quinta-feira, outubro 29, 2009

Promessa

"Andamos todos meios perdidos, disse ela de forma contemplativa e quase resignada, como se lutar contra a vida fosse semelhante a lutar contra o mar em tempos de bandeira vermelha. Como se apenas fosse possível tentarem manterem-se à tona."

(palavras de RF)

E se ela fosse a única que tentava de alguma forma nadar contra as vagas negras que a envolviam? O oceano conseguia ser um lugar muito solitário, mas naquele momento qualquer ponto do planeta seria solitário. Ela era a única que ainda nadava naquelas águas, que ainda caminhava por caminhos outrora povoados, que ainda palmilhava estrada citadinas há muito abandonadas. O silêncio daquele mundo apenas era quebrado pelo vento e pela chuva e trovoada que antecipava a vinda da noite. E a noite, com a sua escuridão negra e impiedosa, trazia-lhe uma espécie de reconforto retorcido. Ela preferia a ausência de luz àqueles dias mortos que a acompanhavam para todo o lado. Aquela luz cinzenta, mortífera, para sempre filtrada pelas nuvens que cobriam todo o planeta. Até o mar tinha perdido os seus azuis, os seus verdes, apenas ondas negras, umas atrás das outras. Não sabia porque razão ainda não tinha acabado com a sua vida, como tantos outros antes dela. Existia ainda algo dentro dela que lhe pedia, lhe suplicava para continuar a respirar, para continuar a enfrentar a morte de frente. Não sabia por quanto mais tempo esse sentimento perduraria. Sentia-se a afundar lentamente, para dentro de um mundo que não descansaria até sugar toda e qualquer réstia de esperança humana à sua face. Manter-se à tona? Sim, continuaria a fazê-lo, sozinha e sem mais ninguém nem nada pelo qual fazê-lo.

Espécie de homenagem fraquinha ao mestre.

3 comentários:

RF disse...

Obrigada.

Bjs
RF

P.S. Já há muito tempo que não acertavamos na mesma quinta-feira.

Nuno Guronsan disse...

É preciso acreditar, que de uma forma ou de outra nós conseguimos acertar.

E, de nada. Tinha dito que havia pano para mangas. E no fundo ainda há mais, não há é inspiração para mais do que isto.

Beijos.

Anónimo disse...

Isso de a inspiração não dar para mais é que eu não concordo (não só porque o texto está muito bom, como tu consegues muito mais textos, muito bons).

Bjs
RF