sexta-feira, março 10, 2006

Vamos à bola?

Hoje é um novo dia, e as emoções da noite passada já estão mais calmas, de modo que é a altura certa para fazer um comentário mais a sério sobre a minha relação com o futebol (aliás, como prometido ao Suburbano).

 

Desde que me lembro que sou um adepto de futebol, e em especial do Sport Lisboa e Benfica. Lembro-me que a primeira vez que fui ao futebol com o meu pai ainda andava na escola primária. Por mais estranho e inconcebível que me pareça agora, foi num jogo da Taça de Portugal, com o Ponte da Barca e só me lembro que o Benfica ganhou por uns quantos. Recordo-me perfeitamente que ficámos no então ainda recente Terceiro Anel, de caras para um fantástico Sol de fim de tarde. Na altura, foi uma experiência extraordinária, pois mesmo sendo um jogo com uma equipa de um escalão inferior, os bilhetes ainda não eram tão caros como hoje e havia umas dezenas de milhares de pessoas a assistir. Ouvi os meus primeiros comentários insultuosos a um árbitro, comprei a minha primeira bandeira do Benfica, fartei-me de saltar e gritar pelo meu clube e abracei montes de pessoas que não conhecia de lado nenhum, sabendo apenas que, tal como eu, tinham o Benfica no coração (parece piroso, mas foi mesmo assim).

 

Depois desse jogo, tenho de admitir que ao longo dos anos nunca fui muito de ir a estádios. Sempre fiquei agarrado ao televisor ou, quando o jogo não era televisionado, ficava a ouvir os comentários na rádio, algo que me fascinava pela rapidez que os locutores “davam” ao jogo. Para além do Estádio de Luz (o velho e o novo), devo ter apenas entrado no Estado Nacional do Jamor e no Estádio do Estrela da Amadora, na Reboleira (também entrei no antigo Estádio de Alvalade, mas apenas para um concerto). Jogos memoráveis a que assisti: o Benfica contra o V. Guimarães, último jogo da penúltima época em que o Benfica foi campeão (e que bom que é poder escrever “penúltima”), com o estádio a abarrotar pelas costuras; a selecção nacional contra o Liechtenstein, em que ganhámos por muitos e, mesmo a chover, deu para subir às vedações do estádio; e a selecção nacional contra a República da Irlanda (curiosamente também a chover torrencialmente), em que ganhámos com um enorme golo do Rui Costa e garantimos a ida ao Europeu em Inglaterra.

 

Nestas minhas memórias de futebol ao vivo, aquilo que melhor guardo é a emoção de estar no meio de milhares de pessoas e saber que todas “puxávamos” para o mesmo lado. E, sem saber, era essa mesma emoção que me mantinha ligado ao futebol. É claro que as vitórias do meu clube ou da selecção também ajudavam, mas era aquela alegria estampada na cara dos adeptos que me fazia assistir a quase todos os jogos que davam na televisão (alguém ainda se lembra de um ano em que a SIC transmitiu todos os jogos da Taça do Rei em que o Barcelona entrou e nos quais o Luis Figo fez das melhores exibições até hoje?). E assim, e vendo as coisas agora a frio, com o desertificar lento dos estádios portugueses, assim também a minha relação com o futebol foi esmorecendo. De adepto fanático passei a espectador ocasional. Deixei de participar das conversas de segunda de manhã, em que se discutia todos os pormenores dos jogos do fim-de-semana e todos os erros dos árbitros. Deixei de ter paciência para dirigentes ultra-interventivos e para jogadores que sentem não a camisola do seu clube mas sim a conta bancária cheia ao fim do mês. Enfim, se calhar a idade fez com que me apercebesse de algumas coisas que a minha inocência de adepto nunca tinha sentido.

 

Mesmo assim, este meu divórcio com o futebol vai tendo as suas recaídas. Em 2000, estava eu na Coreia do Sul, e vibrei com quase todos os jogos de Portugal no Europeu. Desde andar nas ruas de Seul com uma bandeira portuguesa, até ficar acordado a noite toda só para ver os jogos, passando pela invasão de um bar repleto de ingleses e alemães e ver as suas reacções de incredibilidade pela presença portuguesa até naquele canto do mundo. Quatro anos depois, a mesma felicidade agora nas ruas do Cacém, cheias de gente a dançar e agitar bandeiras, e eu de carro parado no meio da multidão a buzinar como um louco. O ano passado, o SLB voltou às vitórias no campeonato, e mais uma vez voltei a ver a felicidade nos rostos que me recordaram os tempos em que ia ao futebol com o meu pai. E tudo isto para explicar a alegria que senti mais uma vez ontem à noite, ao ver o clube (que ainda é) do meu coração a “invadir” outra vez a pátria do futebol (Arsenal, anyone? Um golo de outra galáxia do Isaías? 3 a 1, ring a bell?).

 

Hoje, contudo, volto a esquecer o futebol, até outro momento em que veja as pessoas a esquecerem momentaneamente as suas preocupações diárias (que, sejamos francos, são muitíssimo mais importantes do que a importância que se quer dar ao futebol) e a esboçarem um sorriso e um brilho nos olhos como aquele que senti ontem ao ver o Simão a “abrir o livro”, como se costuma dizer...

 

3 comentários:

Anónimo disse...

A idade faz com que nos preocupemos mais com as coisas que são mesmo importantes para nós e não para o mundo da " bola ". Mas por vezes é importante esquecer e vibrar com o que o nosso clube faz seja ele benfica ou sporting ou porto ou outro qualquer. mais uma vez parabéns pela importane vitória do benfas e tal como tu disseste e bem, venha o arsenal.

Anónimo disse...

Sim, amigo, a ideia da comunhão dentro do estádio, junta com a alegria, as emoções e assim, são de facto o que nos move, mesmo que hoje os nossos caminhos já passem mais distanciados do mundo da bola (não diria divorciados). O futebol não vale mais do que o valor que lhe dermos e devemos dar-lhe o devido valor. Paradoxal, nao? Pois, sem explicação, mas como explicar que nos indignemos com as porcarias da bola, que também dela nos afastam, além da vida que continua, e ao mesmo tempo que deliremos com os nossos clubes, em alguns dias, com comportamentos que nem sequer imaginamos poder ter? E como explicar porque se é de um clube e não de outro?! Mil razões e nenhuma o explica (também eu me lemro que em pequenino...). Já agora, por sobre a euforia da vitória, algumas coisas a não esquecer: o Liverpol, em mais de 100 anos, só teve 16 treinadores. Lição sobre estabilidade, não? Outra: no segundo golo do Benfica, a consumação, os adeptos ingleses levantaram-se, esticaram os cachecóis e cantaram pelo seu clube. Lição de desportivismo e "amor à camisola", não? Pois é, o futebol tem destas coisas estranhas, inexplicáveis... boa sorte para as Ramblas! Abraço Leonino, com "fair-play"!!!

José Raposo disse...

Ele deve ter-se enganado... eu não pedi nada disto :)

Além disso eu sou a pior pessoa no mundo com quem discutir futebol