quarta-feira, novembro 01, 2006

A Perdida

Ele bateu com a porta, deixando-a só e na escuridão. Era ali o ponto final, ela sabia-o já, apesar de ele negar e dizer para si mesmo que não, era apenas um parentesis, uma forma de recuperar a sua sanidade mental. Ela era mais inteligente que isso, sabia que a partir daquele momento partido no tempo as coisas nunca poderiam regressar àquilo que tinham sido. O eco das palavras dele continuava suspenso no ar da sala. Palavras duras, despejadas com raiva, mas sinceras e certeiras. Por muito que lhe custasse, sabia que ele tinha razão, que por uma vez nos muitos anos que se conheciam era ele quem punha as emoções de lado e tentava puxá-la para o lado racional da questão. Mas para ela nunca poderia haver um lado racional ligado ao vendaval de tristeza que a assolava desde há seis meses àquela parte. Não, não, nunca poderia desligar o seu coração cada vez que pensava naquele trajecto de sofrimento que tinha durado quase dois anos, para depois terminar tão abruptamente como tinha aparecido. Tanto ela como ele tinham lutado muito por aquela vida, muitas lágrimas tinham derramado e muitas mais tinham escondido. Tinham-se apoiado um no outro, o seu amor permaneceu sempre inalterado ao longo de toda aquela provação, mas, reconhecia-o agora, tinha-se lentamente extinguido, não interessava de quem tinha sido a culpa, pura e simplesmente tinha-se apagado. Ele tinha conseguido prosseguir o seu caminho, ela tinha ficado perdida no meio do nada, confusa e sem perceber como é que era possivel continuar a viver, a respirar, a sorrir, a sentir um infímo de felicidade sem aquele que também era parte integrante dela. Por isso ela ficou ali, sozinha na escuridão da sala, agarrada a uma moldura, enquanto o amor da sua vida se afastava para sempre. Já não tinha mais lágrimas para gastar por ele, há muito que os seus olhos se tinham secado, tinha deixado de sentir qualquer espécie de sentimento quando a pessoa, cuja fotografia mantinha nas suas mãos, tinha expirado pela última vez na sua curta estadia neste mundo. Não, continuava a enganar-se desajeitadamente, pois sentia as lágrimas salgadas nos seus lábios, a tristeza já lhe era tão natural que quase parecia dormente ao facto de chorar compulsivamente. Não tinha forças para o agarrar, ele já tinha saído da casa deles, do coração dela. A angústia crescente começava a deixá-la à beira da loucura, tinha que fugir, deixar tudo para trás, desaparecer da vista de toda a gente, sentia-se a mais num mundo que já não tinha qualquer espécie de lógica para ela. Saiu para a rua. Sentiu o ar cortante da manhã que ainda não é manhã porque a estrela que nos aquece ainda não tinha surgido no horizonte.

8 comentários:

Miss Kin disse...

Tão cá no fundinho...

Leticia Gabian disse...

Nuno,
Acabei de me explicar ao Cuotidiano a razão de não ter cumprido a promessa, que fiz a mim mesma, de ficar afastada, até sábado, desse mundo da blogosfera. Fui comentar o excelente post sobre "excesso de amor nas escolas", li o seu comentário e resolvi, mais uma vez, quebrar minha promessa. Chego aqui e me deparo num espelho.
Nada acontece por acaso.
E ainda tem gente que duvida disso!
Um abraço, do outro lado do Atlântico.

A disse...

Rapaz, então e essa fotografia é de que concerto? lol

Eureka, Guronsan!

Eu sabia que irias dar seguimento à história das causas mortíferas duma personagem suicida.
O texto está bom (escreves bem e tal)e a história, convincente... aliás, não veria outra causa senão a morte que nos separa dum filho... como um prenúncio de Morte...

Beijo :)

Anónimo disse...

Na minha cabeça continuo a ouvir os The Divine Comedy na continuação da tua história...

..Ah espera, não desliguei o iTunes (^_^)

Célia disse...

Já pensaste em escrever um livro?

Nuno Guronsan disse...

Livro??? Nem pensar, não tenho estofo para uma coisa assim tão séria, até porque também não me levo assim tão a sério...

Na verdade, ainda era suposto haver um terceiro tomo desta história, mas acho que não o vou escrever, pela simples razão que ando demasiadamente bem disposto para prosseguir esta coisa...

José Raposo disse...

Ainda não tinha tido o tempo para ler com atenção estes textos do meu caro amigo. Não vou fazer aqui interpretações até porque me parecem muito pessoais e consequência de uma observação acutilante que faz da realidade. No entanto parece-me que se anda a esmerar de texto para texto. Isto realmente começa a assemelhar-se a um livro de contos... ficamos à espera se houver mais desenvolvimentos.

Nuno Guronsan disse...

Tens piada, tens... :)
Obrigado pelas palavras inspiradoras.