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segunda-feira, julho 28, 2014

"Janela"

"A vida não é menos
incoerente do que os sonhos;
é apenas mais insistente."

José Eduardo Agualusa



Gostava de ter uma "janela" igual a esta. Não só na minha casa, mas permanentemente na minha vida. Parece que olhando através dela todos os problemas e angústias desaparecem como num passe de magia. O sol, o céu azul e o mar são todo o zen que preciso, nada mais. Eu e todos os indivíduos que aqui ocorrem. Como borboletas (ou traças) que correm na direcção da lâmpada descuidadamente ligada. Nas conversas, nos olhares, nas expressões iluminadas, percebe-se a nossa cumplicidade. Ainda que anónima. Uma ou outra pessoa sentada sozinha, a maioria em casais ou grupos de amigos. Os casais parecem enamorados, prescrutando ansiosos o horizonte que se vai tornando cada vez mais vermelho. Olho e lembro-me do livro do Agualusa, que acabei ontem à noite. E penso se o nosso destino é mesmo vivermos toda a nossa vida ao lado da mesma pessoa ou se, como Faustino, devemos viver vários e diferentes amores, o mesmo é dizer viver muitas vidas dentro da nossa aparente breve existência de carne e osso? Não sei responder. Neste preciso nanosegundo, a minha vida encontra-se tão longe destes dois caminhos distintos, que tenho dificuldade em sequer pensar no que me aguarda ao virar da esquina. É o defeito de ter o mar à minha frente. Desligo os meus neurónios, não penso em mais nada, apenas na calma que me rodeia, no sol que se esconde por trás do mar imenso, no céu em chamas que me cobre, nas trevas que se vão aproximando e me prometem embalar para um outro mundo, um mundo onde posso ser eu mesmo, sem pressões, sem ter de me esconder e fugir dos meus dias que passam a correr. A resposta é que sonho em ter uma vida como a de Faustino, exactamente igual e em todos os aspectos. Mas dentro de mim, também há um coração que secretamente anseia por ser como um dos casais à beira da minha "janela". Baixa a cortina, acaba o espectáculo, pago a conta e saio porta fora .

(Novembro de 2008. Escrito no único sítio que poderia fazer sentido.)


quinta-feira, novembro 10, 2011

Filosofia de Elevador

"A invisibilidade tem vantagens. Ouço muitas conver-
sas. Vejo estranhas coisas. Vou chegando à conclusão
de que o mundo, lá fora, não é muito diferente de um
circo. Há palhaços ricos e palhaços pobres. Domadores
de feras, estalando chicotes contra tigres vegetarianos,
que rugem em playback para assustar a turba, e são tão
medrosos que até uma barata os assusta. Há os equili-
bristas e os contorcionistas. Os que vivem no muro e os
que nunca tiveram coluna vertebral. Há os que fazem sur-
gir coelhos de dentro de cartolas, e os que desaparecem
com os coelhos e as cartolas, e todo o dinheiro dos justos.
O circo é o mundo condensado. Como o leite con-
densado, compreende?, meio artificial, mas muito mais
doce. A gente aprende a rir. Aprende a rir para combater
a dor."

José Eduardo Agualusa


sexta-feira, outubro 14, 2011

A Educação Sentimental dos Pássaros

"A bondade é transparente, não carece de explicação.
Personagens de alma pura tendem a dar, já se sabe, fracas
personagens. Almas puras, como a água pura, não sabem
a nada. São matéria insípida. Personagens perversas,
pelo contrário, fazem a alegria dos atores que as inter-
pretam no cinema ou no teatro. O mal, mesmo rudimen-
tar, parece sempre mais complexo e interessante do que
o bem. O Diabo fascina. Os anjos, esses, nem sexo têm."

José Eduardo Agualusa



quinta-feira, janeiro 29, 2009

A conjura (em Barcelona)

"Pior: Luanda era um ninho de putas! Elas estavam
por todo o lado, mas sobretudo nas colmeias de
cubatas rudes que se derramavam numa torrente
de sons e de cheiros pelas encostas dos morros, e
também ao longo do porto, e ainda na alegria
esfuziante do negro bairro das Ingombotas. Eram
tantas que já nem suscitavam escândalo: tão activas
que delas se dizia movimentarem mais dinheiro do
que o Banco Nacional Ultramarino; tão ternas e tão
sábias que muitos comandantes não autorizavam o
desembarque dos seus marinheiros, receosos de que
estes uma vez em terra não mais quisessem voltar,
presos para sempre ao doce perfume das princesinhas
da noite."

José Eduardo Agualusa













"We are meant for each other and not meant for each other. It's a contradiction."

quinta-feira, novembro 20, 2008

Desliga.

"A melancolia portuguesa corrompe o espírito, escurece-o, como o frio do Outono amarelece e mata as folhas das árvores."

José Eduardo Agualusa


Naqueles dias, a melancolia descia pelas paredes, lentamente, e ia abraçá-lo na sua poltrona, assistindo com ele ao desfile televisivo das desgraças e semi-desgraças de mais um dia praticamente finito de Outono. A melancolia envolvia-o como um cobertor enquanto assistia à intransigência de um executivo que clama desesperadamente por uma recauchutagem ou novas eleições, versus uma oposição que consegue melhores resultados quando não abre a boca do que quando larga meia dúzia de bujardas para garantir o seu share televisivo. A melancolia serpenteava à sua volta enquanto ele angustiava por também receber uma carta de alguma herança milionária enviada por um parente cujo nome não passava de iniciais e que normalmente começavam sempre por B e acabavam numa taxa de 16%. A melancolia dizia-lhe pequenos nadas ao ouvido enquanto ele tentava perceber porque razão é que ainda suspeitavam que as gasolineiras não passavam de um cartel quando tinham baixado tão generosamente os preços do seu tão precioso néctar. A melancolia insinuava-se-lhe descaradamente à medida que novos termos de identidade eram emitidos para tão garbosos jovens apenas pelo facto de terem uma linguagem mais colorida para um telejornal do que uma peixeira do bolhão (isso e o facto de atirarem uns tijolos e gostarem de pacotes de açucar um bocadinho maiores e de moagem mais fina). A melancolia infiltrava-se-lhe nos poros enquanto ele achava perfeitamente natural o menino d'oiro ficar tão distraído com tanto calor e tão poucas roupas em quantidades tão desmedidas.

A melancolia arrefeceu-o. Desligou a televisão, foi para a cama e pegou num livro. Um livro sobre um país menos melancólico e menos outonal.


segunda-feira, novembro 17, 2008

As Mulheres do meu Pai

"Tive um grande amor e perdi-o. Não teria sido um grande amor se o não tivesse perdido. Penso nele constantemente. Deito-me, para dormir, e vejo-o. Adormeço e vejo-o. Acordo e vejo-o, adormecido, ao meu lado. O meu erro. O meu pecado. O escândalo que destruiu o futuro que a minha mãe sonhou para mim. Hoje, não consigo amar ninguém, entregar-me com verdade e paixão a quem quer que seja, pois por mais que me esforce, fechando os olhos, exercitando o esquecimento, não posso impedir-me de cotejar os corpos que levo para a cama com o corpo do meu perdido amor, e em todos descubro, nauseado, insuportáveis falhas. A firmeza da pele, a justa cor dos olhos, o riso de troça, com que me repelia, a forma como inclinava a cabeça para me olhar, as pernas altas e longas, a voz de penumbra entre os lençóis."

José Eduardo Agualusa

segunda-feira, dezembro 17, 2007

O Vendedor de Passados

"Passa-se com a alma algo semelhante ao que acontece à agua: flui. Hoje está um rio. Amanhã estará mar."

José Eduardo Agualusa