quarta-feira, julho 15, 2009

O silêncio

"Voltou-se devagar, sentou-se de novo, recomeçou a escrever, parou pouco depois, atravessou a sala sem saber ao certo o que procurava, entrou na cozinha sem acender a luz - a tristeza, pensou de repente, a chuva enervante, a tarde vazia avançando, nada se possuindo jamais, o tempo como fumo. Recomeçar? A ilusão de recomeçar. A visão fascinada e ansiosa, a serena visão desencantada. Não há nada no amor, dissera-lhe, mas sentira que essa frase era talvez absurda e corrigira: há pelo menos o amor em si próprio, mas isso era também apenas uma frase e ele odiou-se por ter cedido a tentar transpor sentimentos em palavras, porque tudo era sempre tão errado, uma vez dito. Acendeu a luz da entrada e viu-se de repente no espelho - dois momentos sobrepostos no tempo, dois corpos sobrepostos, um corpo no limiar do declínio e um corpo jovem, apressado, trémulo, procurando ainda a sua própria forma. A coragem de enfrentar o nada e continuar vivendo. O desespero como uma forma de amor, a casa oca, parada, vazia da presença dela, um vazio em que ele sofria e chamava. Sentou-se de novo diante da folha de papel, voltou a levantar-se, encostou-se à janela. A chuva caía agora com mais força, uma chuva de verão, rebentando com violência no céu ainda claro. Até ao fim do mundo iria procurá-la, pensou, como um desafio, atravessaria o mundo debaixo da chuva até encontrá-la (...)"

Teolinda Gersão


5 comentários:

calamity disse...

Lindo, quando assim é.

Nuno Guronsan disse...

Fiquei também com vontade de recomeçar. Sou um tolo. :)

calamity disse...

Que bom...
Que bom que te sentiste asim, meu amigo.


Que os sorrisos sejam muitos.
Estou quase aí. Falta pouco.
Para os cafés :)

calamity disse...

P.S. A minha «casa» já esá aberta...era burrice informática minha para variar...nem todos podemos ser infoincluídos como tu!

:D:D:D

beijos.
muitos.
otra vez, que nunca são de mais, como os sorrisos.

Nuno Guronsan disse...

Cá te aguardo.

Beijos. Muitos.