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sábado, abril 25, 2015
memento mori
sexta-feira, abril 24, 2015
o sal da vida
" (...) E elenca, então por
um processo de associação espontânea, aquilo de nós que não
vemos ou não chegamos a valorizar devidamente: perceções, peque-
nos prazeres, detalhes dolorosos ou alegres, momentos de humor,
curiosidades, lugares, flagrantes quotidianos. Deixo-vos com
alguns exemplos: assobiar com um fio de erva na boca; limpar
o prato com um bocado de pão; assistir a uma cavalgada num
western; saltar à corda que duas amigas fazem girar sempre mais
rapidamente; sentar-se com as próprias forças na cama de um
hospital; recordar-se já sem vergonha das imbecilidades que fize-
mos lá atrás; cair do pódio à frente de cem pessoas; dançar mara-
vilhosamente a valsa, mas também a rumba, o tango e o rock'n'roll;
passar uma noite em branco para ler até ao fim um romance;
escrever à mão; perder tempo a formular melhor uma ideia;
improvisar durante a semana um jantar de amigos; perder-se a
contemplar um formigueiro que ferve de atividade; não fazer de
conta que não se vê o sofrimento alheio; não conseguir recordar-se
da sequência de uma anedota, apesar de todo o esforço; preparar
uma mousse de chocolate seguindo a receita (cheia de manteiga)
herdada da avó; respirar devagar e de olhos fechados num prado;
amar as palavras, degustando a sua sonoridade; reencontrar no
armário o calçado de verão, quando ainda é inverno; pensar com
prazer nos encontros que nos mudaram a vida; ser feliz quando os
outros o são."
um processo de associação espontânea, aquilo de nós que não
vemos ou não chegamos a valorizar devidamente: perceções, peque-
nos prazeres, detalhes dolorosos ou alegres, momentos de humor,
curiosidades, lugares, flagrantes quotidianos. Deixo-vos com
alguns exemplos: assobiar com um fio de erva na boca; limpar
o prato com um bocado de pão; assistir a uma cavalgada num
western; saltar à corda que duas amigas fazem girar sempre mais
rapidamente; sentar-se com as próprias forças na cama de um
hospital; recordar-se já sem vergonha das imbecilidades que fize-
mos lá atrás; cair do pódio à frente de cem pessoas; dançar mara-
vilhosamente a valsa, mas também a rumba, o tango e o rock'n'roll;
passar uma noite em branco para ler até ao fim um romance;
escrever à mão; perder tempo a formular melhor uma ideia;
improvisar durante a semana um jantar de amigos; perder-se a
contemplar um formigueiro que ferve de atividade; não fazer de
conta que não se vê o sofrimento alheio; não conseguir recordar-se
da sequência de uma anedota, apesar de todo o esforço; preparar
uma mousse de chocolate seguindo a receita (cheia de manteiga)
herdada da avó; respirar devagar e de olhos fechados num prado;
amar as palavras, degustando a sua sonoridade; reencontrar no
armário o calçado de verão, quando ainda é inverno; pensar com
prazer nos encontros que nos mudaram a vida; ser feliz quando os
outros o são."
José Tolentino Mendonça
quarta-feira, março 12, 2014
É possível descrever a amizade
Sobre uma das minhas palavras predilectas.
"Mas é possível descrever a amizade? Quando nos con-
frontamos com a pergunta, sentimos que as dificuldades se
ampliam. Entramos num campo onde não há muitas decla-
rações exatas, até porque de sua natureza a amizade é implí-
cita, mesmo se contribui tão decisivamente para tornar a
vida explícita e vasta. Há uma ética da amizade, mas essa
não vem escrita, não é tutelada legalmente, e escapa ao ar-
bítrio dos pactos sociais. A amizade é singularíssima e
mune-se de uma desconcertante simplicidade de meios. O
traço mais universal da sua gramática é, talvez, o da pre-
sença: mas esta tanto se faz de muitos encontros, como de
poucos; de muitas palavras ou de um silêncio espaçado e
confidente; de um telefonema por dia ou por ano; de uma
ou de incontáveis atenções... O importante é que tudo isso
se torne, a dada altura, uma história que nos acompanha e
por onde o essencial da vida passa."
"Mas é possível descrever a amizade? Quando nos con-
frontamos com a pergunta, sentimos que as dificuldades se
ampliam. Entramos num campo onde não há muitas decla-
rações exatas, até porque de sua natureza a amizade é implí-
cita, mesmo se contribui tão decisivamente para tornar a
vida explícita e vasta. Há uma ética da amizade, mas essa
não vem escrita, não é tutelada legalmente, e escapa ao ar-
bítrio dos pactos sociais. A amizade é singularíssima e
mune-se de uma desconcertante simplicidade de meios. O
traço mais universal da sua gramática é, talvez, o da pre-
sença: mas esta tanto se faz de muitos encontros, como de
poucos; de muitas palavras ou de um silêncio espaçado e
confidente; de um telefonema por dia ou por ano; de uma
ou de incontáveis atenções... O importante é que tudo isso
se torne, a dada altura, uma história que nos acompanha e
por onde o essencial da vida passa."
José Tolentino Mendonça
domingo, março 09, 2014
sábado, abril 19, 2008
A noite abre meus olhos
"No sangue do filho do homem
uma parcela trémula
um silêncio demasiado precioso
para a listagem das grandes transformações
Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado
na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azulado
Ferrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquens
A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreaberta
o amor é uma noite a que se chega só"
uma parcela trémula
um silêncio demasiado precioso
para a listagem das grandes transformações
Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado
na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azulado
Ferrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquens
A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreaberta
o amor é uma noite a que se chega só"
José Tolentino Mendonça
quarta-feira, janeiro 30, 2008
Às escondidas
"Os primeiros chuviscos restituem-nos
o íncrivel cheiro da terra
mas nós estaremos quem sabe longe
do que tem significado
Preenchemos a inscrição numa piscina municipal
não sabemos bem o motivo ou não dizemos a ninguém
como os dias nos pedem a dureza
ofegante, instintiva
que têm para os nadadores as braçadas
Uma sombra nos acalma
Uma claridade nos dói
Cedo receamos a felicidade daquelas imagens
que reencontramos dentro de nós
e não se ligam a nada"
o íncrivel cheiro da terra
mas nós estaremos quem sabe longe
do que tem significado
Preenchemos a inscrição numa piscina municipal
não sabemos bem o motivo ou não dizemos a ninguém
como os dias nos pedem a dureza
ofegante, instintiva
que têm para os nadadores as braçadas
Uma sombra nos acalma
Uma claridade nos dói
Cedo receamos a felicidade daquelas imagens
que reencontramos dentro de nós
e não se ligam a nada"
José Tolentino Mendonça
Debaixo de água a vida corre mais devagar e apenas há silêncio. Sentimos o peso das nossas tristezas flutuar para longe, a abandonar-nos como um sonho mau. As mágoas afundam-se, libertam-se do nosso corpo enquanto nadamos sempre em frente, sem olhar para trás. No seio da água renascemos, reconstruímos os estilhaços do nosso ser quotidiano. Respiramos fundo e mergulhamos mais uma vez, e outra, e mais uma. E assim vão passando os dias, quando apenas conseguimos a paz longe do mundo que vive lá fora. Melhores dias virão, melhores palavras haverá para escrever. Até lá, tentemos ganhar guelras...
Debaixo de água a vida corre mais devagar e apenas há silêncio. Sentimos o peso das nossas tristezas flutuar para longe, a abandonar-nos como um sonho mau. As mágoas afundam-se, libertam-se do nosso corpo enquanto nadamos sempre em frente, sem olhar para trás. No seio da água renascemos, reconstruímos os estilhaços do nosso ser quotidiano. Respiramos fundo e mergulhamos mais uma vez, e outra, e mais uma. E assim vão passando os dias, quando apenas conseguimos a paz longe do mundo que vive lá fora. Melhores dias virão, melhores palavras haverá para escrever. Até lá, tentemos ganhar guelras...
sábado, dezembro 29, 2007
Os amigos
"Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura
Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis
Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor"
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura
Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis
Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor"
José Tolentino Mendonça
domingo, dezembro 02, 2007
Da verdade do amor
"Da verdade do amor se meditam
relatos de viagens confissões
e sempre excede a vida
esse segredo que tanto desdém
guarda de ser dito
pouco importa em quantas derrotas
te lançou
as dores os naufrágios escondidos
com eles aprendeste a navegação
dos oceanos gelados
não se deve explicar demasiado cedo
atrás das coisas
o seu brilho cresce
sem rumor"
relatos de viagens confissões
e sempre excede a vida
esse segredo que tanto desdém
guarda de ser dito
pouco importa em quantas derrotas
te lançou
as dores os naufrágios escondidos
com eles aprendeste a navegação
dos oceanos gelados
não se deve explicar demasiado cedo
atrás das coisas
o seu brilho cresce
sem rumor"
José Tolentino Mendonça
(Isto faz-me lembrar um grande amigo meu que, espero, tenha encontrado a sua própria versão da verdade do amor e que a mesma cresça, sem rumor mas com o enorme brilho a que ele tem direito.)
segunda-feira, novembro 19, 2007
Esplanadas
"Um sofrimento parecia revelar
a vida ainda mais
a estranha dor de que se perca
o que facilmente se perde
o silêncio as esplanadas da tarde
a confidência dócil de certos arredores
os meses seguidos sem nenhum cálculo
Por vezes é tão criminoso
não percebermos
uma palavra, uma jura, uma alegria"
a vida ainda mais
a estranha dor de que se perca
o que facilmente se perde
o silêncio as esplanadas da tarde
a confidência dócil de certos arredores
os meses seguidos sem nenhum cálculo
Por vezes é tão criminoso
não percebermos
uma palavra, uma jura, uma alegria"
José Tolentino Mendonça
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