sexta-feira, fevereiro 13, 2015

Como o ar que respiramos

"O que importa é que as palavras, em contexto ficcional,
nunca são neutras. São ultravibráteis. Ao menos movimento,
ressoam. São caprichosas, sensíveis a cada minuto que passa,
a cada relance de luz. Não é indiferente lê-las numa página
amarelada, numa página de brancura rasa, ao alto da folha,
em baixo. A própria grafia implica uma ligeira alteração de
tom. As palavras são volúveis. Vêm de contrabando, estabele-
cem-se, envelhecem, desaparecem. Às vezes morrem, outras
vezes ficam adormecidas e são despertadas pelo beijo mágico
de algum príncipe das letras, que pode ser um humilde jor-
nalista. Pulsam, ecoam, modulam a sua própria ressonância.
Reverberam, espalham reflexos para todo o lado. São rebeldes,
desapertam as cordas, esgueiram-se das clausuras. São leves
e aéreas. São pesadas como tanques. Abismam-se, ampliam-
se, encolhem-se. Redimensionam-se."

Mário de Carvalho



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