domingo, dezembro 30, 2007

Em repeat

"You'll figure that out. The more you know who you are, and what you want, the less you let things upset you."

(...siga para 2008...)


Epígrafe para a nossa solidão

"Cruzámos nossos olhos em alguma esquina
demos civicamente os bons dias:
chamar-nos-ão vais ver contemporâneos"

Ruy Belo


O ano acaba amanhã

Uma fotografia a preto e branco.
Era isso que acompanhava o teu postal de Natal. Apenas e só.
Confesso que não estava à espera. De rigorosamente nada. Afinal, não era como se tivéssemos ficado um par de bons amigos. Muito pelo contrário. Assim de repente, não me lembro de um ódio mais visceral que me tenha acompanhado durante a minha vida. E não minto se disser que do teu lado as palavras que poderias escrever sobre nós não seriam muito diferentes daquelas que agora aqui deixo. E mesmo assim deste-te ao trabalho de me mandar aquilo.
Uma fotografia banal. Uma fotografia de uma rua que podia ser a rua de uma qualquer cidade, ou vila, ou aldeia, de um qualquer país não identificado.
Só tu e eu sabemos o que aquela rua significou. Só no passado. Hoje significa pouco mais que nada.
E mesmo assim colocaste-a num envelope e mandaste-a para mim.
Poderia ficar a questionar-me para todo o sempre. Mas no fundo, ou mesmo à flor da pele, sei perfeitamente porque o fizeste. Porque, como já aqui escrevi, o teu ódio por mim parece não conhecer limites nem prazos de validade. E para ti, o rodar da faca, o fluir do sangue, a estocada final, veio dentro de um envelope, qual presente envenenado. E olhando para o preto e para o branco, quase consigo ouvir o teu riso, o riso de alguém que sabe que se antecipou ao meu próprio desejo de te magoar. Sim, é verdade, eu próprio queria ter feito isto. E não fosse o infindável labor destes dias, seria isso mesmo que eu teria feito. Assim, resta-me ficar aqui, consumido pela minha dor e imaginar-te troçando de mim, de nós, de tudo aquilo que ficou para trás das nossas costas.

Seria tão fácil rasgá-la, mas acho que a vou colocar naquela moldura que me ofereceste o ano passado. Afinal de contas, nunca fizeste nada ao acaso, nem mesmo quando tiraste a fotografia...

Instantâneo de Natal - XVI


Restelo, Lisboa

sábado, dezembro 29, 2007

Os amigos

"Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura

Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis

Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor"

José Tolentino Mendonça


sexta-feira, dezembro 28, 2007

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Terapia escandinava

"Can you hear the beat of my heart?..."



Pudera, depois de quarenta piscinas em pouco mais de meia hora... Até do outro lado do planeta se deve ouvir perfeitamente... Ou então é o excesso de glucose a falar...


sábado, dezembro 22, 2007

"Porque é que não cresces, porra?"


Porque, e fazendo uma analogia armada ao pingarelho, gosto de preservar uma moldura temporal daqueles por quem tenho afeição. Mesmo que passemos a noite a falar de limoeiros... Obrigado.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Prenda de Natal

Gostava de manter a tradição, por isso tinha colocado a árvore na sala, decorando-a com todas as pequenas preciosidades que Beatriz tinha feito com as suas próprias mãos, naquele primeiro Natal longínquo, passado em conjunto. De certa forma, enquanto fazia o pequeno ritual que iniciava todos os Natais desde então, de certa forma, pensava ele, sentia-a mais próxima de si, quase conseguindo ouvir a sua voz e o seu riso que ecoava por toda a casa, suplantando de uma forma doce e delicada todas as músicas que pairavam por ali, naquela época do ano. Mesmo assim, aquela era a altura do ano em que o seu coração mais se apertava com a ausência de Beatriz. Tinham vivido uma vida inteira unidos por um amor interminável e agora ele tinha de seguir essa vida por si próprio, sem a outra metade de si mesmo. Não havia mágoa, apenas uma inabalável saudade.

Ao lado da lareira, as luzes da árvore brilhavam como pequenos pirilampos perdidos. Era altura de preparar a mesa da consoada. Não tardariam a chegar os seus filhos, noras, genros, netos e uma pequenina bisneta que iluminava toda aquela enorme casa. Todas aquelas pessoas que continuavam a fazer do Natal a sua altura preferida do ano. Mesmo sem Beatriz. Mas ao mesmo tempo, em todas aquelas caras que se reuniam à volta da mesa, comendo, bebendo, conversando, rindo e sim, mesmo por vezes chorando, em todas elas acabava por ver a presença da sua esposa, na felicidade que ela sentia de cada vez que a família se reunia para partilhar todas as recordações de mais um ano, enquanto presentes eram abertos e cumplicidades partilhadas. Uma e outra vez.

A mesa estava pronta, só faltavam os convidados. Enquanto esperava, ia olhando para as paredes de tanto tempo, onde fotografias e mais fotografias de Beatriz se tinham acumulado ao longo dos anos. Dos momentos bons e de outros menos bons. Desde o seu casamento até à sua primeira gravidez. Aquela pequenina alma que apenas tinha vivido com eles alguns dias até ao momento em que se tinha extinguido. Miguel. O seu primeiro filho. Quantas alegrias ou tristezas poderia ele ter trazido consigo. Até onde poderia ter chegado. Assim não haveria de acontecer. Na altura, foi a primeira vez que sentiu a dor como nunca a tinha sentido. Por Miguel e por tudo aquilo que passou com Beatriz. De uma coisa tinha a certeza, foi nesse momento que o seu amor se revelou verdadeiramente e soube que iria passar todos os seus dias ao lado daquela mulher generosa, viva, feliz como poucos. E com o passar dos anos, todas as ramificações que deles os dois tinham brotado, eram expressões de felicidade do amor que sentiam um pelo outro. Todos os dias.

Era por tudo isto que continuava a celebrar o Natal e cada vez com mais entusiasmo. Porque, para lá dos presentes, das rabanadas, do vinho do Porto com que todos os anos brindava, das luzes de Natal, da confusão generalizada à mesa, para lá de tudo isso, o Natal acabava por ser a ocasião em que sentia Beatriz mais próxima de si, na sua alma e na de todos os que entravam por aquela porta e se juntavam à festa. E era por isso que agora, no momento em que a campainha tocou, o seu sorriso se tornou ainda mais largo e uma pequenina lágrima rolou pela sua face abaixo. O Natal tinha acabado de chegar. E mais logo, seria a altura em que mais uma vez recitaria o poema preferido de Beatriz, aquele que todos eles já sabiam de cor e que sabiam ser a memória mais bonita que tinham daquele anjo que tinha passado pelas suas vidas...

Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...
entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sitio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.

Procuremos o rastro de uma casa,

a cave, a gruta, o sulco de uma nave...

Entremos, despojados, mas entremos.

Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.




terça-feira, dezembro 18, 2007

"Ninety orbits around the sun..."





Congratulations, sir Arthur, and may you live as long as the stars over our heads.


segunda-feira, dezembro 17, 2007

Instantâneo de Natal - XI & XII




















C.C. Allegro, Alfragide

O Vendedor de Passados

"Passa-se com a alma algo semelhante ao que acontece à agua: flui. Hoje está um rio. Amanhã estará mar."

José Eduardo Agualusa


terça-feira, dezembro 11, 2007

domingo, dezembro 09, 2007

Domingo, de manhã

Palavras de Anselmo Borges que me fazem ter alguma esperança.

"Crer, acreditar, significa entregar-se confiadamente a Deus. E agir em consequência.

(...)

Na Escritura diz-se que os demónios também acreditam em Deus. Mas isso não faz com que eles se tornem bons.

(...)

e neste sentido, o cristianismo está para lá da confessionalidade religiosa, surge como verdadeiramente universal. Trata-se de fazer bem àquele que precisa, independentemente de tudo, e até da sua religião.

(...)

O mais importante é o amor entre os seres humanos, é fazer o bem, e fazê-lo de modo verdadeiro, e eficaz - não falo da pequena caridade, mas da transformação das estruturas sociais, políticas, económicas, de tal modo que todos os homens possam realizar a sua humanidade.

(...)

Um Deus em nome do qual se fazem guerras é um Deus abjecto. Um Deus que às vezes se anuncia contra a ciência é um Deus no qual não se pode acreditar. Um Deus que se confunde frequentemente com o dinheiro é um Deus idolátrico. Um Deus que humilha, que discrimina, que escraviza, que impede as pessoas de se cumprirem como homens e mulheres, que deus-ídolo é este? É então preferível ser ateu.

(...)

A Igreja, que é universal, tem alguns problemas pela frente. Um deles tem a ver precisamente com as mulheres. É preciso que se reconcilie com as mulheres.

(...)

A Igreja Católica não pode pregar os direitos humanos fora dela, quando não os pratica no seu seio.

(...)

Mas o fundamentalismo é anti-religioso, no sentido profundo da palavra.

(...)

Nenhum homem nem nenhuma mulher, nenhuma religião, nenhuma política, nenhuma ciência, nenhuma filosofia possui o fundamento. É ao contrário: é o fundamento que nos possui.

(...)

Por vezes há religião a mais, sim.

(...)

As palavras das celebrações têm de ser vivificantes, têm de poder dar um horizonte de sentido à vida das pessoas, que é tão complexa. Palavras vivas contra a banalidade, contra o consumismo, contra o rasteiro e a superfície.

(...)

O cristão não pode pretender converter o budista, nem o inverso. Porque não dialogamos os dois para nos convertermos ao mistério, e sairmos reforçados, o cristão mais cristão, e o budista mais budista? É para aí que devemos caminhar. E deste diálogo inter-religioso fazem parte os ateus. Porque são quem tem uma melhor situação para denunciar o execrável, a desumanidade da religião. Os ateus obrigam-nos a repensar, a acordar.

(...)

A paixão por Deus tem de se traduzir em compaixão pela humanidade."


Pelo meio destas palavras também estou eu. E deve estar também aquele casal de ontem, com idades para serem meus avós, e cujas palavras me deixaram a mim sem as ditas cujas, fazendo-me um pouco mais feliz, no meu íntimo.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Instantâneo de Natal - VII


Praia da Torre, Oeiras

Nevoeiros

E depois venham falar-me em introspecção.
Em olhar através da janela e apenas ver a chuva a bater no vidro enquanto sentimos um calafrio a percorrer a totalidade da nossa espinha dorsal.
Pensar no que é que realmente fizémos da nossa vida até este momento no tempo, se estamos realmente satisfeitos com isso ou não, ou o que é que nos aguarda ao virar da esquina.
Recordar aquela paixão, aquele amor que nos deixou vazios por dentro no exacto segundo em que terminou e pensar que se calhar, por um mero acaso, até podíamos ter salvo os nossos corações, o meu e o dela.
Que a realidade é dura e por vezes cospe-nos na cara e nós não queremos dar a outra face, mas acabamos por cometer os mesmos erros, uma e outra vez.
Que o tempo de pensarmos que podemos mudar o mundo está morto e enterrado.
Que poderia ser tanto mais fácil se simplesmente baixássemos os braços e nos rendéssemos, parássemos de tentar remar contra a forte maré em que estamos e nos deixássemos apenas envolver pelos nossos inocentes sonhos de infância.
Pensar que a memória é algo de inútil quando só nós a utilizamos e mais ninguém.
Pensar que estamos a ficar mais velhos e que não ganhamos rigorosamente nada com isso.
Pensar que a vida nos traiu em algum ponto de viragem da nossa vida e que em vez de olharmos para nós, mandamos as culpas para cima de alguém que nem sequer sabemos se realmente existe.
Que somos uns coitadinhos que não merecem compaixão de ninguém, muito menos amor.

E depois venham falar-me em introspecção.
Quando já foi tudo explicado por este senhor. Sem espinhas e sem meditações.


terça-feira, dezembro 04, 2007

Instantâneo de Natal - V


Lourel, Sintra

Mágoa

substantivo feminino


1.
efeito de magoar; nódoa ou marca produzida por contusão;

2.
tristeza; desgosto; amargura;

3.
dor de alma;

(Do lat. macùla-, «mágoa»)

(in Infopédia)

(o sublinhado a vermelho é da minha autoria.)

domingo, dezembro 02, 2007

Da verdade do amor

"Da verdade do amor se meditam
relatos de viagens confissões
e sempre excede a vida
esse segredo que tanto desdém
guarda de ser dito

pouco importa em quantas derrotas
te lançou
as dores os naufrágios escondidos
com eles aprendeste a navegação
dos oceanos gelados

não se deve explicar demasiado cedo
atrás das coisas
o seu brilho cresce
sem rumor"

José Tolentino Mendonça


(Isto faz-me lembrar um grande amigo meu que, espero, tenha encontrado a sua própria versão da verdade do amor e que a mesma cresça, sem rumor mas com o enorme brilho a que ele tem direito.)

Clone


(Este podia ser eu, mas não é. Até porque eu não gosto muito de acessos condicionados.)

Espelho

Era a sua obcessão. O seu televisor privado. A única forma que reconhecia como a sua aproximação às demais pessoas que o rodeavam todos os dias. Ali, ao olhar pelo espelho retrovisor, era quanto se sentia mais humano, mais real. Era capaz de ficar a olhar horas e horas para aquilo que se passava nos automóveis que passavam atrás de si. Devia ser por isso que tinha escolhido aquele emprego, que lhe permitia passar grande quantidades de tempo atrás do volante e diminutos minutos no escritório, onde teria que comunicar com palavras verdadeiras com os seus outros colegas. Ali, dentro do carro, não era obrigado a isso, podia contentar-se em ler os lábios e as conversas das pessoas no seu espelho retrovisor. O seu "horário nobre" eram os engarrafamentos, quando ficava parado num mar interminável de veículos e podia ver ainda mais atentamente os seus "programas retrovisivos". Um casal que discutia e gritava, enquanto invocava razões e mais razões para um deles ficar com a custódia da criança que chorava compulsivamente no banco de trás. Uma outra criança que contava à mãe como tinha corrido o seu primeiro dia de escola e como os seus novos colegas não o gozavam por andar numa cadeira de rodas. Um velhote que conduzia sozinho e ia cantarolando uma música antiga da Madonna. Um homem que falava ao telemóvel e dizia à pessoa do outro lado que mais uma vez se tinha esquecido de tomar a vacina da insulina, enquanto deitava pela janela um invólucro vazio de um Mars. Um outro casal que não dizia uma única palavra, os olhares distantes um do outro, tentando evitar qualquer troca de emoções. Ou um outro casal ainda que falavam dos seus planos de sair da cidade, ir para uma pequena terra no interior e começar toda uma outra vida, quem sabe com filhos ou, na melhor das alternativas, com gatos e cães. Tudo aquilo ele observava e sentia como se fosse a sua própria vida que estivesse em jogo em todas aquelas pessoas e palavras que passavam pelo espelho. Umas vezes reencontrava-as, num outro engarrafamento, num outro mês ou ano, a maior parte das vezes transformavam-se em fantasmas do seu passado, que o atormentavam em sonhos pela noite dentro. Tal como as sombras escuras que não conseguia distinguir quando tinha que conduzir à noite. Era o fecho da emissão. A mesma só seria retomada no dia seguinte, quando novas personagens surgissem no seu pequeno televisor que apenas via a vida lá atrás. Enquanto a sua própria vida se esfumava e ele não era obrigado a ter de vivê-la, aquela coisa indefinível e sem forma que ele próprio não sabia como lidar e com a qual não queria mesmo viver. Mas, como alguém diria, "assim é a vida: atenção ao prazo de validade."

RC)