sábado, fevereiro 18, 2006

Na Gare

Tenho saudades. Parece estranho mas tenho saudades. Nunca mais acordei cedo para ir a correr apanhar o comboio. A espera nas filas que se formavam na estação, uns a ler o jornal, outros a fumar o primeiro cigarro do dia, outros ainda a conversarem com os seus amigos passageiros. O cheiro a castanhas no Outono, o frio que me obrigava a usar o cachecol no Inverno, o brilho do Sol na Primavera, a minha t-shirt preferida no Verão. A correria para tentar apanhar um lugar sentado, ou pelo menos não ficar apertado na entrada, de encontro a desconhecidos meio ensonados como eu. O sucumbir ao sono, nos primeiros tempos, que quase me faziam voltar ao sítio de partida. As conversas com os colegas, quando nos encontrávamos, e os sorrisos que nos esforçávamos por dar quando havia greve ou atrasos monstruosos. A meia hora de viagem em que li muitos livros, apontamentos, cábulas e outros que tais. As pessoas que discutiam por causa de um assento, as grávidas que me pediam o meu lugar, os idosos que não queriam que saíssemos do nosso lugar mas que ao mesmo tempo nos imploravam com os seus olhos tristes alguma atenção e uma palavra amiga. A chegada à estação de destino e o recomeçar de toda a confusão. Tentar não ser atropelado por pessoas atrasadas para o emprego. Procurar por cima das cabeças pelos amigos e colegas para não ir sozinho até à faculdade. A repetição diária do habitual abraço/beijinho. Partilhar o primeiro cigarro do dia enquanto discutíamos o que tínhamos feito no dia anterior ou o que íamos fazer nesse dia. As caras preocupadas e nervosas em dia de frequência. A alegria do último dia de aulas do semestre. O Sol a aquecer-nos enquanto subíamos a Avenida das Forças Armadas. E depois, ao final da tarde, todo o processo novamente. E ver as luzes a acenderem-se nos prédios à medida que o comboio passava. O ar cansado das pessoas depois de um dia de trabalho. O adeus aos colegas que iam para Sintra. E saber que, no dia seguinte, lá estaria outra vez, à espera do comboio que me levava e me trazia. Que me levava e que me trazia...

(Um obrigado especial ao Sérgio Redondo pela sua bonita fotografia, que me fez voltar atrás no tempo.)

5 comentários:

Anónimo disse...

Fizeste-me sentir saudades desse caminho inclinado...que subíamos sem esforço quando na companhia de amigos.
Fizeste-me sentir saudades tuas...

Nuno Guronsan disse...

Foram tempos memoráveis, é bem verdade, e parece que só agora é que lhe damos o devido valor, mesmo a uma coisa tão banal como o caminho que fazíamos todos os dias... Temos que matar as saudades um dia destes...

Anónimo disse...

Ser Suburbano é... saber sublimar o que à primeira vista parecem misérias da condição periférica. Viva as viagens na linha de Sintra (e já agora, esse caminho inclinado, em que também deixei pegadas, depois das vossas...)!

Nuno Guronsan disse...

Não quero dizer com as minhas palavras que o melhor do mundo é andar de comboio na linha de Sintra (até porque também tenho recordações menos boas), mas que esse hábito agora perdido me lembra tempos muito bons da minha vida.

Já o caminho inclinado, e como a Vanda muito bem escreveu, lembra-me os amigos que fiz nos tempos de faculdade e que eram a minha companhia naquela caminhada matinal...

M. disse...

Muito bom. :)