Dia D fora anunciado pela rádio com um verso de Verlaine.
Era a maneira de todos saberem que o Dia D estava a
chegar. A poesia até para acabar com a guerra servia, era
isto que o pai do senhor Ulme anunciava antes de começar
a dizer um poema: «A poesia serve para acabar com a
atrocidade, é uma bala na cabeça do horror, é uma pedra
atirada contra este cenário de mau gosto, este mundo
que acreditamos ser a realidade.» Obrigava toda a aldeia
a ouvir poesia, ele próprio reunia os habitantes, como
um verdadeiro pastor, juntava-os debaixo da varanda e
havia sempre mais gente a ouvir poemas do que a assistir
à missa ao domingo de manhã. Aliás, isso é algo que o
padre não consegue ainda perdoar, passados tantos anos,
nem ao pai do senhor Ulme nem aos habitantes da aldeia.
Ninguém ligava nenhuma aos poemas, é certo, mas a força
do hábito criou raízes, a força do hábito vivia no campo,
fez como fazem as árvores. Não gostando de poesia, como
é que a preferiam aos sacramentos? Não lhes perdoo."
Afonso Cruz
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