Gaspar gostava de escrever dedicatórias. Era incapaz de oferecer um livro, a sua prenda de eleição, sem que houvessem umas palavras suas por ali escritas. Um pequena intromissão nas grandes histórias que tinha em prazer em oferecer a quem gostava. A culpa seria do seu Tio Tomás, o principal mecenas da sua biblioteca privada. Não sabia quantas centenas de livros lhe teria oferecido o Tio Tomás ao longo da sua vida. Desde os primeiros livros de aventuras que ele lhe tinha oferecido, mal soube que ele já dominava o alfabeto, até aos livros das grandes questões da humanidade que lhe foi oferecendo à medida que crescia idade adulta dentro. Partilhavam a mesma paixão pela leitura e isso sempre tinha feito deles cúmplices e amigos íntimos. Havia apenas uma constante do primeiro ao último livro, as palavras escritas do Tio Tomás na primeira ou segunda página em branco, onde podia deixar o seu próprio prefácio personalizado ao seu sobrinho. De "meu pequenino Gaspar", passando por "meu querido sobrinho", até "meu sobrinho amigo", havia sempre algo novo para o Tio Tomás lhe ensinar, através dos seus pequenos escritos, bem como das histórias que lhe seguiam, fossem elas de Verne, de Torga, de Roth, de Saramago, de Clarke, ou de qualquer um dos seus escritores predilectos. Assim, tornou-se apenas natural que Gaspar passasse também ele a escrever dedicatórias nos livros que oferecia a familiares, amigos, namoradas, colegas. Eram sempre palavras do momento, nada planeado, tudo vindo da sua mente e do seu coração especialmente dirigido à pessoa a quem estava a oferecer o livro. Se calhar, também tinha sido por aí que tinha conquistado Teresa. Pelas suas palavras sinceras, arrebatadas pelo amor que sentia por Teresa. Ela também gostava muito de lert, ainda que não "devorasse" livros da forma como Gaspar fazia. Mas o que ela realmente gostava era de descobrir os livros que Gaspar lhe oferecia, ao mesmo tempo que estremecia de ansiedade para ver que palavras teria escrito Gaspar dessa vez. E não tardou muito que Teresa se enamorasse por Gaspar e pelas suas dedicatórias. E estas passaram de um ainda tímido "amiga Teresa" para um já consumado "minha Teresa". Gaspar mostrava o seu amor todos os dias, mas colocava esse amor ainda mais emocionadamente nas palavras escritas nos livros que lhe dedicava. E antes de mergulhar no enredo do livro, Teresa lia e relia e relia as palavras de Gaspar, como as bonitas declarações de amor que eram, apenas e só para ela. E foi assim que a sua estante foi crescendo com o seu amor, livros e sentimentos partilhados numa vida a dois que ainda hoje continua.
Como é que eu sei isto tudo? Porque, no outro dia a Teresa emprestou-me um dos seus livros e pude ler as palavras escritas pelo Gaspar há quase dez anos, e percebi finalmente o amor que vejo entre os dois sempre que tenho prazer de estar com eles. Obrigado, meus queridos amigos. E que as dedicatórias do Gaspar à Teresa durem por muitos e muitos anos.
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