sexta-feira, outubro 13, 2006

Peregrino

Passo a passo. O homem continuava a caminhar. Passo a passo. O Sol aquecia-lhe o corpo dentro do fato preto que tinha vestido naquele dia. A gravata parecia-lhe ainda mais apertada. O suor escorria-lhe pela testa abaixo, caindo, como se de lágrimas se tratassem, nas lentes dos óculos. Ele limpava-os à gravata mas sempre a andar. Não podia parar. Não podia distrair-se. Não podia desviar-se do seu caminho. Parecia que já caminhava há muitos dias, que no céu já tinham passado muitos sóis e muitas luas. Mas não, olhava para o alto, e lá estava o céu, azul como nunca o tinha visto. Apenas o disco faiscante do Sol traía o horizonte que se erguia sobre a sua cabeça. Limpou a testa com um lenço e notou que estava cada vez mais perto do seu destino. Acelerou o passo, mas sem correr. Não podia correr. Seria desespero a mais. A sua dignidade ficaria quebrada, partida em mil bocados. Mas, pensando bem, que lhe interessava a sua dignidade? Aliás, que outra coisa interessava que não fosse aquela para onde andava? Passo a passo. Estava mais perto. Já lhe distinguia ao longe as suas formas. Ansiava por ela. Quase voava, naqueles sapatos de camurça que pareciam gastos desde o primeiro dia em que os calçara. E o Sol que não parava de brilhar. E o suor que não parava de correr. E o seu destino que apesar de já ser visível continuava a ser quase uma miragem. Estugou o passo. De tal forma que quase tropeçou numa das pedras da calçada. Sentiu o desiquilíbrio e o seu coração bateu mais rápido. Não, não podia cair. Não agora que estava tão perto. Assim que recuperou a sua compostura, continuou a caminhada, agora mais atento ao chão que pisava que à imagem que buscava mesmo em frente. Passo a passo. Tinha chegado. Estava à sua frente. Respirou fundo e recuperou o seu fôlego. Os seus olhos ficaram enevoados, as lágrimas acumulando-se. Estava cansado mas feliz. Abraçou-a e ela beijou-o. Sabia que havia algo de diferente naquele beijo. Sentia-o. Mas não se preocupava com isso. Neste momento apenas queria sentir o corpo dela nos seus braços. Depois logo se veria. As coisas haviam de se resolver. Passo a passo. Tudo como dantes.


2 comentários:

Anónimo disse...

Belo Texto!

Peregrinos, somos todos nós...

Bom Domingo.

Beijos

Sofia Viseu disse...

linda peregrinação