domingo, março 26, 2006

Ode Ao Éter

Todas as palavras que se seguem "nasceram" de uma viagem de carro pela Marginal, a ouvir rádio, claro está. Depois disso, fiquei um dia ou dois a pensar nesta ideia e, à medida que mais pensava e recordava, mais coisas iam aparecendo...

A memória mais antiga que tenho da rádio é a banda sonora dos almoços de domingo, fornecida pelos Parodiantes de Lisboa, que emitiam o seu programa de fim-de-semana, "Meia Bola e Força", onde se gozava de uma maneira saudável com o mundo da bola. É também dessa altura os fins de tarde durante a semana, a fazer os trabalhos de casa da escola, com a minha mãe a cozinhar o jantar e a ouvirmos o mítico "Quando o telefone toca". Para completar este leque de memórias, havia também ocasionalmente o "Bola Branca", com o Ribeiro Cristovão e o "Jogo da Mala", com o António Sala.

Lembro-me do aparecimento da Rádio Cidade, onde se estranhava o sotaque brasileiro, e onde se ouvia de tudo um pouco, daquilo que se gostava e daquilo que não se gostava.

Uma rádio que foi muito importante para a formação dos meus gostos musicais foi, sem dúvida, a Rádio Marginal. Foi onde ouvi pela primeira vez os Guns N' Roses, os Nirvana, entre muitos outros. O melhor eram os fins-de-semana, onde se ouvia música e mais música, sem locutores nem publicidade, algo que era um maná na altura. Iniciou um período da minha vida onde ouvi muito rock FM, hard rock (programas como o "Marginal On The Rocks" ou o "Rock Mix" trazem-me boas recordações) e comecei a ouvir algum heavy metal, fruto de um programa chamado "Caminhos de Ferro". Por intermédio deste, comecei a passar algumas noites em branco para poder ouvir o "Hiper-Tensão", com o eterno António Freitas, na Antena 3. Esta também havia de ser uma rádio de referência para mim, até aos dias de hoje. Aqui ouvi pela primeira vez bandas portuguesas como os Blind Zero, os Zen, The Gift, Blasted Mechanism, e muitas outras, umas ainda existentes, outras nem por isso.

Como este post não pretende ter uma linha temporal coerente, acabei de me lembrar de uma rádio cujo término me trouxe alguma tristeza, a defunta Rádio Energia. Quase todas as vozes radiofónicas reconhecíveis pela minha geração passaram por essa estação, como o Miguel Simões, José Mariño e Henrique Amaro, todos com ideias novas e frescas de como fazer rádio.

Como nada é imutável, especialmente em termos de gostos, também as "minhas" músicas foram mudando e tentar descobrir coisas novas começou a ser um passatempo interessante. Resultado: comecei a ouvir a também já defunta XFM. Stereolab, dEUS, More República Masónica, Sonic Youth, Bjork e muitas mais coisas ao barulho. Ah, e como ponta-de-lança, a voz inconfundível de António Sérgio, o clone português do John Peel (r.i.p.). Aquela voz áspera "apresentou-me" bandas e cantores que nunca pensei ouvir, e até há pouco tempo continuava a seguir o trabalho deste senhor, na "Hora do Lobo", na Rádio Comercial.

Depois aderi ao fenómeno dos "programas da manhã". Delirei com o "Homem que Mordeu o Cão", as crónicas do Herman, e as Bolas com Creme, do amigo Bubú. "Viciei-me" na TSF, na qualidade das suas reportagens, nos comentários loucos da "Bancada Central", no estilo tresloucado de Jorge Perestrelo (r.i.p.) quando anunciava um golo, na emissão histórica pela libertação de Timor-Leste. Hoje ainda vou ouvindo o Bubú, quando posso, a "Prova Oral" na Antena 3, e, quando sinto algumas saudades, um ou outro relato de futebol na TSF.

Nos dias de hoje, ainda vou ouvindo rádio, seja no carro, pela Internet quando estou de volta deste Espaço, ou na aparelhagem, quando estou a ler alguma coisa. Vou ouvindo a Rádio Radar (que ainda me vai surpreendendo com algumas propostas de música nova, fugindo aos "suspeitos do costume"), a Oxigénio (claro sinal que hoje ouço coisas bem diferentes de há 10 anos atrás) e, sempre que posso, tento não perder a "Quinta dos Portugueses", na Antena 3, que vai mostrando o que de melhor se faz por estas bandas.

Muita coisa fica por dizer àcerca da presença das ondas hertzianas na minha vida, mas com a certeza de que não me irei render tão cedo ao puro download de músicas via i-Tunes. Até porque acho que a voz humana é o instrumento mais puro que temos, seja a cantar, a conversar, a ler, a declamar, ou simplesmente a anunciar a música que se segue.

(Foto de Will Koffel)

11 comentários:

Célia disse...

Nos dias que correm, e com a facilidade de acesso a toda e qualquer música, penso que as pessoas passaram a desvalorizar não só a importância da descoberta da música na rádio, mas também a emoção que era ouvir um cd do princípio ao fim até acabar por decorar todas as letras... Acho que isso se perdeu um bocado. Afinal, costuma dizer-se que se dá mais valor às coisas que não obtemos facilmente.
Eu lembro-me de ouvir muita rádio no início da adolescência, porque, afinal de contas, não tínhamos muito mais para onde nos virar... Hoje perdi um bocado isso, mas o teu post fez-me pensar. A rádio dá-nos diversidade musical, interacção, novidades e tantas outras coisas...
Gostei muito do teu post ;)

Nuno Guronsan disse...

Apesar das ideias que aqui deixei, também sinto que é cada vez mais dificil ouvir música como deve de ser. A prova disso é a quantidade de música que se vai acumulando aqui em casa e que, às vezes, se passam meses até que consiga ouvir... Apenas posso imaginar como seria nos anos 60 e 70, quando os artistas/bandas chegavam a lançar 3 e 4 albúns por ano... Bolas, bolas, bolas...

Micas disse...

A música faz parte do meu ser, do meu crescimento. Estou-te grata por me teres (re)lembrado diversas fases da minha vida. Seguindo as tuas memórias, atrevo-me a dizer que devemos ser mais ou menos da mesma idade. Obrigada por este bocadinho que me soube tão bem.

Quero também deixar um abraço sentido pelas palavras de conforto deixadas lá em “Casa”.
Bem Hajas.
Beijos

Nuno Guronsan disse...

Este é um dos aspectos que me deixa fascinado com esta história dos blogues. Acabamos por ter afinidades com pessoas que não conhecemos de lado nenhum, mas que compreendem perfeitamente os diversos sentimentos que vamos exprimindo por palavras nestes espaços virtuais.

O facto de passares por aqui deixa-me confiante para pensar que as tuas "feridas" começam a sarar. Apenas posso imaginar a dor que ainda sintas... Deste espaço terás sempre o meu apoio e carinho! Beijos.

Navel disse...

Radio must be one of my oldest passions, together with books.
There, as you, I discovered the bands that, in a sense, shaped who I am.

I still remember No Creative Solution and Cosmic City Blues, even before Zen were born! :)))

(Afterwards I worked in some radio stations, as a news reporter, but it's not the same. I think I should have been a dj... :))

Anónimo disse...

Amigo, tá bom demais... :)

M. disse...

Venham playlists duvidosas, resmungos por quotas para a música portuguesa, ou invasões de comércio discográfico, o éter continua a ser mágico.

Excelente texto!!!

Nuno Guronsan disse...

Parece que há muita gente que também tem uma paixão duradoura pelas ondas de rádio...

Obrigado pelos vossos comentários.
Thanks for your comments.

a miúda disse...

Cheguei tarde, mas ainda vou a tempo de um comentário, certo? :)
Devemos ser da mesma idade mais ou menos também cresci ao som do Jogo da mala, do ribeiro cristovão e infelizmente do terço às seis da tarde, já que a minha avó alentejana vivia conosco na altura; seguiu-se sim senhora a rádio cidade e a energia, mas pouco depois a familia deixou Lisboa e no interior, conseguia-se apanhar a RFM, a rádio Planalto e nos dias bons e nos sítios bons ouvia-se às vezes a Antena 3 e raramente a TSF... são os chamados custos da interioridade!
De volta a Lisboa por um ano ainda apanhei a XFM e a outra a seguir (ou antes) que não me lembro agora do nome.
E de há uns 7/8 anos para cá a RUC tomou o meu "coração" e dentro dos pequenos 30km de alcance à volta de Coimbra (nos dias bons!) é a eleita para apenas ser substituída pela TSF, Antena 3 ou o zapping, tarefa apreciada nas viagens aos domingos à tarde durante os relatos!
A tua ode estava fantástica, como vês despertou uma pequenina dentro de mim, por isso desculpa o tamanho...
:)

Nuno Guronsan disse...

Querida Nunf, estava a ver que não aparecias;) Tendo em conta os escritos que tenho lido para os teus lados, já estava a ver que irias deixar aqui umas palavrinhas...
A rádio a que te referes seria a VOX? Lembro-me que essa substituiu a XFM por uns tempos... E por tudo aquilo que tenho ouvido e lido sobre a RUC, tenho imensa pena de não a apanhar aqui por estes lados.
Obrigado pela tua ode pequenina (apenas em tamanho;)

a miúda disse...

Isso, Vox!!!
Mas se tiveres oportunidade ouve a RUC pela net!
Penso que irias gostar do Martini da Arcada entre as 11 e a 13, o Ruc n'Roll entre as 14 e as 16, e bom as cerejas em cima do bolo são mesmo o Vidro Azul às segundas entre as 23 e a 1, com reposição ao sábado entre a 1 e as 3 da manhã, e o Interrail às terças entre as 21 e as 22. O Vidro Azul disponibiliza as emissões todas as semanas para download no blog http://vidroazulruc.blogspot.com a onda é bastante melancólica mas ouves coisas muito porreiras.
Boa escuta!
;)