quinta-feira, dezembro 31, 2009

Rufino & Filhos

"O desconcerto do mundo começa pelo que vai ficando por consertar.
Uma torneira que pinga, uma porta que descai, uma gaveta que empena.
Há os desconcertos tranquilos, com os quais podemos conviver meses inteiros sem perder horas de sono, e há os outros, mais agudos, que nos desarrumam as ideias e contribuem devagarinho para o nosso desconcerto interior, o mais terrível de todos, para o qual não há parafusos, arrebites, bananas ou batoques que nos valham.
O problema é que manter o mundo a funcionar dá trabalho.
O problema é que manter o mundo num brinquinho é só para alguns.
Consertar o mundo implica o domínio de certas técnicas e palavras que, aos poucos, desconfiamos nós, estão a cair no esquecimento.
É aqui que entramos em pânico e nos pomos a pensar: e se, de repente, desaparecerem os Akis e os Izzis deste mundo, aqueles onde se vendem as soluções já prontas, a massa A misturada com o preparado B?
E se de repente o único jeitoso que conhecemos deixar de nos valer?
Quem fará disparar o autocolismo avariado? Quem será capaz de travar mesas bambas ou destravar gavetas empenadas? Quem?
Digam-nos, quem?

(...)

Quando vos disserem que a solução para os problemas do mundo está nas mãos de Ban Ki-Moon ou de Barak Obama, sorriam... mas não acreditem.
A solução para os problemas do mundo está, sim, nas vossas humildes mas jeitosas mãos. Porque, se cada um cuidar da sua torneira, da sua pia, da sua porta, o mundo será certamente um lugar melhor.

Em 2010, não vale deitar fora, o que está a dar é consertar."



e podemos começar já daqui a bocadinho... feliz 2010 para todos.

músicas para 2009 - II

(de acordo com o Last.fm, estes foram os mais ouvidos em 2009, aqui para estes lados.)



quarta-feira, dezembro 30, 2009

palavras para 2009

janeiro,
«Já temos muitos quilómetros emocionais percorridos, com ruas paralelas e perpendiculares inesperadas, mas nunca, nunca com becos sem saída.»

fevereiro,
«Mas quando sou salvo... Não haverá nenhum opiáceo que forneça a mesma sensação. Uma sensação de liberdade, de quebra de barreiras intransponíveis, de amor, de alívio, de que realmente sou alguém e, num estranho universo do qual pouco percebo, a minha vida tem razão de ser e sim, é bom estar aqui e ser assim.»

março,
«O gang dos bróculos deixou mais marcas do que se pensaria. Vivemos em tempos violentos e todo o cuidado é pouco ao cruzarmo-nos com espécies tuberculas esverdeadas...»

abril,
«Tinha a sensação que esse facto lhe dava um ar algo desesperado, o que apenas aumentava os constantes remorsos que sentia de cada vez que entrava naquela casa. Mas que não impediam a excitação que sempre sentia naquele exacto momento. O momento em que tinha de escolher uma das mulheres do outro lado do vidro.»

maio,
«Ontem partilhámos provavelmente o momento mais íntimo que alguma vez tivémos. Bem sei que era uma actividade perfeitamente banal, mas quando os meus olhos encontraram os teus continuamente marejados pelas lágrimas que agora te aparecem tão facilmente, por pouco não chorei também.»

junho,
«Ouvir a sua vizinha de cima a tocar o piano era o amor que lhe chegava para incendiar o seu coração.»

julho,
«E depois de ouvir tudo aquilo, o esparguete não teve outra decisão que não fosse pegar nas suas almôndegas, meter o frasco de quetchupe na mala, colocar o chapéu de palha e sair pela porta da frente, deixando as chaves em cima do móvel da entrada.»

agosto,
«Valha-nos os poucos bocejos que demos ou ainda agora estaríamos no sofá. A idealizar uma qualquer teoria científica da treta, com resultados muito pouco credíveis...»

setembro,
«E quando chegavam a casa, beijavam-se e chegavam à conclusão que a sua vida nunca seria igual a um filme francês.»

outubro,
«Sentia-se a afundar lentamente, para dentro de um mundo que não descansaria até sugar toda e qualquer réstia de esperança humana à sua face. Manter-se à tona? Sim, continuaria a fazê-lo, sozinha e sem mais ninguém nem nada pelo qual fazê-lo.»

novembro,
«Por vezes deixo-me seduzir pela floresta, quando tenho a árvore mesmo à minha frente e nem assim viro o volante para evitar o embate que se avizinha.»

dezembro,
«Foram apenas dois segundos, enquanto passaste em frente ao vidro. Dois segundos que poderiam ter durado uma vida inteira.»


terça-feira, dezembro 29, 2009

fotografias para 2009



músicas para 2009

"Like a drug", Dead Combo



"Homelands", Nitin Sawhney



"Theme From Turnpike", dEUS



"Wrong", Depeche Mode



"Brainy", The National



"Samantra", Norberto Lobo



"Cangote", Céu



"Je Ne T'Aime Plus", Manu Chao



"Failure", Kings of Convenience



"A Man Needs A Woman Or A Man To Be A Man", Bill Callahan



"Filha de duas mães", A Naifa



"Creo Cariño", Oquestrada

filmes para 2009

Valsa com Bashir







Into The Wild







Slumdog Millionaire









Gran Torino









Star Trek







Chacun Son Cinéma











Elegia









The Limits Of Control









Inglourious Basterds













O Solista











O'Horten








The Brothers Bloom

livros para 2009

"A Conjura", José Eduardo Agualusa

"o apocalipse dos trabalhadores", valter hugo mãe

"A concise Chinese-English dictionary for lovers", Xiaolu Guo

"O Amante", Margerite Duras

"Contos Populares Portugueses", Adolfo Coelho

"The Insanity Defense", Woody Allen

"O homem em queda", Don DeLillo

"O Silêncio", Teolinda Gersão

"The gum thief", Douglas Coupland

"The Road", Cormac McCarthy

"The Human Stain", Philip Roth

"Um Circo no Nevoeiro", Renata Correia Botelho


sábado, dezembro 26, 2009

Um Circo no Nevoeiro

"encosto a face à parede
mais triste do quarto, fiel
guardiã do sol posto.

o coração que me deixaste
é uma casa difícil de habitar."

Renata Correia Botelho


(outra bonita prenda de Natal, delicada e frágil, em todos os sentidos, oferecida por um amigo com um coração grande, enorme e que torna as suas palavras grandes, enormes... obrigado, meu caro Gi)

sexta-feira, dezembro 25, 2009

Sol, Sombra e Riso

"- O girassol gira só
para o lado em que está o sol
porque as sombras, brrrr, as sombras
o deixam murcho, de trombas?

- Nunca tal ouvi dizer.
Ao sol, à sombra, a chover,
sob trovão ou granizo,
sempre lhe vi cara de riso.
"

Raul Malaquias Marques


(Uma bonita prenda de natal da minha querida amiga Suki, com líndissimas ilustrações de Yara Kono. Como não posso mostrar o bonito girassol da Yara, fica uma fotografia do ano que está quase a terminar, com os girassois gigantes da Teresa.)


Hoje houve clássico


Pertence à categoria de filmes que já passaram pelos meus olhos mais de uma dezena de vezes. E nunca me canso de o ver, mesmo quando não estou à espera que isso aconteça, como foi o caso hoje. E há quatro boas razões para ver este velhinho western que não é bem um típico western. São elas John Ford, James Stewart, John Wayne e Lee Marvin. Ok, há mais uma, mas admito que isso possa ser só para mim (Lee Van Cleef). De qualquer das formas, brilhante.

quinta-feira, dezembro 24, 2009

Prenda Minha - IX

Ao contrário de outros anos, hoje faltam-me as palavras. Não que tenha perdido o meu espírito natalício, muito pelo contrário. Simplesmente as palavras escapam-me, soltaram-se, andam por aí, espalhadas pelo mundo, numa edição limitada àqueles que ocupam pequenos espaços no meu coração. Espaços alegres e emocionais, tudo menos cinzentos, como alguém comentava no outro dia. E assim não há muito mais a dizer. Deixo-vos uma música do meu filme de Natal preferido. Feliz Natal a todos e todas!

sábado, dezembro 19, 2009

Face a face

"Eu posso muito bem ver que a vida tem os seus momentos grandiosos. Com uma certa objectividade, posso constatar que ela, por exemplo, é bastante bonita. E generosa. Posso compreender, por puro academismo, que ela oferece muitas saídas. É lamentável apenas que eu, pessoalmente, ache que ela é uma merda."

Ingmar Bergman

Prenda Minha - VIII

Decidi retomar uma velha tradição cá em casa. Nada de presentes abertos até ao dia 25 de Dezembro. Nada como recuperar um pouco da nostalgia infantil que se vai perdendo ao longo dos anos. O inconveniente? Bom, vão chegando algumas prendas, entre postais e embrulhos, que terão de esperar pacientemente até ao dia apropriado. Os agradecimentos são enviados sempre com essa ressalva e assim tem sido com bastante curiosidade que tenho acumulado as prendas e me tenho limitado a embrulhar as prendas que tenho enviado/preparado para entregar. E grande parte da minha alegria natalícia tem sido mesmo isso, os embrulhos, os postais, as palavras certas para dizer a todos os que, de uma forma ou de outra, me rodeiam. Felizmente tenho demorado mais tempo nestas tarefas do que propriamente andar de loja em loja a comprar prendas. Aquelas que tive de comprar, demorei o tempo estritamente necessário para o fazer. Seja como for, o que está feito, feito está. E foi feito com a melhor das intenções, como a maior das partilhas. E todo o dinheiro do mundo não significa nada quando há partilha de afinidades, quando sabemos que do outro lado vai haver um sorriso ou algo que lhe aqueça o coração. Dito isto, obrigado.


domingo, dezembro 13, 2009

Mantra

"the more things change,


the more they stay the same."



(and that's the greatest gift of them all.)

quinta-feira, dezembro 10, 2009

Prenda Minha - VII

"Experiência intemporal, deliciosa para quem
aprecia as antigas castas do Douro Tinta
Roriz, Touriga Franca e Touriga Nacional,
na sua inocente e virtuosa nudez original,
sem madeira. Um regresso ao passado,
intenso e aveludado. É rubi com taninos
suaves. Ideal para acompanhar momentos
de profundo requinte..."

É um rótulo, é verdade. Mas na verdade é muito mais que um rótulo. É uma cumplicidade que tiveste a enorme gentileza de partilhar comigo. Ou, nas tuas próprias palavras, a celebração da proximidade. E é um rótulo que significou uma conversa longa e bonita, daquelas que quando vamos a ver duraram horas e ao mesmo tempo foram apenas um breve instante. O tempo de uma imperial, infelizmente sem tremoços. E para mais, ainda teremos muita conversa para pôr em dia, ao mesmo tempo que asseguraremos que os senhores carteiros continuarão a ter com que se entreter. Foi muito bom. Até já, minha bonita calamidade.

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Prenda Minha - VI

E pronto. Eis que ela começa a navegar por esse Natal fora. Ontem foi entregue o primeiro exemplar em mão. Apesar de não ter conseguido estar presente, espero que tenha gostado. Pelo menos até já há fotos e tudo. A tecnologia é uma coisa fantástica...

E hoje houve expedição. Dos correios para uma série de lugares espalhados por aí. Espero que chegue tudo a tempo. Espero que gostem. Espero que não pensem que eu sou um simples egocêntrico, com a mania das grandezas. Espero que percebam que é um bocadinho de mim que estou a oferecer-lhes. Enfim, trata-se de uma simples questão de esperar para ver...

domingo, dezembro 06, 2009

Ainda pela sala de cinema...


"O álcool só serve para me deixar sóbrio."



"There is no such thing as an unwritten life, only a badly written one."


terça-feira, dezembro 01, 2009

Grande ecrã

Ontem foi dia de Cinanima. Pequenas obras de arte apenas em tamanho. Grandes imagens que nos perseguem muito depois de abandonarmos a sala de cinema. Ali há tanta beleza que é quase impossível descrevê-la. E tantas histórias que gostaria de ter escrito ou pensado. No fundo, um sentimento de admiração por quem cria tantas e tão diferentes obras-primas. Fica um dos frames daquela que para mim foi a mais perfeita, certamente a levar um certo e determinado pólo a viajar até outros tempos.

Moldura

Estava sossegado. Absorvido pelo meu livro e pelo café fumegante que tinha acabado de chegar à mesa. O resto do mundo não existia. Só eu, o meu livro e aquele momento perdido nas palavras do Philip. Até que tu passaste na rua. Do outro lado do vidro do café, lá estavas tu, a passar quase em câmara lenta, nos braços de dois homens que te seguravam como se fosses a coisa mais preciosa de todo o mundo. Quase como se tivessem receio de te deixar cair e que te partisses em mil e um bocadinhos de frágil porcelana. Seguravam-te enquanto a tua pele recebia os poucos raios de sol que teimavam em escapar-se por entre as costumeiras nuvens cinzentas que por ali faziam a sua casa. A tua pele. Macia, quente, ardente com todo o teu interior. Quantas e quantas vezes me tinha deixado ficar assim, deitado junto ao teu corpo nu, só para sentir toda a tua pele? E os teus cabelos? Negros como as noites que partilhámos. Seria capaz de me afogar nesses teus cabelos negros se isso significasse ficar contigo para sempre. Mal se moviam com o vento, enquanto passavas do outro lado do vidro, nas mãos daqueles homens. Tinha saudades dos teus cabelos. Saudades de os ver soltos, longos, quase como se fosses abrir asas e voar pela janela do nosso quarto. E com as saudades dos teus cabelos, vêm todas as memórias que guardei do teu corpo. Os teus olhos. Os teus olhos profundos, sábios, de ascendência milenar, olhos que seriam capazes de desarmar os mais empedernidos homens à face da terra, olhos capazes de me levarem de boa vontade à mais desesperada das loucuras. E a perfeição dos teus seios? Sim, é verdade, admito-o, quantas e quantas vezes não fiquei eu hipnotizado, deslumbrado, alucinado com os teus seios? Nunca me cansei de lhes tocar, de os apertar, de os beijar, de me perder neles enquanto a noite era noite. E agora, aqui os torno a ver, de novo a passearem-se à minha frente, apenas com um vidro a separar-me deles, quase louco de raiva por ver as mãos daqueles homens tão perto deles. E quase viro a cara ao aperceber-me que essas mesmas mãos também estão tão próximas do teu sexo. O teu poderoso e inclemente sexo. Dominante, como todo o teu corpo, mas ainda mais radiante de tão suave na sua presença. Lembro-me de sentir o pequeno tufo de pelos à sua volta, o pequeno arbusto a servir como coroa às tuas pernas. Pernas intermináveis na sua beleza. Todas as recordações são demasiado dolorosas. Ainda não consigo pensar em ti sem sentir um aperto no peito, quanto mais ver-te assim, desfilando à minha frente, escarnecendo da minha dor.

Foram apenas dois segundos, enquanto passaste em frente ao vidro. Dois segundos que poderiam ter durado uma vida inteira. Ou assim parecia. E eu fiquei tão desnorteado com a tua presença que nem sequer me apercebi que aqueles homens apenas transportavam um dos teus quadros. Um dos teus muitos auto-retratos, espalhados por tantas e tantas partes desta cidade. E que dia após dia insistem em cruzar-se comigo, recordando-me a tua ausência da minha vida. Que insistem em dizer-me que já não estás aqui, que os meus dias estão incompletos, e que as minhas noites me envolvem com a solidão de quem já não tem amor na sua vida.