2046, wong kar wai
the thin red line, terrence malick
20 000 days on earth, iain forsyth e jane pollard
the tale of princess kaguya, isao takahata
the wind rises, hayao miyazaki
the good lie, philippe falardeau
eternal sunshine of the spotless mind, michel gondry
perfect sense, david mackenzie
like someone in love, abbas kiarostami
the martian, ridley scott
monty python and the holly grail, terry gilliam e terry jones
paris je t'aime
.......................................................................
panda bear, panda bear meets the grim reaper
norberto lobo, fornalha
mirror people, voyager
sufjan stevens, carrie & lowell
moullinex, elsewhere
best youth, highway moon
beach house, depression cherry
benjamin clementine, at least for now
criolo, convoque seu buda
chantal acda, the sparkle in our flaws
ólafur arnalds & nils frahm, collaborative works
mogwai, central belters
.......................................................................
o meu amante de domingo, alexandra lucas coelho
as três vidas, joão tordo
o anjo esmeralda, don delillo
dália azul ouro negro, daniel metcalfe
que coisa são as nuvens, josé tolentino mendonça
2666, roberto bolaño
trigger warning, neil gaiman
uma gaivota com óculos, carlos pinhão
número zero, umberto eco
gente melancolicamente louca, teresa veiga
o que fazem mulheres, camilo castelo branco
flores, afonso cruz
quarta-feira, dezembro 30, 2015
sábado, dezembro 26, 2015
quarta-feira, dezembro 23, 2015
Enquanto o tempo é tempo
quarta-feira, dezembro 09, 2015
14e Arrondissement
Faça-se um exercício de extrapolação.
Substitua-se a cidade e o país. Risquemos os cães. Passa a haver boa gastronomia. Mantenha-se a independência e as caminhadas. Saliente-se ainda mais as trocas constantes de idiomas. O "mudar de vida" é realmente levado a níveis ainda mais altos. Sem expectativas, com muitos pensamentos a vaguear cá dentro. Conheça-se muitas pessoas de uma simpatia inigualável. Também há cemitérios, também há pessoas que partem para sempre. Nada de tristezas, também a busca da partilha. Muitas paisagens de perder a respiração, muitos jardins pelos quais passear. E, se calhar, também houve um momento muito parecido com aquele. Sim, vivo. Sim, apaixonado.
É mais ou menos isto.
Substitua-se a cidade e o país. Risquemos os cães. Passa a haver boa gastronomia. Mantenha-se a independência e as caminhadas. Saliente-se ainda mais as trocas constantes de idiomas. O "mudar de vida" é realmente levado a níveis ainda mais altos. Sem expectativas, com muitos pensamentos a vaguear cá dentro. Conheça-se muitas pessoas de uma simpatia inigualável. Também há cemitérios, também há pessoas que partem para sempre. Nada de tristezas, também a busca da partilha. Muitas paisagens de perder a respiração, muitos jardins pelos quais passear. E, se calhar, também houve um momento muito parecido com aquele. Sim, vivo. Sim, apaixonado.
É mais ou menos isto.
domingo, dezembro 06, 2015
Flores
"Segundo o padre, o pai do senhor Ulme dizia que o
Dia D fora anunciado pela rádio com um verso de Verlaine.
Era a maneira de todos saberem que o Dia D estava a
chegar. A poesia até para acabar com a guerra servia, era
isto que o pai do senhor Ulme anunciava antes de começar
a dizer um poema: «A poesia serve para acabar com a
atrocidade, é uma bala na cabeça do horror, é uma pedra
atirada contra este cenário de mau gosto, este mundo
que acreditamos ser a realidade.» Obrigava toda a aldeia
a ouvir poesia, ele próprio reunia os habitantes, como
um verdadeiro pastor, juntava-os debaixo da varanda e
havia sempre mais gente a ouvir poemas do que a assistir
à missa ao domingo de manhã. Aliás, isso é algo que o
padre não consegue ainda perdoar, passados tantos anos,
nem ao pai do senhor Ulme nem aos habitantes da aldeia.
Ninguém ligava nenhuma aos poemas, é certo, mas a força
do hábito criou raízes, a força do hábito vivia no campo,
fez como fazem as árvores. Não gostando de poesia, como
é que a preferiam aos sacramentos? Não lhes perdoo."
Dia D fora anunciado pela rádio com um verso de Verlaine.
Era a maneira de todos saberem que o Dia D estava a
chegar. A poesia até para acabar com a guerra servia, era
isto que o pai do senhor Ulme anunciava antes de começar
a dizer um poema: «A poesia serve para acabar com a
atrocidade, é uma bala na cabeça do horror, é uma pedra
atirada contra este cenário de mau gosto, este mundo
que acreditamos ser a realidade.» Obrigava toda a aldeia
a ouvir poesia, ele próprio reunia os habitantes, como
um verdadeiro pastor, juntava-os debaixo da varanda e
havia sempre mais gente a ouvir poemas do que a assistir
à missa ao domingo de manhã. Aliás, isso é algo que o
padre não consegue ainda perdoar, passados tantos anos,
nem ao pai do senhor Ulme nem aos habitantes da aldeia.
Ninguém ligava nenhuma aos poemas, é certo, mas a força
do hábito criou raízes, a força do hábito vivia no campo,
fez como fazem as árvores. Não gostando de poesia, como
é que a preferiam aos sacramentos? Não lhes perdoo."
Afonso Cruz
quarta-feira, novembro 25, 2015
Folk Nocturne
"Nós habitámos o tempo dos grandes fogos e o tempo da colheita,
olhámos tudo de nossa janela e muitas vezes corremos para entrar
nos campos, vimos centelhas perseguindo-nos pelas costas e pelas
barreiras laterais do corredor das chamas, algumas das centelhas
ficaram presas a nossas camisas, fomos de fogo, corremos para a
água para acalmar a nossa ferida. Certas feridas se transformaram
nas cicatrizes mágicas que nos sustentam até hoje. Vimos as larvas
desenvolverem-se no chão e algum caruncho comer nossos móveis,
foi assim que ganhámos consciência da constante mudança das coi-
sas. Nossos corpos mudavam tanto quanto as coisas. Perdemos pai
e mãe em nossa casa, perdemos a vontade e nos fizemos ao espaço
novo, fomos contra espelhos só para ver se doía e só para ver se a
sorte vinha, a sorte nunca veio, mentira, a sorte demorou a vir mas
veio nalgum dia. E depois se desfez de novo."
olhámos tudo de nossa janela e muitas vezes corremos para entrar
nos campos, vimos centelhas perseguindo-nos pelas costas e pelas
barreiras laterais do corredor das chamas, algumas das centelhas
ficaram presas a nossas camisas, fomos de fogo, corremos para a
água para acalmar a nossa ferida. Certas feridas se transformaram
nas cicatrizes mágicas que nos sustentam até hoje. Vimos as larvas
desenvolverem-se no chão e algum caruncho comer nossos móveis,
foi assim que ganhámos consciência da constante mudança das coi-
sas. Nossos corpos mudavam tanto quanto as coisas. Perdemos pai
e mãe em nossa casa, perdemos a vontade e nos fizemos ao espaço
novo, fomos contra espelhos só para ver se doía e só para ver se a
sorte vinha, a sorte nunca veio, mentira, a sorte demorou a vir mas
veio nalgum dia. E depois se desfez de novo."
Matilde Campilho
Catarse
ca.tar.se [kɐˈtarz(ə)]
1. | purificação emocional |
2. | LITERATURA (Aristóteles) purgação das paixões do público em face das emoções fortes (horror, piedade, etc.) evocadas numa tragédia |
3. | (Antiguidade) cerimónias religiosas de purificação |
4. | PSICOLOGIA terapêutica psicanalítica que pretende o desaparecimento de sintomas pela exteriorização verbal, dramática, emocional de traumatismos recalcados |
5. | MEDICINA evacuação |
(in Infopédia)
ou, como se poderia traduzir por aqui, escrita. muita escrita.
triste
Invariavelmente, num dia como o de hoje, é impossível não pensar em algo que não seja a mortalidade das coisas. Como, de uma maneira ou de outra, tudo o que nos rodeia seja finito, tenha os dias contados. Pode demorar uns minutos, alguns dias, muitos anos, décadas, mesmo séculos, mas nada impede o avançar do tempo e o aproximar do fim inevitável. E é este o pensamento que me atravessa quando recebo uma notícia tão triste como a de hoje. Por muito que tente afastá-lo da minha mente, tal qual um parasita que se instala, todas as imagens, todas as sinápses vão dar ao mesmo. Tento distrair-me, ler um livro, ouvir música, sair para a rua e caminhar sem destino, mas a minha alma continua a ser invadida por imagens agora agridoces, perdidas no tempo e com todo um novo significado. Recordações de quando nos conhecemos, da alegria da nossa amizade, dos momentos bons que passámos e que ficaram registados em fotografias de papel mate, dos momentos menos bons que passámos, das pessoas que amámos e que nos deixaram, das pessoas que continuamos a amar e que vimos quase à beira do abismo, de como ainda nos mantínhamos em contacto mesmo se a vida decidiu afastar-nos um pouco nesta grande bola azul a que chamamos Terra. Todas essas recordações regressam agora aos meus olhos, que ficam turvos perante a forma como tudo acabou. A morte é algo que já não me assusta, já passei por muita coisa, muita dor, muita tristeza, mas há um sentimento de aceitação que agora existe em mim, o tal fim anunciado ao qual nenhum de nós consegue fugir. Isso está há muito cá dentro. Agora, a forma como tal acontece e o momento, isso sim continua a deixar-me perdido, abandonado no meio de um terrível labirinto que teima em manter-me fechado claustrofobicamente. E é assim que hoje que me sinto, com dificuldade em respirar, com dificuldade em ver a luz, mesmo com o sol a brilhar intensamente, com muita dificuldade em compreender a razão que possa haver por trás de semelhante tragédia. Gostava de tentar perceber mais o ser humano e a sua consciência. Gostava de perceber os seus meandros, os seus cantos mais escuros. Gostava de tentar arranjar algum sentido para aquilo que aqui andamos a fazer. Se realmente valeu a pena a evolução fantástica do ser humano. Se pode haver algo que equilibre os sentimentos de dor, de angústia, de ausência, de tristeza. Se a memória vai realmente perdurar, ou se daqui a um ano a nossa mente já virou a esquina, e são poucas ou nenhumas as gavetas que dispensou para aquilo que sinto hoje. Gostava tanto de saber tudo isto e muito mais. Mas também sei que trocava todos estes desejos de bom grado, se isso significasse não ter recebido aquele telefonema, se isso significasse que ainda estavas aqui, connosco, junto das pessoas que te amavam e que te queriam tanto bem. Se ao menos a vida fosse regida por estes sentimentos, poderia ser que, ao menos por um breve instante, a vida fosse realmente iluminada, assim como tu a iluminaste para quem te conheceu. Que a tua alma esteja feliz. Que a tua alma seja o raio de sol que entra neste preciso momento pela janela, enquanto escrevo estas palavras e algumas lágrimas correm pela minha face.
segunda-feira, novembro 09, 2015
quinta-feira, outubro 08, 2015
A Noite e a Madrugada
"Raia de Espanha. Serranias azuis e violentas que se ama-
ciam subitamente em olivais, campinas de trigo, planaltos de
terra vermelha. Caminhos de estevas, de fragas, onde o perigo
sai dos barrancos e dos muros, ou caminhos melancolicamente
guarnecidos de plátanos, abrindo clareiras na mata de pinheiros
mansos, de um verde calmo e opulento, onde se escondem os
celeiros das companhias agrícolas. Mas antes de os ganhões
desempregados e os contrabandistas de profissão chegarem a
essas terras têm de atravessar os baldios do seu país. Para
cá das faldas desabrigadas, com o rio Erges esmagado entre
muralhas de granito, o casario nasce dos moinhos afogados nas
enxurradas, sobe penosamente as margens das ribeiras, aga-
cha-se à sombra das rochas e espraia-se por fim em aldeolas
mesquinhas. Depois vem a planície, triste como um descampado,
devassada pelo vento de Espanha, que satura o ar de poeira
e solidão. Planície nua, crestada pelo sol, que amadura as infin-
dáveis searas de trigo."
ciam subitamente em olivais, campinas de trigo, planaltos de
terra vermelha. Caminhos de estevas, de fragas, onde o perigo
sai dos barrancos e dos muros, ou caminhos melancolicamente
guarnecidos de plátanos, abrindo clareiras na mata de pinheiros
mansos, de um verde calmo e opulento, onde se escondem os
celeiros das companhias agrícolas. Mas antes de os ganhões
desempregados e os contrabandistas de profissão chegarem a
essas terras têm de atravessar os baldios do seu país. Para
cá das faldas desabrigadas, com o rio Erges esmagado entre
muralhas de granito, o casario nasce dos moinhos afogados nas
enxurradas, sobe penosamente as margens das ribeiras, aga-
cha-se à sombra das rochas e espraia-se por fim em aldeolas
mesquinhas. Depois vem a planície, triste como um descampado,
devassada pelo vento de Espanha, que satura o ar de poeira
e solidão. Planície nua, crestada pelo sol, que amadura as infin-
dáveis searas de trigo."
Fernando Namora
quarta-feira, outubro 07, 2015
primus inter pares
Tantos e tantos anos sem entrar naquela casa. Apenas passava ao largo. E, no entanto, havia uma enorme vontade de voltar a passar aquelas portas e perceber se a memória continuava a guardar alguma coisa dos tempos passados entre aquelas quatro paredes. Foi preciso acordar cedo, enfrentar a chuva e ir ao seu encontro. Lá dentro, a casa continua exactamente como me lembrava. As colunas, o chão, os azulejos, os vidros, nada mudou. Está tudo bem conservado e parece que voltei décadas no tempo. Aqui e ali, pequenos recantos onde tantas estórias houve, onde tantas amizades nasceram. Mal consigo prestar atenção às palavras e canções que se ouvem ao meu redor, prefiro olhar para ali e para além e deixar a minha mente vaguear por todas as recordações que aquele espaço evoca. Mas a nostalgia vai-se dissipando e lentamente regresso ao presente e vou começando a ouvir as palavra que me chegam da outra ponta da casa. E aí sou atingido pela verdadeira mudança que está ali a acontecer. Ouço palavras que nunca ouvi, palavras que me tratam como o adulto que sou, que não condescendentes e que são realmente deste tempo. Definitivamente parece que o futuro desta casa vai ser diferente, não vai esquecer o seu passado mas parece que vai haver mãos para não deixar a casa morrer, não a deixar eternamente no passado. E fico satisfeito, sorrio e fico deveras surpreendido com tudo isto. Mas, repito, fico satisfeito que assim seja. Talvez que não vá ficar novamente tantos anos sem voltar a entrar aqui. Se este for o caminho, sem dúvida que podem contar comigo. E já era tempo de deixar entrar novos ares por aquela porta. Como se costuma dizer, aguardo com muita expectativa os próximos episódios. Bem hajam.
"Nascemos nus, húmidos e com fome. Depois a coisa piora."
domingo, outubro 04, 2015
quinta-feira, outubro 01, 2015
à distância
"Sei agora o que nunca soube - que o amor encontra o seu estado mais
puro quando julgamos que o fim chegou; finalmente entendo que o amor
pode ser precisamente essa ausência, o deixar de estar, ser capaz de
apreciar cada minuto da nossa memória como se segurássemos, entre as
mãos, um punhado de brasas num deserto de gelo."
João Tordo
sexta-feira, setembro 18, 2015
Sector terciário
As pessoas andam demasiado nervosas, agitadas. Sempre com pressa, sempre com muita pouca paciência, sempre a quererem estar debaixo dos holofotes, à frente e acima de todos. Determinadas em terem o que querem, quando querem e nas condições que lhes interessam e apenas a si. Se for preciso mandar uns berros, insultar alguém, tratar alguém como se fosse menos que eles, pois que seja. Houve ali um olhar impertinente? Mostre-se os dentes, levantem-se as sobrancelhas, grite-se do mais alto que os pulmões tiverem para oferecer. De uma simples palavra dita sem qualquer tipo de má intenção, faça-se todo um filme onde a sua importante pessoa tenha sofrido o mais grave dos ultrajes e humilhe-se até à exaustão o pobre ser que está do outro lado. Mas o que é isto? Como é que chegámos a este ponto? Como é que deixámos que a nossa humanidade pudesse passar a ser definida por títulos, ou bens, ou mesmo credos políticos, religiosos, nacionalistas ou mesmo desportivos? Toda a educação vai por água abaixo só porque não mereci toda a atenção do outro. Manifestemos toda a raiva e frustração que temos dentro de nós contra o primeiro pobre diabo que nos apareça pela frente e que apenas tentou ajudar a resolver um problema que afinal era apenas um pretexto para o "combate". E depois fica o sentimento de angústia e, no pior dos casos, a incerteza que fica a morar na mente de quem apenas tentou fazer o seu trabalho o melhor que pode e sabe. Mas para lá de tudo isso, fica a tristeza. O sentimento de que é triste haverem pessoas assim a atravessarem-se pelo nosso caminho, como um tsunami com consciência, apostado em submergir tudo aquilo que nos define. Tristeza.
quinta-feira, setembro 17, 2015
O verdadeiro alentejano
De que é que se conversa com alguém que conhecemos há sensivelmente trinta e cinco anos e com quem já não estávamos há pelo menos quinze anos? De tudo e de nada. De namoros, casamento, divórcio e descendência. De caminhos profissionais tão diferentes e com tantos pontos de contacto que, ao descrevermos alguns eventos, deixamos um sorriso cúmplice nos lábios. De viagens a mundos distantes, de viagens a mundos ao virar da esquina, das idas do campo para a cidade e vice-versa, como se de um truque mágico se tratasse. Da família, sempre a família ao nosso lado e a apoiar-nos, das cumplicidades maternais que vão ainda mais longe do que as nossas vidas, até a um tempo em que ainda só existíamos enquanto ideia desejada. De como ao fim de uma frase regressamos à nossa infância, como se nada se tivesse passado, como se nunca tivéssemos saído daquela sala de aulas magnífica, que tantas alegrias, conhecimento e amizades nos trouxe, daquelas quatro paredes onde aprendemos muito mais do que matemática ou português ou os rios e as serras deste país, onde verdadeiramente aprendemos a ser seres verdadeiramente humanos, onde absorvemos tudo o que uma professora/cúmplice/mãe/amiga (e tantas palavras poderiam aqui ser colocadas, ad eternum) nos legou e nos deixou mais ricos enquanto pessoas de, na altura, de palmo e meio. E tantas vezes a sua memória foi evocada que quase, quase nos permitimos ficar com os olhos marejados. Ela, os nossos antigos colegas, aqueles que gostávamos de encontrar mais uma vez, aqueles que desapareceram já deste mundo, os que se encontram em parte incerta, até mesmo aqueles que se deixaram ir por uma espiral de dor e tristeza abaixo, quando mereciam muito mais desta vida madrasta. Mas não falámos só do passado, também pensámos no presente, no futuro, na superação de doenças malditas, na superação do flagelo do desemprego, naquelas pequenas coisas que tornam a nossa presença nesta terra um bem inestimável. Falámos, falámos, comemos, falámos, bebemos, e no fim aquilo que foram horas, pareceram breves minutos. Foi bom, meu amigo, foi muito bom. E o melhor de tudo é que ficámos com a completa certeza de que haverá mais em breve, mais conversa, mais memórias, mais angústias, mais partilhas, mais anseios para o que aí vem. E a melhor certeza de todas, é que não vai passar tanto tempo até à nossa próxima tertúlia. Aqui te deixo um enorme brinde à tua vida, à tua coragem, à nossa bonita amizade que merecia este recomeço.
quinta-feira, setembro 03, 2015
Par la fenêtre
"La tristess qu'on ressent ao cours de la vie, c'est
quelque chose qui ressemble à mon ours vu de dos:
de loin, le coeur se serre douloureusement, mais si on
se met à la place de l'ours, voilà que, contre toute
attente, il frémit d'espoir et, qui sait, regarde le beau
spectacle qui s'offre dehors à ses yeux. Peut-être est-il
en train de s'extasier devant tant de beauté. Ce matin-
là, c'était mon coeur qui était triste, moi qui avais
dormi la tête enfouie dans la fourrure de l'ours. La
mort des parents de ses propres parents, la mort un
jour de ses parents, sa propre mort, la vie véritable,
qui ne fait qu'un avec la mort, avait frôlé de son aile
la chair de l'enfant dont le monde du rêve se poursuit
éternellement. J'avais sans doute senti l'indice de
quelque chose d'insondable."
quelque chose qui ressemble à mon ours vu de dos:
de loin, le coeur se serre douloureusement, mais si on
se met à la place de l'ours, voilà que, contre toute
attente, il frémit d'espoir et, qui sait, regarde le beau
spectacle qui s'offre dehors à ses yeux. Peut-être est-il
en train de s'extasier devant tant de beauté. Ce matin-
là, c'était mon coeur qui était triste, moi qui avais
dormi la tête enfouie dans la fourrure de l'ours. La
mort des parents de ses propres parents, la mort un
jour de ses parents, sa propre mort, la vie véritable,
qui ne fait qu'un avec la mort, avait frôlé de son aile
la chair de l'enfant dont le monde du rêve se poursuit
éternellement. J'avais sans doute senti l'indice de
quelque chose d'insondable."
Yoshimoto Banana
domingo, agosto 30, 2015
o prior de buarcos
"Dizem-me que este tempo já não é para crença, que é
material e rude. Ah, filho, os tempos são sempre materiais e
vis; e o coração humano sempre da mesma idade - da idade
do mal e da dor."
material e rude. Ah, filho, os tempos são sempre materiais e
vis; e o coração humano sempre da mesma idade - da idade
do mal e da dor."
Fernando Pessoa
domingo, agosto 09, 2015
Oblivious
"It's dark now. But they feel each others' breath. And they know all they
need to know. They kiss. And they feel each others' tears on their
cheeks. And if there had been anybody left to see them, then they would
look like normal lovers, caressing each others' faces, bodies close
together, eyes closed, oblivious to the world around them. Because that
is how life goes on. Like that."
terça-feira, agosto 04, 2015
O luto de Elias Gro
"A determinado momento, mais tarde ou mais cedo, teremos
de encarar a inquietação que nos corrói e que faz doer a maior
ferida de todas - a que está no centro do nosso peito e à qual
chamamos, à falta de melhor palavra, vazio. Talvez nasçamos
com essa sabedoria; talvez suspeitemos desde tenra idade que,
um dia, plenamente e já sem margem para dúvida (esse ele-
mento fora da tabela periódica que corrói todos os outros), nos
renderemos àquilo que é."
de encarar a inquietação que nos corrói e que faz doer a maior
ferida de todas - a que está no centro do nosso peito e à qual
chamamos, à falta de melhor palavra, vazio. Talvez nasçamos
com essa sabedoria; talvez suspeitemos desde tenra idade que,
um dia, plenamente e já sem margem para dúvida (esse ele-
mento fora da tabela periódica que corrói todos os outros), nos
renderemos àquilo que é."
João Tordo
segunda-feira, julho 20, 2015
terça-feira, junho 23, 2015
segunda-feira, junho 22, 2015
O que está para além do nosso olhar... Pode ser algo inimaginável...
domingo, junho 21, 2015
2666
" (...) quando é bem sabido, pensou Archimboldi, que a História, que é uma puta simples, não tem momentos determinantes, mas é sim uma proliferação de instantes, de brevidades que rivalizam entre si em monstruosidade."
Roberto Bolaño
segunda-feira, junho 15, 2015
Reclusão
A precisar de calor, Sol e luminosidade. Pelo menos, muito mais disto do que tem acontecido nos últimos dias. Caso contrário, ainda me arrisco a transformar numa batata de sofá...
sexta-feira, maio 22, 2015
Da memória que nos foge...
"A estação da Primavera vem todos os anos, não é? Mas a nossa não volta mais. A mocidade não volta mais. Acabou no fim!"
O Povo Que Ainda Canta
sexta-feira, maio 08, 2015
Para ti.
Meu irmão,
hoje cumpres mais uma Primavera. Que seja mais uma das muitas que te desejo, de preferência com a tua amizade como tem sido até aqui desde o momento em que nos conhecemos. E escrevo amizade quando devia escrever Amizade, pois há poucas pessoas neste mundo que me conheçam tão bem como tu. Temos estado juntos nos momentos bons, inesquecíveis, aqueles momentos que nos marcam para toda uma vida. E tem sido bom partilhá-los contigo. Mas também tens estado comigo nos momentos menos bons, naqueles que nos arrastam para o fundo escuro do poço, em que precisamos de uma mão amiga que nos puxe lá de baixo, que nos faça ver novamente a luz do Sol, a luz que deve invadir a nossa vida especialmente quando temos vontade de ficar nas trevas. E tu, meu irmão, tens estado sempre lá, quando preciso mais do teu abraço, da tua mão amiga, das tuas palavras que me empurram para a frente. Por isso, e porque não há prendas suficientes que se possam dar a quem queremos parabenizar com toda a felicidade do mundo, deixo-te estas pequenas palavras, de alguém que muito te admira, que quer continuar a ser teu amigo até andarmos de bengalas e andarilhos, e que quer sempre o teu bem, como se fôssemos realmente irmãos. Porque, não haja dúvidas quanto isso, és o melhor irmão quem alguém poderia ter. Seja aqui neste país pequenino mas tão grande, seja do outro lado do planeta no cimo de uma montanha com o vento na cara. Um grande, enorme abraço para ti.
quinta-feira, maio 07, 2015
sábado, abril 25, 2015
memento mori
sexta-feira, abril 24, 2015
o sal da vida
" (...) E elenca, então por
um processo de associação espontânea, aquilo de nós que não
vemos ou não chegamos a valorizar devidamente: perceções, peque-
nos prazeres, detalhes dolorosos ou alegres, momentos de humor,
curiosidades, lugares, flagrantes quotidianos. Deixo-vos com
alguns exemplos: assobiar com um fio de erva na boca; limpar
o prato com um bocado de pão; assistir a uma cavalgada num
western; saltar à corda que duas amigas fazem girar sempre mais
rapidamente; sentar-se com as próprias forças na cama de um
hospital; recordar-se já sem vergonha das imbecilidades que fize-
mos lá atrás; cair do pódio à frente de cem pessoas; dançar mara-
vilhosamente a valsa, mas também a rumba, o tango e o rock'n'roll;
passar uma noite em branco para ler até ao fim um romance;
escrever à mão; perder tempo a formular melhor uma ideia;
improvisar durante a semana um jantar de amigos; perder-se a
contemplar um formigueiro que ferve de atividade; não fazer de
conta que não se vê o sofrimento alheio; não conseguir recordar-se
da sequência de uma anedota, apesar de todo o esforço; preparar
uma mousse de chocolate seguindo a receita (cheia de manteiga)
herdada da avó; respirar devagar e de olhos fechados num prado;
amar as palavras, degustando a sua sonoridade; reencontrar no
armário o calçado de verão, quando ainda é inverno; pensar com
prazer nos encontros que nos mudaram a vida; ser feliz quando os
outros o são."
um processo de associação espontânea, aquilo de nós que não
vemos ou não chegamos a valorizar devidamente: perceções, peque-
nos prazeres, detalhes dolorosos ou alegres, momentos de humor,
curiosidades, lugares, flagrantes quotidianos. Deixo-vos com
alguns exemplos: assobiar com um fio de erva na boca; limpar
o prato com um bocado de pão; assistir a uma cavalgada num
western; saltar à corda que duas amigas fazem girar sempre mais
rapidamente; sentar-se com as próprias forças na cama de um
hospital; recordar-se já sem vergonha das imbecilidades que fize-
mos lá atrás; cair do pódio à frente de cem pessoas; dançar mara-
vilhosamente a valsa, mas também a rumba, o tango e o rock'n'roll;
passar uma noite em branco para ler até ao fim um romance;
escrever à mão; perder tempo a formular melhor uma ideia;
improvisar durante a semana um jantar de amigos; perder-se a
contemplar um formigueiro que ferve de atividade; não fazer de
conta que não se vê o sofrimento alheio; não conseguir recordar-se
da sequência de uma anedota, apesar de todo o esforço; preparar
uma mousse de chocolate seguindo a receita (cheia de manteiga)
herdada da avó; respirar devagar e de olhos fechados num prado;
amar as palavras, degustando a sua sonoridade; reencontrar no
armário o calçado de verão, quando ainda é inverno; pensar com
prazer nos encontros que nos mudaram a vida; ser feliz quando os
outros o são."
José Tolentino Mendonça
sexta-feira, abril 17, 2015
Fonte
VI
"Estás verdadeiramente deitada. É impossível gritar sobre esse abismo
onde rolam os cálices transparentes da primavera
de há vinte e dois anos. Quando aperto as pálpebras
ou descubro o teu nome como uma paisagem,
só há grutas virgens onde os candelabros se apagam.
Mãe, pouco resta de ti na exaltação do mundo. Às vezes
misturas-te um pouco nos terrores da noite ou olhas-me,
vertiginosa e triste, através
das palavras.
No outro lado da mesa estás inteiramente
morta. Parece que sorris de leve no meu
pensamento, mas sei que é apenas
a solidão espantada. Como pudeste morrer
tão violenta e fria,
quando os meus dedos começavam a agarrar-te
a cabeça inclinada dentro
das luzes? Não podes levantar-te dos retratos antigos
onde procuro afogar-me como uma criança
nocturna. E não atravessaremos juntos as cidades redentoras,
perdidos um no outro, sorrindo
como se estivéssemos debaixo de uma árvore inspirada e eterna.
Conheço algumas cidades da europa e a fantasia vagarosa
da cidade da minha infância.
Tu desapareceste. É um erro
das musas distraídas. Não há guindaste que te levante
do coração das águas
onde apodreceste envolvida no halo do teu amor invisível,
ou recolhida na tua carne rápida, ou
ligeiramente tocada pelo ardor
de uma existência pura. Conheço grandes casas
onde não habitas, flores que cheiro, tarefas
silenciosas que cumpro humildemente, e luzes,
instrumentos de música,
laranjas que devoro sentindo o gosto da vida desde a garganta
às mais finas raízes das vísceras. Tu
desapareceste.
Imagino que seria possível tocares porventura
a minha boca. Tocares-me tão viva ou tão misteriosamente
que eu estremecesse nas traves
da cega inspiração. Poderias estar vergada sobre os meus
ombros até que as lágrimas
na minha boca se confundissem com a ansiosa subtileza
dos teus dedos, e eu me sentisse
perdido entre os pilares e os túneis das cidades
ressoantes.
Depois talvez pudesses vir com o rosto um pouco coberto de poeira,
e os olhos delicados de mulher restituída,
e os pés brilhando sobre os caminhos do meu silêncio exaltado
- talvez
pudesses salvar-me como uma palavra pode
salvar um pensamento, ou uma
breve música pode acordar do abismo inocente
da noite
um instrumento encerrado nas cordas extenuadas."
"Estás verdadeiramente deitada. É impossível gritar sobre esse abismo
onde rolam os cálices transparentes da primavera
de há vinte e dois anos. Quando aperto as pálpebras
ou descubro o teu nome como uma paisagem,
só há grutas virgens onde os candelabros se apagam.
Mãe, pouco resta de ti na exaltação do mundo. Às vezes
misturas-te um pouco nos terrores da noite ou olhas-me,
vertiginosa e triste, através
das palavras.
No outro lado da mesa estás inteiramente
morta. Parece que sorris de leve no meu
pensamento, mas sei que é apenas
a solidão espantada. Como pudeste morrer
tão violenta e fria,
quando os meus dedos começavam a agarrar-te
a cabeça inclinada dentro
das luzes? Não podes levantar-te dos retratos antigos
onde procuro afogar-me como uma criança
nocturna. E não atravessaremos juntos as cidades redentoras,
perdidos um no outro, sorrindo
como se estivéssemos debaixo de uma árvore inspirada e eterna.
Conheço algumas cidades da europa e a fantasia vagarosa
da cidade da minha infância.
Tu desapareceste. É um erro
das musas distraídas. Não há guindaste que te levante
do coração das águas
onde apodreceste envolvida no halo do teu amor invisível,
ou recolhida na tua carne rápida, ou
ligeiramente tocada pelo ardor
de uma existência pura. Conheço grandes casas
onde não habitas, flores que cheiro, tarefas
silenciosas que cumpro humildemente, e luzes,
instrumentos de música,
laranjas que devoro sentindo o gosto da vida desde a garganta
às mais finas raízes das vísceras. Tu
desapareceste.
Imagino que seria possível tocares porventura
a minha boca. Tocares-me tão viva ou tão misteriosamente
que eu estremecesse nas traves
da cega inspiração. Poderias estar vergada sobre os meus
ombros até que as lágrimas
na minha boca se confundissem com a ansiosa subtileza
dos teus dedos, e eu me sentisse
perdido entre os pilares e os túneis das cidades
ressoantes.
Depois talvez pudesses vir com o rosto um pouco coberto de poeira,
e os olhos delicados de mulher restituída,
e os pés brilhando sobre os caminhos do meu silêncio exaltado
- talvez
pudesses salvar-me como uma palavra pode
salvar um pensamento, ou uma
breve música pode acordar do abismo inocente
da noite
um instrumento encerrado nas cordas extenuadas."
Herberto Helder
sexta-feira, abril 10, 2015
sonhar, voar, amar
domingo, abril 05, 2015
o amor em visita
"(...)
Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.
(...)"
Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.
(...)"
Herberto Helder
quinta-feira, março 19, 2015
O Anjo Esmeralda
"E o que é que recordamos, no fim de contas, quando
toda a gente voltou para casa e a centelha da devoção e da
esperança se apagou nas ruas varridas pelo vento ribeiri-
nho? A recordação é escassa e amarga e envergonha-nos
com a sua falsidade intrínseca - toda feita de subtis cam-
biantes, mera silhueta saudosa? Ou o poder da transcendên-
cia perdura, a perceção de um acontecimento que viola as
forças naturais, uma coisa sagrada que pulsa no horizonte
abrasado, a visão que desejamos ardentemente porque pre-
cisamos de um sinal que erga contra as nossas dúvidas?"
toda a gente voltou para casa e a centelha da devoção e da
esperança se apagou nas ruas varridas pelo vento ribeiri-
nho? A recordação é escassa e amarga e envergonha-nos
com a sua falsidade intrínseca - toda feita de subtis cam-
biantes, mera silhueta saudosa? Ou o poder da transcendên-
cia perdura, a perceção de um acontecimento que viola as
forças naturais, uma coisa sagrada que pulsa no horizonte
abrasado, a visão que desejamos ardentemente porque pre-
cisamos de um sinal que erga contra as nossas dúvidas?"
Don DeLillo
(raios parta este gajo, de tão bem que escreve. quem me dera um bocadinho que fosse.)
domingo, março 15, 2015
Life is a second of love
Com os sapatos vermelhos, ela apareceu, cantou, tocou, encantou e mostrou que não é preciso haver grandes artifícios para se ser um talento bem importante na nossa música. Foi muito bom ouvir as músicas antigas mas melhor ainda foi ouvir as novas e comoventes músicas novas. E aquela versão da Joni Mitchell foi qualquer coisa de sublime... Foi óptimo sair de casa e ir ao encontro da Rita, aplaudi-la como se a sala estivesse realmente cheia. Sinais do tempos que correm, como ela própria lembrou muito ao de leve. Bem haja, menina dos sapatos vermelhos, mesmo com um salto partido.
terça-feira, março 03, 2015
M
“Porque tinha sal em minhas pestanas, porque existe um salmão dourado
onde o amor sempre dança, porque a ideia de ir até o mar de metrô era a
oração que nos fazia ficar acordados até de manhã, porque há um osso se
estilhaçando constantemente dentro das paredes mestras e nós já sabíamos
isso, porque a paixão não é de todo a coisa mais importante mas é sim o
canudinho através do qual dá para ver que o mundo é muito feito de
construções de papel — celulose que vem da árvore e que depois se
transforma em lista telefônica de onde alguém arranca a página e logo
transforma em veleiros e montanhas. Talvez porque na porta do
restaurante habitual alguém toca clarinete ao sol, porque até as ruínas
podemos amar nesta cidade, porque eu tenho um olho em você e você um
dedo em mim (...)”
Matilde Campilho
segunda-feira, março 02, 2015
Da música. Das palavras. Do amor.
Já passaram quase três anos. Quase três anos que o Bernardo se "juntou às estrelas", como diz o Carlos Martins. Quase três anos que este pequeno país ficou musicalmente, humanamente mais pobre, mais cinzento, com menos luz no meio de nós. Valha-nos a memória, os discos, a presença em ondas sonoras de quem nos faz muita, muita falta.
E valha-nos também o novo disco de Carlos Martins. Uma homenagem bonita, sincera, despida de outros conceitos que não seja celebrar a vida, a música, o homem que Bernardo foi e ainda é nos corações de quem não se cansava de o ver, curvado sobre o piano, intensamente tocando e tirando notas de porcelana daquelas teclas que os seus dedos percorriam sem se cansarem. Valha-nos a música. Valha-nos as palavras que o próprio Carlos escreveu para este disco, que nos deixam com os olhos turvos, à beira das lágrimas, mas ainda assim com um leve sorriso, um sorriso por haver amizades assim, eternas e feitas de muito amor.
“A primeira música deste disco, Caminho da Manhã, cujo título se
inspira num texto lindíssimo, uma oração de Sophia, estava a ser escrito
quando na noite de 10 de Maio de 2012 o Zé Pedro me ligou a perguntar
se tinha estado ou sabia onde estava o Bernardo Sassetti. Menos de uma
semana antes tínhamos almoçado, eu e o Bernardo, e tínhamos combinado
fazer um CD “espiritual” cheio de silêncios e contemplação, e eu sabendo
da sua capacidade de produção tinha resolvido começar nesse dia. Depois
desse telefonema ainda consegui rever alguns acordes que me soavam já
distantes mas não consegui trabalhar mais. Aquela ausência já estava
dentro de mim, tal como a esperança de que nada de mal tivesse
acontecido, e na verdade já tudo tinha acontecido. Essa ausência, gosto
do nome em inglês, Absence, haveria afinal de se confirmar e de se
tornar no golpe mais fundo na minha alma depois da morte dos meus pais.
Durou até agora o silêncio que me alagou o espírito e a vida. Este disco
é uma libertação e uma dedicatória de amor ao Bernardo e ao seu
inspirador talento como homem e artista: Absence são as minhas saudades
tuas e o cumprir da promessa de gravarmos algo que poderia ter uma forma
assim de silêncio e contemplação. E por ironia do destino entras ainda a
tocar neste disco e fazes no fim da última faixa, com a divina graça
que te sorria, uma referência às “estrelas” onde agora habitas. No resto
das canções eu, o Alexandre, o Carlos e o Mário ainda te ouvimos
enquanto fazíamos os arranjos ou gravávamos em estúdio. De resto oiço-te
quase todos os dias…quer se trate de “um assunto muito sério” ou a
dizer: “Tá Boa”!
Há quantos dias estamos aqui? Quantos dias nos restam?
"Mostly I write, tapping and scratching away, day and night sometimes. But if I ever stop for long enough
to question what I'm actually doing, the why of it, well, I couldn't really tell you. I don't know. It's a world I'm creating... ...a world full of monsters and heroes, good guys and bad guys. It's an absurd, crazy, violent world... where people rage away and God actually exists. And the more I write, the more detailed and elaborate the world becomes and all the characters that live and die or just fade away, they're just crooked versions of myself. Anyway, for me, it all begins in here in the most tiniest of ways."
terça-feira, fevereiro 17, 2015
Eu sou gengibre
"Toda a paixão é um ataque ao sistema imunitário. Se
precisamos dela para viver, mais precisamos que ela
acalme, ou seja, acabe, para continuarmos vivos. A ami-
zade é o contrário, um estoque ilimitado de gengibre."
precisamos dela para viver, mais precisamos que ela
acalme, ou seja, acabe, para continuarmos vivos. A ami-
zade é o contrário, um estoque ilimitado de gengibre."
Alexandra Lucas Coelho
domingo, fevereiro 15, 2015
A luz entra na nossa escuridão, sem pedir licença
"This great evil, where's it come from? How'd it steal into the world? What seed, what root did it grow from? Who's doing this? Who's killing us, robbing us of life and light, mocking us with the sight of what we might've known? Does our ruin benefit the earth, does it help the grass to grow, the sun to shine? Is this darkness in you, too? Have you passed through this night?"
sexta-feira, fevereiro 13, 2015
Como o ar que respiramos
"O que importa é que as palavras, em contexto ficcional,
nunca são neutras. São ultravibráteis. Ao menos movimento,
ressoam. São caprichosas, sensíveis a cada minuto que passa,
a cada relance de luz. Não é indiferente lê-las numa página
amarelada, numa página de brancura rasa, ao alto da folha,
em baixo. A própria grafia implica uma ligeira alteração de
tom. As palavras são volúveis. Vêm de contrabando, estabele-
cem-se, envelhecem, desaparecem. Às vezes morrem, outras
vezes ficam adormecidas e são despertadas pelo beijo mágico
de algum príncipe das letras, que pode ser um humilde jor-
nalista. Pulsam, ecoam, modulam a sua própria ressonância.
Reverberam, espalham reflexos para todo o lado. São rebeldes,
desapertam as cordas, esgueiram-se das clausuras. São leves
e aéreas. São pesadas como tanques. Abismam-se, ampliam-
se, encolhem-se. Redimensionam-se."
nunca são neutras. São ultravibráteis. Ao menos movimento,
ressoam. São caprichosas, sensíveis a cada minuto que passa,
a cada relance de luz. Não é indiferente lê-las numa página
amarelada, numa página de brancura rasa, ao alto da folha,
em baixo. A própria grafia implica uma ligeira alteração de
tom. As palavras são volúveis. Vêm de contrabando, estabele-
cem-se, envelhecem, desaparecem. Às vezes morrem, outras
vezes ficam adormecidas e são despertadas pelo beijo mágico
de algum príncipe das letras, que pode ser um humilde jor-
nalista. Pulsam, ecoam, modulam a sua própria ressonância.
Reverberam, espalham reflexos para todo o lado. São rebeldes,
desapertam as cordas, esgueiram-se das clausuras. São leves
e aéreas. São pesadas como tanques. Abismam-se, ampliam-
se, encolhem-se. Redimensionam-se."
Mário de Carvalho
quinta-feira, fevereiro 12, 2015
Fazes-me falta
"Não basta morrer para conhecer o sorriso de Deus -
mesmo que, como foi o meu caso, se tenha vivido abismada nele uma vida
inteira. Quando o pior acontecia, aquele sorriso descia às minhas trevas
com um soluço de baloiço, um gingar de gonzos arrancado às cordas da
infância. Eu sentava-me nele e subia, balouçando até à luz. O pior
aconteceu-me cedo, tive sorte. Deus procura primeiro os que sofrem antes
do conhecimento específico da dor, talvez porque os outros sabem
demasiado para puderem ser salvos. Tu dizias que era o contrário: que
Deus nasce da ignorância própria dos sofrimentos prematuros. Mas tu, meu
aluno dilecto, cedo te deixaste povoar pelo excesso do saber. Deus não
sabia nada do Universo quando o criou. Imagino que se sentiria só.
Imagino que num momento impreciso dessa solidão se terá tornado maior do
que Ele próprio, estourando numa gigantesca flor de luz. E imagino-O,
depois, tentando dar um sentido particular a cada uma das pétalas dessa
luz dispersa. Agora que saí do corpo que fui (...) imagino-o melhor
ainda, ébrio de luz, lúcido, encandeado por um Lúcifer oculto e criador
incrustado no seu próprio ser, em estado de paixão com a história
desencadeada pela sua omnipotente solidão. E balouço no Seu sorriso
outra vez, a vez definitiva porque o meu corpo está lá em baixo, num
caixão, contemplado e lembrado e chorado pela última vez. Não me
levantarei da cama amanhã depois de Lhe pedir em surdina que dê um
impulso maior ao balouço, que o empurre com força até que os pés me voem
para fora do calor aterrado dos lençois. Ninguém vai estar à minha
espera, não terei de me disfarçar de desculpas, não voltarei a iludir ou
desiludir ninguém. Não voltarei a morrer no corpo do único homem que me
abriu no corpo a passagem secreta para a morte. Não voltarei à
desilusão do renascimento. Sobretudo não voltarei a desiludir-te a ti, o
descrente que me ensinou a crer melhor, o meu pequeno e velho Deus de
algibeira, o meu amigo. Despojada de corpo é-me mais fácil
transformar-me no próprio balouço, na luz dançante de que ele é feito.
Num murmúrio de vento peço-lhe que não me empurre tão depressa por esse
lugar iluminado que é a Sua Carne, peço-lhe que me deixe matar saudades
desse mundo que deixei tão de repente. Matar saudades de ti. Ou
matar-te, como fazem as crianças, para recomeçar uma outra história, no
balouço quotidiano do teu sorriso."
Inês Pedrosa
(Já passaram sete dias. Sete dias onde parece que o coração começa a recuperar. Mas o bocadinho que se partiu continua por substituir, como uma asa quebrada, sem direito a tala que a indireite. Como se a dor que ainda sinto precisasse de algo mais para mostrar que está presente. Saudade. Saudade a inundar tudo, avassaladoramente. Ainda que a família me segure. Ainda que as amizades puras me dêem a mão e me levem para a claridade da luz do dia. Ao fim do dia, a tua memória volta sempre ao âmago da minha alma. E as lágrimas fazem uma ténue aparição. Quando já eu pensava que era impossível chorar ainda mais. E continua a doer. Mas depois esqueço isso e recordo todos os momentos bonitos em que o teu sorriso preencheu a minha vida. Todas as alturas em que a tua alegria e a tua força me deixavam nas nuvens. E aí, minha querida Adelaide, faço os possíveis por te imitar e continuar a minha vida a sorrir como se não houvesse amanhã...)
domingo, fevereiro 08, 2015
Maldito Fevereiro.
Maldito Fevereiro que trouxeste contigo o frio cortante e o vento implacável.
Maldito Fevereiro que, rancoroso por seres tão curto, decides ser vingativo e mau.
Maldito Fevereiro, que não mostras compaixão e decides infundir a tua dor nos nossos corações.
Maldito Fevereiro, que gastas todas as minhas lágrimas, deixas-me seco por dentro e ainda agora começaste.
Maldito Fevereiro, que tentas com todas as tuas forças perpetuar o Inverno, que nos mantens nas tuas garras de gelo.
Maldito Fevereiro.
Maldito Fevereiro.
Maldito Fevereiro que levas a minha Adelaide para sempre.
Maldito Fevereiro que me arrancas a melhor parte do meu coração.
Maldito Fevereiro.
Que grande filho da puta me pareces neste momento.
Maldito Fevereiro que trouxeste contigo o frio cortante e o vento implacável.
Maldito Fevereiro que, rancoroso por seres tão curto, decides ser vingativo e mau.
Maldito Fevereiro, que não mostras compaixão e decides infundir a tua dor nos nossos corações.
Maldito Fevereiro, que gastas todas as minhas lágrimas, deixas-me seco por dentro e ainda agora começaste.
Maldito Fevereiro, que tentas com todas as tuas forças perpetuar o Inverno, que nos mantens nas tuas garras de gelo.
Maldito Fevereiro.
Maldito Fevereiro.
Maldito Fevereiro que levas a minha Adelaide para sempre.
Maldito Fevereiro que me arrancas a melhor parte do meu coração.
Maldito Fevereiro.
Que grande filho da puta me pareces neste momento.
quinta-feira, fevereiro 05, 2015
domingo, fevereiro 01, 2015
Música de fundo
Era exactamente assim que Ana se sentia.
Não se sentia assim todos os dias, ou todas as horas, ou todos os minutos. Mas, como qualquer erva daninha que se recusa a morrer, o sentimento lá voltava invariavelmente ao de cima. Normalmente, e cada vez com maior frequência, ele aparecia naqueles momentos em que Ana se sentia mais feliz ou mais completa, de uma forma totalmente egoísta. Naqueles pequenos nadas em que se sentia menos só e mais alegre com a vida. Lá se desviava o seu pensamento para onde não devia. Lá se reavivava a recordação que Ana fazia por tudo esconder no mais profundo do seu interior.
Olhava para o outro lado da mesa do restaurante e o empregado lá vinha tirar o outro prato, o outro copo, os outros talheres. Apenas ficava a cadeira vazia, como que para a torturar, um lembrete permanente da sua condição. Ana olhava para a cadeira vazia por um segundo, um segundo apenas, e não tornava a pensar naquilo, mandava tudo para trás das costas. E durante o tempo da refeição, da satisfação que tinha, do conforto que recebia daquele pequeno prazer, nada mais passava pelo seu pensamento. Apreciava o momento como se fosse o último da sua vida. Era quando voltava a estar novamente sozinha, apenas com a sua mente, que voltava ao indesejado assunto.
E sempre com aquela música a rodar na sua cabeça.
Mas assim era. Ainda que nem sempre. Assim era exactamente como Ana se sentia.
"Tanto tempo casta
Apenas admirada
Tanto tempo casta
Nunca amada"
domingo, janeiro 25, 2015
Dos pequenos prazeres desta vida
Ainda assim, fiquei com um certo receio de ir até à biblioteca.
Valha-me a estanta cá de casa, que nunca me desilude...
sábado, janeiro 24, 2015
o meu amante de domingo
"Alguém com uma vingança nunca está sozinho. Uma
espécie de negativo da paixão, destruída a fotografia.
O que foi luz é escuridão, o que foi escuridão é luz.
É dessa energia reversa, adversa, que brota a pulsão
de um amante: o pau como manguito à morte."
Alexandra Lucas Coelho
segunda-feira, janeiro 19, 2015
Artificial
ar.ti.fi.ci.al [ɐrtifiˈsjaɫ]
1. | que se faz por arte ou indústria; produzido pelo homem |
2. | postiço |
3. | que não é natural; afetado |
4. | dissimulado; fingido |
(in Infopédia)
E esta seria a melhor palavra para, por vezes, como foi o caso de hoje, descrever a diferença entre a cidade grande e urbana e a pequena cidade do interior.
Mais vale substituir já as pessoas por autómatos.
Na volta, ainda devem conseguir um bocadinho mais de simpatia...
Vontade de praguejar...
quinta-feira, janeiro 15, 2015
Wishful thinking
Vivemos com um défice de heróis.
Pessoas que possamos admirar, livres de quaisquer dúvidas sobre eles, sobre a sua personalidade, sobre a sua conduta. Precisamos desesperadamente de pessoas assim, que nos possam acordar da nossa inércia, do nosso sonambulismo quotidiano.
Será que vamos ficar eternamente a olhar para os heróis do passado, resignados a suspirar por um tempo onde alguém se levantava contra a injustiça, contra a falta de humanidade, contra a tirania e os déspotas?
Desejo que assim não aconteça.
Mas, tenho de admitir, a minha bitola será sempre alta, meus senhores e senhoras.
Herói não é quem quer. É quem não deseja esse reconhecimento, mesmo sendo a sua perfeita imagem.
Pessoas que possamos admirar, livres de quaisquer dúvidas sobre eles, sobre a sua personalidade, sobre a sua conduta. Precisamos desesperadamente de pessoas assim, que nos possam acordar da nossa inércia, do nosso sonambulismo quotidiano.
Será que vamos ficar eternamente a olhar para os heróis do passado, resignados a suspirar por um tempo onde alguém se levantava contra a injustiça, contra a falta de humanidade, contra a tirania e os déspotas?
Desejo que assim não aconteça.
Mas, tenho de admitir, a minha bitola será sempre alta, meus senhores e senhoras.
Herói não é quem quer. É quem não deseja esse reconhecimento, mesmo sendo a sua perfeita imagem.
(a dobrar, depois de quase uma eternidade...)
quarta-feira, janeiro 14, 2015
Sejamos nuvens
"Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis..."
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis..."
José Gomes Ferreira
segunda-feira, janeiro 12, 2015
Intimidade
in.ti.mi.da.de [ĩtimiˈdad(ə)]
nome feminino
1. | qualidade de íntimo; familiaridade | ||
2. | relações íntimas | ||
3. | vida íntima; privacidade | ||
4. | interioridade | ||
5. | qualidade do que proporciona bem-estar e privacidade (in Infopédia) |
domingo, janeiro 11, 2015
Com amor,
Gaspar gostava de escrever dedicatórias. Era incapaz de oferecer um livro, a sua prenda de eleição, sem que houvessem umas palavras suas por ali escritas. Um pequena intromissão nas grandes histórias que tinha em prazer em oferecer a quem gostava. A culpa seria do seu Tio Tomás, o principal mecenas da sua biblioteca privada. Não sabia quantas centenas de livros lhe teria oferecido o Tio Tomás ao longo da sua vida. Desde os primeiros livros de aventuras que ele lhe tinha oferecido, mal soube que ele já dominava o alfabeto, até aos livros das grandes questões da humanidade que lhe foi oferecendo à medida que crescia idade adulta dentro. Partilhavam a mesma paixão pela leitura e isso sempre tinha feito deles cúmplices e amigos íntimos. Havia apenas uma constante do primeiro ao último livro, as palavras escritas do Tio Tomás na primeira ou segunda página em branco, onde podia deixar o seu próprio prefácio personalizado ao seu sobrinho. De "meu pequenino Gaspar", passando por "meu querido sobrinho", até "meu sobrinho amigo", havia sempre algo novo para o Tio Tomás lhe ensinar, através dos seus pequenos escritos, bem como das histórias que lhe seguiam, fossem elas de Verne, de Torga, de Roth, de Saramago, de Clarke, ou de qualquer um dos seus escritores predilectos. Assim, tornou-se apenas natural que Gaspar passasse também ele a escrever dedicatórias nos livros que oferecia a familiares, amigos, namoradas, colegas. Eram sempre palavras do momento, nada planeado, tudo vindo da sua mente e do seu coração especialmente dirigido à pessoa a quem estava a oferecer o livro. Se calhar, também tinha sido por aí que tinha conquistado Teresa. Pelas suas palavras sinceras, arrebatadas pelo amor que sentia por Teresa. Ela também gostava muito de lert, ainda que não "devorasse" livros da forma como Gaspar fazia. Mas o que ela realmente gostava era de descobrir os livros que Gaspar lhe oferecia, ao mesmo tempo que estremecia de ansiedade para ver que palavras teria escrito Gaspar dessa vez. E não tardou muito que Teresa se enamorasse por Gaspar e pelas suas dedicatórias. E estas passaram de um ainda tímido "amiga Teresa" para um já consumado "minha Teresa". Gaspar mostrava o seu amor todos os dias, mas colocava esse amor ainda mais emocionadamente nas palavras escritas nos livros que lhe dedicava. E antes de mergulhar no enredo do livro, Teresa lia e relia e relia as palavras de Gaspar, como as bonitas declarações de amor que eram, apenas e só para ela. E foi assim que a sua estante foi crescendo com o seu amor, livros e sentimentos partilhados numa vida a dois que ainda hoje continua.
Como é que eu sei isto tudo? Porque, no outro dia a Teresa emprestou-me um dos seus livros e pude ler as palavras escritas pelo Gaspar há quase dez anos, e percebi finalmente o amor que vejo entre os dois sempre que tenho prazer de estar com eles. Obrigado, meus queridos amigos. E que as dedicatórias do Gaspar à Teresa durem por muitos e muitos anos.
sábado, janeiro 10, 2015
31 anos depois...
As memórias são, quase sempre, um perigoso analgésico. Mais vale deixar o tempo correr como sempre correu, os seus grãos de areia a escaparem lentamente por entre os dedos das nossas mãos, de forma inevitável e implacavelmente.
"Love is all a matter of timing.
It's no good meeting the right person too soon or too late."
sexta-feira, janeiro 09, 2015
Sol para 2015
Parece-me um desejo perfeitamente justificado.
Mesmo para quem teima em escrever demasiado pouco para ainda manter o tasco aberto.
Um bom 2015 para quem está desse lado.
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