Hoje comprei um inimigo.
Normalmente não vou nessa cantiga das promoções e dos descontos em cartão e dos preços sempre baixos. Normalmente sei o que quero, vou direito aos corredores que me interessam, carrego o carrinho de compras e sigo directamente para a caixa (self-service, se houver). Rápido, simples e eficiente, que o tempo deve ser gasto em melhores coisas que andar às compras de bens de primeira necessidade. E assim sempre fico com mais tempo para deambular entre colunas de som e plasmas da Bang & Olufsen. Mas naquele dia não.
Naquele dia achei algo que ainda não tinha, ou pelo menos assim o pensava. Um inimigo. E estava tão barato que era quase dado. Fim de stock, assim me explicaram. Tinham de se desfazer daqueles inimigos antes do próximo inventário fiscal. Ou seja, não era um problema de validades, como a certa altura receei. A validade ainda era longa, pois ser inimigo visceral de alguém não consumia muitos segmentos cerebrais, apenas aqueles mais básicos, que já possuímos desde o tempo em que andávamos ainda curvados e cobertos de pelos desgrenhados. E o preço era tão atractivo que não resisti.
Levei-o e o meu inimigo era tão barato que nem sequer puxei do cartão de crédito, uma vez que ainda tinha alguns trocos da última ida ao casino. A operadora de caixa agradeceu a minha preferência e avisou-me para guardar o recibo comprovativo, e experimentar todos os aspectos do meu inimigo nos trinta dias seguintes. Depois disso, o hipermercado comprometia-se a trocar o meu inimigo caso o mesmo se revelasse insatisfatório. Agradeci, coloquei o meu novo inimigo debaixo do braço e dirigi-me ao parque de estacionamento. Aí demorei algum tempo a encontrar o meu automóvel e o meu inimigo, acabado de comprar, criticou-me pelo meu sentido de desorientação, falta de consciência ambiental, despesismo capitalista e pelo insuportável odor corporal que de mim emanava. Com um sorriso agradeci-lhe os seus primeiros esforços, mas salientei que, como meu inimigo pessoal, esperava muito mais dele. Todos aqueles insultos seriam, certamente, certeiros mas pareciam-me ao mesmo tempo insuficientes para a descarga de fúria cega que sentia que existia dentro de mim e que apenas um inimigo sem escrúpulos conseguiria libertar.
E dito isto, eu e o meu inimigo sentámo-nos no carro e dirigimo-nos para casa, sob um céu imensamente azul e um sol que começava a descer sobre o horizonte. E, inspirado por tal cenário, o meu inimigo disse que eu lhe metia nojo e não passava de um bardamerdas. Eu sorri e pensei que este inimigo, mesmo a preço de saldo, tinha futuro, e fiquei com a clara certeza que seria um investimento bastante rentável a longo prazo. O meu inimigo pessoal seria a inveja de toda as pessoas no escritório e a minha esposa iria encher-se de compaixão para com a minha pessoa, oferecendo-se todas as noites só para que eu não pensasse no meu inimigo, aquele ser que me odiava com todas as forças do seu ser. Sim, não havia dúvidas, comprar um inimigo tinha sido a melhor escolha da minha lista de compras. Muito melhor que um tamagochi...