sexta-feira, março 02, 2007

Adeus - II

Desde que me lembrava que gostava do gin tónico que ele preparava. Não o sabia explicar mas havia alguma coisa na forma como ele misturava a bebida que me deixava fora de mim. Especialmente depois de a beber. Havia até quem, no nosso íntimo círculo de amigos, me acusasse de que essa era a única razão pela qual não o deixava. Afinal, discussões entre ambos era coisa a que todos eles já tinham assistido pelo menos uma vez. Imagino que havia algo mais para além do gin tónico para eu não o largar. Talvez o estilo de vida que ele me proporcionava, apesar do meu trabalho ser igualmente recompensador. Acho que, no fundo, era uma questão de conforto. Sim, seria isso, sentia-se confortável no papel de esposa leal, com algum status social, convivendo com ele e os seus amigos, indo a restaurantes onde normalmente havia uma lista de espera de meses, sendo convidada para todas as festas relevantes que aconteciam na cidade, enfim. Nada disso acabava por me impedir de ter os meus casos por fora. Como, aliás, ele também os teria, pelo menos era isso o que eu pensava. Ele bem tentava descobrir se eu lhe era, de facto, dedicada, dizendo-me vezes sem conta que me amava como nunca tinha amado ninguém. Eu, como de costume, encolhia os ombros, desviava o olhar, e bebia mais um golo do gin que ele me tinha preparado. Primeiro, a sensação abrasiva do gin, e depois o gosto doce que permanecia na minha boca. Mas não naquele golo. Não, havia algo de estranho. Aquele gin tónico parecia que não tinha sido preparado por ele. Algo estava errado. Comecei a suar. Mas eu nunca suava! Olhei para ele, o seu olhar parecia estar à espera de algo. Tentei correr, não sabia bem para onde. Mas não consegui. Caí desamparada no chão. Tinha as pernas e os braços paralisados, não me conseguia mexer. Comecei a sentir a dura realidade do que tinha acontecido. Olhei para ele mais uma vez, enquanto começava a respirar com cada vez maiores dificuldades. Nos seus olhos vi o veneno. O veneno que ele tinha destilado. O veneno de alguém que já não aguentava ver o meu amor esbanjado noutros braços. Tentei falar, gritar. Nada. Apenas o silêncio e a escuridão a envolverem-me, cada vez mais rápido. Derramei uma lágrima enquanto expirava pela última vez...

7 comentários:

Anónimo disse...

Isso faz-me lembrar que a ficção às vezes imita a realidade.
Se bem que não conheça nenhuma história semelhante, a verdade é que nos últimos dias dou por mim a rever algumas personagens reais bem detalhadas em personagens de ficção.
O amor quando é sufocante é de facto perigoso...
:)

Raquel Santos disse...

gostei da originalidade deste espaço, e realmente a vida nem sempre é preta ou branca todos nós temos dias cinzentos... mas tb dias coloridos q compensam outros mais monocromáticos

bjs

Micas disse...

Um conto que tem tanto de realidade, sempre que a casca tenha mais valor do que a essência...
Gosto da tua escrita cativante.
Beijinho e boa semana

A disse...

Bem....

está muito bom, sim senhor... adivinho por aí a tua veia sádica e vingativa acompanhada de gargalhada satânica?

;)

Nuno Guronsan disse...

:)))

Não há por aí alguém que confirme a satanicidade da minha gargalhada??

Obrigado, minha querida A., por me dares um sorriso depois de um dia que ainda está longe de ter terminado.

E obrigado também, Micas, Raquel e alguém especial, pelas vossas visitas.

Sea disse...

diria, um travo amargo no contacto com a realidade. nua e crua.
beijos

Anónimo disse...

O "alguém especial" agradece com um grande sorriso tudo o que lhe dizes de simpático!
Ao ler-te é um privilégio saber que gostas do que encontras no meu espaço!
:)