segunda-feira, agosto 29, 2011

Parêntesis.

Hoje foi um dia complicado. De coração apertado. Com vontade de estar junto daqueles com quem tinha estado até ontem. Com saudades deles todos, vivos e mortos. Na verdade, e agora que me ponho a pensar, já não sentia realmente isto, e com tanta força, desde o primeiro ano deste século. Ou o último ano do século passado, escolha-se a doutrina que se quiser. Não sentia tamanho peso dentro de mim desde aqueles dias, em que errava pelas ruas sem destino, sem pontos de referência, com as indicações cheias de caracteres estranhos e incompreensíveis. O sentimento é igual, ainda que hoje não tenha tido tempo para andar pelas ruas. E tal como nessa altura agora longínqua, quase como se de outra vida se tratasse, chego também ao fim do dia sem forças e sem vontade de continuar, mas sabendo, no meu íntimo, que tudo passa e que tudo tem de seguir em frente, por mais dor e saudades que se tenha. Valha-nos as ligações telefónicas, no caso dos vivos. Valha-nos as memórias e histórias acumuladas ao longo de uma vida, no caso dos mortos.

Descanso. Amanhã vai correr melhor.


domingo, agosto 28, 2011

Interregno.

Tenho tanta coisa para escrever. Tantas coisas que gostava de vos contar. Mas receio que se o fizer agora, apenas conseguirei colocar aqui lágrimas e não palavras. Por isso, e enquanto faço uma pausa na palavra escrita, deixo aqui algo que já tem mais de dois anos. É só um parágrafo, mas neste momento nem o consigo acabar de ler. Adeus, meu querido António.

Ontem partilhámos provavelmente o momento mais íntimo que alguma vez tivémos. Bem sei que era uma actividade perfeitamente banal, mas quando os meus olhos encontraram os teus continuamente marejados pelas lágrimas que agora te aparecem tão facilmente, por pouco não chorei também. Armei-me em forte e sorri e pedi o teu sorriso, que de tão bonito devias exibi-lo todos os dias. Quando viraste as costas, enxuguei as minhas lágrimas enquanto pensei que momentos como aquele são aqueles que irei guardar no meu coração quando a tua hora de partir der os primeiros sinais. E derramei mais algumas lágrimas quando pensei nisto.

(escrito nesta data.)

segunda-feira, agosto 15, 2011

Família.

Hoje fui recordado mais uma vez de como esta vida pode ser injusta. De como nos pode privar dos bons, daquelas pessoas que mereciam viver para sempre, espalhando por este mundo a sua bondade, a sua coragem, a sua força de viver. De que somos realmente apenas um pouco de luz que atravessa a vida daqueles que nos rodeiam, de que a amizade e o amor são valores intemporais, indiferentes ao espaço e ao tempo que passam, impiedosos. De tudo isto e mais. Que há pessoas que têm tanta força dentro de si que nuncam, jamais, haverá alguma doença que apague a sua presença das nossas vidas, que as memórias serão guardadas como peças fundamentais do nosso coração. E que, no fundo, os bons ganham sempre, sempre! Por isso, minha querida amiga, choremos sim, para aliviar a nossa dor e a nossa tristeza, mas ao mesmo tempo continuemos a sorrir, imitando o sorriso que ela nos devolve, que sempre nos devolverá, agora e sempre. E como sei o que sentes, e como já escrevi palavras sobre isso mesmo, quero que saibas que essas mesmas palavras são também para ti e para todos aí em casa. Com o amor de um amigo que estará sempre contigo.



Ainda se sente a tua ausência. Quando entramos na casa, desviamos o olhar para onde te vimos pela última vez, na esperança de reavivarmos as memórias que temos de ti. Já passou quase um ano que não te temos junto de nós mas os olhos ainda ficam tristes quando não te vemos onde sempre te encontrámos. Falta-nos a tua alegria, o teu sorriso, a tua forma de ser que sempre nos fazia voltar. Sentimos que há uma parte de nós que foi contigo também, uma parte da nossa inocência e do nosso sentimento de mortalidade. Continuamos a nossa vida, como tu o desejarias, e continuamos a reunirmo-nos como o fazíamos contigo. Celebramos as nossas pequenas festas e aniversários e recordamos-te nos nossos risos e amor uns pelos outros. Tentamos esconder as nossas saudades por ti mas há sempre uma lágrima que nos denuncia e, ao mesmo tempo, te recorda. A dor não desaparece dos nossos corações mas quando nos juntamos, juntamo-nos para celebrar a tua vida e todos os momentos em que tocaste a nossa. Quero que saibas que, onde quer que a tua alma se encontre, nós nunca te esqueceremos nem ao amor que tinhas por nós. Temos saudades tuas. Sentimos a tua falta.
(escrito a 21 de Maio de 2006)


quinta-feira, agosto 04, 2011

Do mesmo sangue.


Ao longo da minha vida tem havido uma série de momentos, comigo e sem mim, que tento evitar que caia naquele abismo do nosso cérebro onde muitas das memórias se deixam ir até ao desaparecimento eterno. Recordo-as uma e outra vez, com a ajuda dos que lá estiveram, reavivando a mente dos contornos de cada momento, cada palavra dita, cada imagem que passou pela retina. Tento sempre, sem desistir, pois são momentos que constituíram em granda parte aquilo que sou neste exacto momento em que escrevo estas palavras. Tudo isto sou seu, é o mantra a utilizar. Até porque, e estamos a chegar lá, em grande parte desses instantâneos do quotidiano, não houve polaroides a acompanhar os momentos, ficando as imagens apenas naquilo que é conhecido pela massa cinzenta. Daí que, com a facilidade de nos dias de hoje qualquer coisa ser capaz de tirar fotografias, acreditem que é um enorme alegria poder registar um momento que, ao mesmo tempo que me fez recuar no tempo, fez-me acreditar que o futuro está já ali, à minha frente, que a distância não existe quando os corações batem em simultâneo, quando os olhares de muitos e muitos anos se cruzam mais uma vez, e de que efectivamente blood runs thicker than water. Haja muitos instantes assim.