabeça.

Mas assim era. Ainda que nem sempre. Assim era exactamente como Ana se sentia.

"Tanto tempo casta
Apenas admirada
Tanto tempo casta
Nunca amada"




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