segunda-feira, dezembro 29, 2008

O silêncio

Tudo o que eu sempre quis
Tudo o que eu sempre precisei
Está aqui, nos meus braços
Palavras são desnecessárias
Elas apenas podem magoar

(Porque no nosso íntimo voltamos sempre às coisas que nos devolvem o conforto de outros tempos. Tempos em que fomos mais felizes do que nos apercebemos na altura. É bom relembrá-los, sem amargura pelo que entretanto passou, sem arrependimentos nem desejos de ter feito as coisas de outra forma. Apenas ficar a sonhar acordado, embalado pelos mesmos sons de antigamente. Hoje lembrei-me de ti, meu amor.)

domingo, dezembro 28, 2008

In the year 2009

"Perto do Martim Moniz, um taxista elucidou-me: isto vai ser bom é para o Brasil, a Rússia e a Índia. Os chineses também estão muito confiantes em 2009, que no Zodíaco Chinês é o Ano dos Tecidos Baratos e dos Brinquedos à Base de Chumbo."

Filipe Homem Fonseca


"As obras nas escolas vão também ser mais céleres, em vez de durarem anos. Em 2009 acabarão as aulas ao som desses primos afastados dos rouxinóis, os berbequins. A nova equipa ministerial saberá que a indisciplina é provocada por muitos factores, mas que alguns são tragédia anunciada: prevê portanto acabar em breve com as aulas em salas sem condições, e também com a invenção de matérias absurdas só para manter as crianças sob controlo, fazendo das aulas mais jaulas que aulas. Das aulas saem, com sorte, cidadãos; das jaulas, não nos queixemos se saírem feras".

Rui Zink


"Digo «manigananciosos» porque, nesta previsão política profissional, há medidas iguais de manigância e de ganância. É que as listas de previsões são também as wishlists dos autores, os previdentes. Não são dirigidas ao Pai Natal mas ao Bebezinho do Ano Novo: «Querido Bebezinho do Ano Novo, o que eu queria que acontecesse em 2009 era que o PSD fosse reduzido a escombros para eu tomar conta dele e que o Manuel Alegre conseguisse reunir ainda mais esquerdistas inúteis para tirar votos ao mau do Sócrates e que os preços das coisas subissem muito para ver se este estúpido deste povo percebe que é altura de ser eu a mandar nesta merda, se fazes favor. Obrigadinho e vê lá isso, compinchinha do meu coração aflito!»"

Miguel Esteves Cardoso


Em breve...

Que fique bem presente que eu continuo a preferir Não metas o meu guarda-chuva no meu anús. Se bem que Macacos me mordam também era uma bonita homenagem à nossa "grua"...


Puxar frentes

Dia 26 de Dezembro.
É chegada a altura de arrumar a casa. Recolher os brinquedos que ficaram sentados na prateleira, abandonados por todas as mães e pais natais que não acharam que os mesmo se adequassem às suas crianças. Ficaram ali, expectantes, com a angústia de permanecerem ali até ao último minuto da possível compra de Natal. Neste dia pós-natalício, parecem envelhecidos, com o seu espírito quebrado por não terem alguém que brinque com eles. É impossível não sentir algum tipo de compaixão por estes brinquedos excluídos da sua primordial função. Eles sabem que não irão parar ao contentor do lixo nem nada que se pareça, mas não deixa de ser triste vê-los lentamente a passarem do palco principal de adoração para o corredor secundário da sua família de brinquedos ditos normais, aqueles que se conformaram à sua posição diária de prateleira secundária. Termina assim a loucura das crianças a correrem de um lado para o outro, dos pais a fazerem contas de cabeça, das filas intermináveis para embrulhar aquele que todos pensamos ser O brinquedo, aquele que vai tornar o Natal daquela criança o mais perfeito de sempre. Enquanto as iluminações de Natal se vão apagando, os brinquedos vão também eles entrando no seu período de escuridão, de anonimato dentro do grande universo do hipermercado. Até daqui a doze meses, quando as esperanças de cada um deles ser adquirido se irão mais uma vez renovar e toda a névoa que agora os parece cobrir se irá mais uma vez dissipar e torná-los mágicos aos olhos daqueles que sonham mais alto...

Na choldra

Estão a ver a imagem aqui de cima? Estão a reconhecê-la?
Pois a parte que eu mais gosto deste genérico é mesmo o final, quando o Pai Natal fica atrás das grades, ou pelo menos é assim que a minha retorcida visão vê o logotipo da rtp. Quase que me dá vontade de imaginar outras personagens atrás daquelas grades fictícias e ao mesmo tempo entoar uma versão alterada de uma música dos Delfins,

Soltem os pais natais
Soltem os pais natais
Por todo o mundo há pais natais
Por todo o mundo.

terça-feira, dezembro 23, 2008

Para os corações mais empedernidos




No fundo, é uma questão de fé. Em acreditar e não desistir.
E sempre a brilhar, dentro de nós.

(Com agradecimento e inspiração vinda de um especial intruso)

domingo, dezembro 21, 2008

Natal

Francisco acordou com um arrepio. Sentiu a sua alma enregelar-se e acordou. E à sua volta apenas viu um manto branco que cobria todas as superfícies do seu quarto. Caía neve no seu quarto. Por momentos pensou que ainda estaria a dormir, perdido num dos muitos sonhos extravagantes que costumavam povoar o seu universo de sono. Mas depois sentiu os flocos de neve a caírem nos seus cabelos. Passou a mão pela mesa de cabeceira e, reacção imediata, os pelos do seu braço ficaram todos eriçados, quais deputados no parlamento a votarem um qualquer orçamento de estado. Sim, era verdade, estava mesmo a nevar no seu quarto.

Levantou-se e procurou no guarda-fatos o seu roupão, enquanto os seus dentes batiam uns nos outros ao ritmo de uma rumba. Uma vez enfaixado no seu roupão, começou a percorrer a casa, deixando um rasto no tapete branco que acolchoava a mesma. No quarto, o mogno dos móveis tinha ficado desaparecido naquela avalan
cha de neve que insistia em cair do tecto. No hall, ainda se conseguia ver um breve vestígio dos sapatos de Francisco, no sítio onde tinham ficado inertes depois de mais uma ronda do seu dono pelos bares da cidade. Parecia que alguém ali tinha caído e a neve o tinha soterrado. Neve que continuava a cair, em suaves flocos que se agarravam a todas as superfícies da casa. Curioso, Francisco abriu a porta da casa-de-banho e quase, quase sentiu vontade de mergulhar na banheira que transbordava de neve. Mas podia-se dizer que aquilo o tinha despertado realmente para a realidade da situação que ali se passava.

Afinal, estava a nevar dentro da sua própria casa. Isto não era normal. A neve só é suposto cair lá fora. Nem sequer tinha buracos no tecto por onde todo aquele manto branco pudesse entrar. Seria aquilo um castigo divino? Sim, ele sa
bia que não era propriamente um santo de sacristia, mas teria o pecúlio dos seus pecadilhos atingido um tal montante que merecesse uma praga de neve? Foi até à janela da sala, tropeçando nos montículos brancos que outrora tinham sido sofás e poltronas. E aí o seu espanto foi ainda maior. Lá fora o sol brilhava e havia céus azuis. Em pleno Dezembro. Mas na sua casa, parecia que tinha sido teletransportado para as penhas douradas. Com as mãos na cabeça, sentado no chão, não sabia o que pensar, o que dizer ou o que quer que fosse necessário fazer.

A impossibilidade física de tudo aquilo tinha bloqueado o seu cérebro. Limitava-se a olhar o cair constante dos milhentos flocos que surgiam do nada. E, no meio da sua mente atormentada, algo lhe lembrou que aquele cenário tinha uma estranha beleza. Afinal de contas, tinha sempre vivido naquela cidade e poucas vezes tinha posto os olhos em tamanha quantidade de neve. Sim, haviam as viagens em tempo de
férias, mas normalmente acabava sempre por as passar numa outra qualquer cidade. Onde também não nevava. E assim ficou, a ver a neve cair, desamparado, sem solução à vista.

Nesse momento, a campainha tocou. Algum vizinho a queixar-se da humidade, provavelmente. E como ia ele explicar aquele fenómeno? Noutros tempos seria acusado de feitiçaria. Agora, o mais certo era começarem a chamar-lhe profeta, demente, ou um pouco dos dois. Por outro lado, era um alívio saber que no m
omento em que abrisse a porta iria ter uma reacção que lhe permitiria saber se ainda se encontrava com toda a sua sanidade intacta, ou se em breve o seu guarda-roupa iria apenas consistir de camisas-de-forças, num quarto almofadado algures ali para os lados do Telhal.

Foi ver quem era. Ficou surpreso. Era Isabel, a pessoa do outro lado da porta. Havia alguns dias que já não se viam, e a última vez tinha tido um sabor amargo. Tinham ficado a um passo da separação permanente. Aliás, tinha sido essa a causa para o intensificar do seu deambular por bares e alcóol, numa tentativa de esquecer o impossível de conceber sequer a sua vida sem Isabel. Ainda tinha a vaga esperança de que a neve fo
sse um produto da sua alma alcoolicamente infectada. A campainha voltou a soar. Despertado dos seus pensamentos, abriu a porta e, ao ver que os olhos de Isabel tinham passado da sua triste figura e acompanhavam agora a incessante queda da neve, ficou com a clara certeza de que tudo tinha acabado de ficar mais complicado.

Isabel não conseguia dizer palavra que fosse. Foi entrando pela casa adentro, cruzando o seu rasto com aqueles que Francisco já tinha deixado. Via a palma da sua mão ficar coberta de neve. Via os seus longos cabelos negros salpicados de pequenos e brilhantes flocos. Olhava para Francisco, com as mãos nos bolsos do roupão, já
quase completamente coberto por uma fina camada de neve. Isabel abriu a boca e uma torrente de palavras saiu, com pressa de ser ouvida. O que se passava ali, nunca se viu tal coisa, não é possível neve aparecer do nada, e para mais dentro da tua casa, o que é que tu fizeste, lá fora está sol e quente, mal se consegue estar aqui com o frio, mas que digo eu, está a nevar dentro da tua casa, e tu não dizes nada, vais ficar aí parado, simplesmente a olhar para mim, Francisco, diz alguma coisa, o que é que se está a passar aqui.

Quando Isabel se calou, quando calou a sua angústia por não perceber o que se passava ali, nesse momento Francisco despertou, mais uma vez
, uma última e verdadeira vez. E segurando Isabel nos seus braços, apenas murmurou uma palavra aos ouvidos dela: perdoa-me. E repetiu-a, uma e outra vez, olhando Isabel nos seus olhos pretos. Perdoa-me, por tudo o que disse e o que fiz. Perdoa-me por toda a dor que te causei e que nunca mereceste. Perdoa-me por ter sido um idiota, um estúpido que nunca se esforçou por te compreender e por compreender o nosso amor. Perdoa-me, Isabel, perdoa-me antes que eu te perca e que a minha vida se torne ainda mais pequenina. Perdoa-me.

Isabel sentiu os olhos encherem-se-lhe de lágrimas, quando Francisco se calou. Não estava preparada para ouvir tudo aquilo. A culpada tinha s
ido a neve. A neve não estava no programa e tinha feito com que todo o discurso que trazia preparado se desvanecesse no vazio. Mas olhando Francisco, rodeado de branco, com aqueles olhos azuis que também vertiam agora lágrimas, sentiu que sim, que o perdoava, que o amor dela por ele continuava no coração dela, e que sim, que ele estava e estaria sempre, a partir daquele momento, a ser sincero. Acabavam as mentiras, as discussões e as dúvidas constantes. Acabava o punhal da dor no seu coração de cada vez que ele a amava. E momento contínuo, abraçaram-se, choraram e beijaram-se, beijaram-se como se o seu amor tivesse nascido naquele momento. Beijaram-se enquanto a neve continuava a cair sobre os seus corpos. E enquanto saíram porta fora, continuaram abraçados, com os olhos mergulhados um no outro. E enquanto saíram porta fora, a neve continuava a cair, indiferente ao amor que enchia os corações de Isabel e Francisco. E continuou a cair enquanto a porta se fechou, continuando os flocos de neve a tombarem, como cristais, na escuridão do apartamento...


(Escrito nos dias 30 de Novembro e 3 de Dezembro de 2008)

sábado, dezembro 20, 2008

quinta-feira, dezembro 18, 2008

Sniff...

... Ainda ninguém me ofereceu um par de meias.
... Ou uns boxers.
... Nem mesmo o inevitável Old Spice.

... Definitivamente é um Natal atípico.

terça-feira, dezembro 16, 2008

Serviço de utilidade pública - XX


(Algures ao pé do Tejo. E não podia haver melhor explicação. A seguir.)


Ponto parágrafo

Porque é que as coisas têm de ser tão complicadas entre nós? Porque é que de um ponto minúsculo do nosso universo conseguimos fazer a maior tragédia grega das nossas vidas? Seremos masoquistas ou simplesmente doentes mentais? Será que algum dia chegaremos a viver aquela intimidade de ternura e carinho que vemos nos casais de idosos sentados nos bancos do jardim da nossa cidade? Será que algum dia nos perderemos mais vezes nos segundos dos nossos beijos do que nas horas dos nossos gritos acusatórios? Não era suposto sermos felizes ao lado um do outro, não era suposto o nosso amor aguentar tudo, não era suposto sermos o refúgio secreto um do outro? Porque é que acabámos por desistir e virámos as costas um ao outro? Era o nosso amor assim tão fraco?

Os melhores romances nascem do infortúnio das maiores paixões...

segunda-feira, dezembro 15, 2008

Quatro estações











Venha o frio, venha o vento, venham os céus azuis, venham os céus negros, venha a chuva. Mas acima de tudo, venha o sol. E o marulhar barulhento e doce das ondas...

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Deuses caídos

"You could see the shadow of death in my face."


Um importante documento que nos lembra até que nulidade pode chegar o valor de uma vida humana quando encetamos qualquer tipo de guerra. E como na verdade nos deixamos levar por lideranças dementes até ao ponto de não podermos voltar atrás.




sexta-feira, dezembro 05, 2008

Redenção

Sempre gostei da ideia de redenção. De passar pelas mais desgraçadas provações, chegar ao infinito fundo da mais profunda tristeza e dor, para se conseguir atingir a renovada alma de um verdadeiro ser humano. Como se a ideia de um caminho sem obstáculos ou entraves, que nos obrigam a rever tudo aquilo que consideramos ser a nossa moral e a base dos nossos princípios, fosse na verdade aquilo que nos faz crescer e atingir todo um outro nível de humanidade. Acho que o filme Blindness consegue ser uma tela viva destas palavras. No nosso íntimo, sabemos que a sociedade, mesmo aquela que se diz avançada, se coze com fios demasiado frágeis e que ao mínimo abalo cedem perante os instintos primários de uma espécie que rapidamente tomou conta do planeta onde vivemos. Sabemos que à primeira tentação, o ser humano consegue trazer à superfície o pior de si, aquilo de que muitos pesadelos são feitos. E por vezes nem estamos assim tão distantes como num objecto cinematográfico. Por vezes, basta apenas ligar a televisão durante o noticiário. É por isso que Blindness consegue ser tão certeiro, tão real, tão intimidador. Porque nos revolve as entranhas, nos obriga a ver quando outros preferem virar a cara, porque é simplesmente um soco no estômago, mesmo que no final haja um pequena centelha de esperança em algo semelhante a um renascer das cinzas.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

A invenção do amor

"Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com caracter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem e uma mulher um cartaz denuncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A policia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e nas avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos
Chamem as tropas aquarteladas na província
Convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva
Todos decrete-se a lei marcial com todas as consequências
O perigo justifica-o Um homem e uma mulher
conheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade

É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-los
antes que seja tarde
e a memória da infância nos jardins escondidos
acorde a tolerância no coração das pessoas

Fechem as escolas Sobretudo
protejam as crianças da contaminação
uma agência comunica que algures ao sul do rio
um menino pediu uma rosa vermelha
e chorou nervosamente porque lha recusaram
Segundo o director da sua escola é um pequeno triste inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão
Aplicado no entanto Respeitador da disciplina
Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos
Ainda bem que se revelou a tempo Vai ser internado
e submetido a um tratamento especial de recuperação
Mas é possível que haja outros É absolutamente vital
que o diagnóstico se faça no período primário da doença
E também que se evite o contágio com o homem e a mulher
de que fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade

Está em jogo o destino da civilização que construímos
o destino das máquinas das bombas de hidrogénio das normas de discriminação racial
o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
a verdade incontroversa das declarações políticas

...

É possível que cantem
mas defendam-se de entender a sua voz Alguém que os escutou
deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas
E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra
respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz
lhe lembravam a infância Campos verdes floridos
Água simples correndo A brisa das montanhas
Foi condenado à morte é evidente É preciso evitar um mal maior
Mas caminhou cantando para o muro da execução
foi necessário amordaçá-lo e mesmo desprendia-se dele
um misterioso halo de uma felicidade incorrupta

...

Procurem a mulher o homem que num bar
de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
senhas salvo-condutos horas de recolher
censura prévia à Imprensa tribunais de excepção
Para bem da cidade do país da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com carácter de urgência

Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família a testemunha diz
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua"

Daniel Filipe

(Obrigado pela partilha, minha querida amiga)

Inverno

Não sei se foi do facto de ter o sítio quase só para mim (as semi-celebs só chegaram depois), se foi da violência com que as ondas chegavam até à areia, o certo é que a inspiração fluiu como há muito já não acontecia. Estou contente com o resultado, mas como escrevi a alguém recentemente, sou o meu pior crítico, de maneira que ainda não é este ano que vão gastar as vossas economias a comprar um livro escrito por mim. Mas se escrevesse sempre assim (em breve...), sem dúvida que começava a fazer edições de autor e distribuía por todos os meus amigos e familiares, e poupava uma pipa de massa em prendas de Natal. Algo que, curiosamente, também comecei a fazer hoje. E lá começa a altura de fazer contas de cabeça...

:)


domingo, novembro 30, 2008

Dia Supremo

Foi um fim-de-semana como poucos. Ou então sou eu que estou a ficar um verdadeiro lamechas (efeitos secundários da época, provavelmente...). Mas foi bom conhecer-te e gostei muito que tivesses gostado das palavras que só tu leste. Prometo completar as folhas em branco, para que possas demorar muito mais a ler e a gostar. Obrigado!


Polaroides - V


Tu não estás nesta polaroide, mas eu estou. E a mesma é do tempo que ontem recordámos, com muita saudade, perceptível mesmo para além das nossas palavras. A conversa foi longa, mais longa que a noite e que o mar revolto que estava lá fora. As palavras que partilhámos foram a nossa fogueira, que nos aqueceu à volta de uma série de coisas, passadas e presentes (e mesmo futuras) que quisémos dizer um ao outro, que tínhamos urgência em dizer para que de alguma forma destapássemos o hiato que surgiu, lentamente, entre as nossas vidas. Fálamos de amores, amizades, encontros e desencontros, da mente e dos seus meandros, daquilo que fizémos, daquilo que ansiamos fazer, da memória e da falta da mesma. Do secundário, claro, os dias de outra vida onde fomos felizes, despreocupados e, de certa forma, mais idealistas. Não voltámos assim tanto no tempo que nos apetecesse ficar por lá, apenas puxámos os fios dos novelos da memória, lembrando coisas e eventos dos quais já não nos lembrávamos. Das festas de garagem, de outras "festas" e "bolinhos", do café dos pretos, do "presuntinho", das músicas que nos uniram, de todos ou quase todos os nossos colegas e da forma como os víamos e os vemos agora, das conversas intermináveis na parte de trás do autocarro, dos espirros, dos apalpanços, das faltas a vermelho e colectivas, dos profs com um parafuso a menos, de como tudo aquilo nos ajudou a crescer e, quase com toda a certeza, ajudou a formar parte do puzzle que somos hoje em dia. E a certa altura parecia que o tempo não tinha passado. Que apenas faltavam os cadernos em cima da mesa, os maços de tabaco e as cassetes gravadas clandestinamente. E foi bom. Ver-te e conhecer-te, outra vez. E desejar que ainda percorramos muito caminho juntos. Eu gostei, e tu, senhora doutora, será que também gostaste?

Puñal

"El puñal,
entra en el corazón,
como la reja del arado
en el yermo.

No.
No me lo claves.
No.

El puñal,
como un rayo de sol,
incendia las terribles
hondonadas.

No.
No me lo claves.
No."

Federico García Lorca


Tardes frias e cinzentas devem passar-se com pessoas ao lado. Ainda que sejam desconhecidas e quase todas falem uma língua que não seja a nossa. Porque, às vezes, esse é todo o calor que precisamos para nos sentirmos parte de um mundo que teima em auto-destruir-se lentamente. E no meio de tanta gente diferente e anónima, que se congrega num espaço que gostam em comum, acaba por ser uma espécie de lareira à volta da qual todos nos podemos reunir, ler os nossos livros num sofá de muitas gerações, sorrir com as brincadeiras das crianças que correm à volta da árvore, e ouvir estórias de vidas que andam ali, ao nosso lado, na rua.

quarta-feira, novembro 26, 2008

Diplomas...

O que seria da vida sem a primeira paixão, sem o primeiro momento de cama, sem o primeiro cigarro pós-coital, sem o primeiro amor, sem a primeira desilusão amorosa, sem a primeira sensação de que o mundo todo vai desabar em cima de nós, com o peso de infinitos tormentos?

E se pudéssemos ter à nossa frente um possível futuro "eu", um "eu" de uma dimensão alternativa cuja curva no tempo nos tivesse tornado um ser humano amargurado e desiludido com as escolhas que tinha tomado durante o processo de amadurecimento? E se esse nosso futuro "eu" nos pudesse, de alguma forma, voltar a por-nos nos carris para uma vida memorável, preservando tudo o que a nossa pequena vida éfemera realmente devia significar?

E se tudo isso acontecesse num único verão?

E se de alguma estranha e quase perversa maneira, ficção e realidade se pudessem encontrar numa esquina, num minúsculo ponto do nosso espaço, numa altura de todo inesperada, mas perfeitamente desejada?

Talvez fosse a altura certa para recorrer a um profissional da mente...

(smile)


The Wackness


"So that was all bullshit right? All that stuff about embracing your pain, making it a part of you? You can't do this, you can't just give up. Life is hard and it's full of pain and what-not, but we take it cause there's great stuff too. And we can do it cause we have friends- because we have each other."

terça-feira, novembro 25, 2008

Traboules

"Les traboules sont à Lyon, Villefranche-sur-Saône, Mâcon et à Saint-Étienne des passages à travers des cours d'immeuble qui permettent de se rendre d'une rue à une autre.

Il en existe de plusieurs types :

  • traboule directe : on voit la sortie dès l'entrée.
  • traboule en angle : traversant deux ou plusieurs bâtiments à l'angle de deux rues.
  • traboule rayonnante : une cour au coeur d'un îlot d'habitations comportant plusieurs accès.
  • traboules à détours

Certaines comportent des escaliers car elle relient des rues ayant un fort dénivelé, d'autres cumulent ces différentes caractéristiques."



(Mais info via Wikipédia, e com um agradecimento pela inspiração à J.)

segunda-feira, novembro 24, 2008

Muda

Estava a chover. Como se o acordar ainda com o sol escondido já não fosse mau o suficiente. A combinação das duas coisas acabou por definir a sua disposição para todo o dia. Sentia-se ausente. Ou pelo menos, parecia que lhe faltava alguma parte de si. O dia acabou por ser rotineiro. Casa-trabalho-casa, com poucas surpresas pelo caminho. Logo pela manhã, ainda sem a passagem habitual pelo café, alguns colegas repararam que ela estava diferente, faltava-lhe o sorriso e a boa disposição usual, que era quase a forma limitativa como a representavam. Ela não se importava, até porque de vez em quando fazia questão de mostrar o seu lado mais abrupto e explosivo. E os seus colegas conheciam esse seu lado, apenas preferiam pensar no seu lado mais afável. Ela não se importava, se era assim que gostavam, assim fosse. Mas hoje tinham reparado nela pela falta de alegria no olhar, não seria bem tristeza, mas algo estranho se passava. Ela também sabia disso, mas não conseguia descortinar do que se tratava realmente. Nada se tinha passado para ela se sentir assim. Ao longo do dia, desconversou várias vezes quando lhe perguntavam o que se passava, e deixou as pessoas com as suas próprias especulações sobre o que seria. Na verdade, essa ausência estranha que sentia teve uma vantagem, um dia que prometia ser comprido e cheio de complicações acabou por passar depressa, sem rasto de qualquer arrelia ou ansiedade. Apenas o estranho sentimento que estava a caminhar para fora da estrada sem ao menos um mapa que a guiasse. No regresso a casa, o sentimento persistiu, enquanto caminhava pelas ruas e arcadas da sua vila, e quase lhe parecia que não as conhecia. Que estava a caminhar por ali pela primeira vez na sua vida. E começava a ficar preocupada, será que a sua memória lhe estava a fugir? Que todas as suas recordações representavam a ausência que tinha sentido durante todo o dia? A angústia cresceu e deixou quase sem respiração. Até que nesse preciso momento, a chuva parou e por um infímo segundo, o sol brilhou no meio das nuvens escuras que tinham dominado o dia. E os olhos dela, que começavam a encher-se de lágrimas, brilharam e viram que havia algo que regressava a ela. Algo que se tinha ausentado para paragens menos sombrias e mais radiosas. Algo que lhe era tão intrínseco como o próprio bater do coração. E tinha regressado. E ela chorou na mesma. Mas era um choro de alívio, um choro de boas-vindas, um choro de alegria por já não se sentir tão estranha. Sabia que amanhã era um novo dia e que já não se iria sentir incompleta. Porque ela tinha voltado.


(Foto tirada por J.)

domingo, novembro 23, 2008

Ganesh

Os céus hoje não estiveram em chamas. Estiveram da cor do mar, de um mar como o imaginamos das nossas memórias de infância ou de histórias de embalar à muito contadas e repetidas pelos nossos pais. O azul sobrevoou as nossas cabeças, enquanto viajámos pelos nossos pequenos prazeres. A nossa cidade acolheu-nos, como sempre o faz, haja catástrofes naturais inventadas ou não, e quando assim é esquecemos todos os outros locais deste planeta que já visitámos e deixamo-nos ficar por aqui, em casa, uma casa com sete colinas e um rio que nos faz andar, pensar, ler, sorrir e mesmo pensar num encontro para um desporto informal, sem pitons nem outras serpentes. Um gelado em Novembro? Claro que sim, uma profilaxia é tão boa como outra qualquer, e quando a oferta é tanta, até nos podemos enganar e escolher um pouco mais de chantili. Seja, voguemos à toa, até recantos longínquos onde os deuses têm outro aspecto, mais serenos, e onde até já fizémos parte das nossas vidas, sim, porque uma vez membro do eixo, para sempre membro do eixo (com maiúsculas). De volta às nossas belas localidades corbusianas, nada como sentir aquela sensação quente dentro de nós, de que o dia foi como poucos, de que os céus não estavam a arder e que as horas demoraram anos a passarem. Se ao menos fosse sempre assim...



sexta-feira, novembro 21, 2008

quinta-feira, novembro 20, 2008

Desliga.

"A melancolia portuguesa corrompe o espírito, escurece-o, como o frio do Outono amarelece e mata as folhas das árvores."

José Eduardo Agualusa


Naqueles dias, a melancolia descia pelas paredes, lentamente, e ia abraçá-lo na sua poltrona, assistindo com ele ao desfile televisivo das desgraças e semi-desgraças de mais um dia praticamente finito de Outono. A melancolia envolvia-o como um cobertor enquanto assistia à intransigência de um executivo que clama desesperadamente por uma recauchutagem ou novas eleições, versus uma oposição que consegue melhores resultados quando não abre a boca do que quando larga meia dúzia de bujardas para garantir o seu share televisivo. A melancolia serpenteava à sua volta enquanto ele angustiava por também receber uma carta de alguma herança milionária enviada por um parente cujo nome não passava de iniciais e que normalmente começavam sempre por B e acabavam numa taxa de 16%. A melancolia dizia-lhe pequenos nadas ao ouvido enquanto ele tentava perceber porque razão é que ainda suspeitavam que as gasolineiras não passavam de um cartel quando tinham baixado tão generosamente os preços do seu tão precioso néctar. A melancolia insinuava-se-lhe descaradamente à medida que novos termos de identidade eram emitidos para tão garbosos jovens apenas pelo facto de terem uma linguagem mais colorida para um telejornal do que uma peixeira do bolhão (isso e o facto de atirarem uns tijolos e gostarem de pacotes de açucar um bocadinho maiores e de moagem mais fina). A melancolia infiltrava-se-lhe nos poros enquanto ele achava perfeitamente natural o menino d'oiro ficar tão distraído com tanto calor e tão poucas roupas em quantidades tão desmedidas.

A melancolia arrefeceu-o. Desligou a televisão, foi para a cama e pegou num livro. Um livro sobre um país menos melancólico e menos outonal.


segunda-feira, novembro 17, 2008

Céu em chamas


(as palavras ficam no papel, aqui basta a fotografia)

As Mulheres do meu Pai

"Tive um grande amor e perdi-o. Não teria sido um grande amor se o não tivesse perdido. Penso nele constantemente. Deito-me, para dormir, e vejo-o. Adormeço e vejo-o. Acordo e vejo-o, adormecido, ao meu lado. O meu erro. O meu pecado. O escândalo que destruiu o futuro que a minha mãe sonhou para mim. Hoje, não consigo amar ninguém, entregar-me com verdade e paixão a quem quer que seja, pois por mais que me esforce, fechando os olhos, exercitando o esquecimento, não posso impedir-me de cotejar os corpos que levo para a cama com o corpo do meu perdido amor, e em todos descubro, nauseado, insuportáveis falhas. A firmeza da pele, a justa cor dos olhos, o riso de troça, com que me repelia, a forma como inclinava a cabeça para me olhar, as pernas altas e longas, a voz de penumbra entre os lençóis."

José Eduardo Agualusa

domingo, novembro 09, 2008

Ondas Sonoras - XXXV

JP Simões lembra-me, a tempos dispersos, o meu avô.
Espero que ele compreenda que isto se trata de um elogio. Digo isto pois ambos são contadores de histórias, o meu avô antes de ser meu avô, o JP antes de ser músico. E como contadores de histórias conseguem prender a atenção de todos aqueles que gostam de uma boa história, seja à volta de uma lareira antiga, no caso do meu avô, seja à volta de um palco espartanamente iluminado, no caso do JP. Bastava ver o público, sentado à volta das mesas, a chegar-se à frente para ouvir melhor as histórias de JP e a doçura com que ele debitava cada palavra cujo som parecia vir de tempos imemoriais, facto beneficiado pela estrutura (quase) a solo do concerto.
Ok, se calhar estou a romancear demasiado a coisa e daqui a bocadinho já pareço um artigo do jornal de negócios (privada, eu sei). Bom, digo apenas que o concerto foi bonito, íntimo e de amigos para amigos, mesmo aqueles que são desconhecidos ou estavam ali pela primeira vez. Foram bonitas as cumplicidades entre músicos e entre JP e o público presente. E as histórias de imigração, provas de poder perante a amada, prostituição, conjûges de mãos dadas com dores... de testa, acompanhadas apenas de guitarra acústica, piano e flauta, são realmente deliciosas e por isso valeu mesmo a pena estar ontem à noite, naquele jardim de inverno (estaríam a pensar em ti, Gi?). A repetir.



quarta-feira, novembro 05, 2008

Baixa psicológica.

18:17

Um bêbado.
Dois bêbados.
Três bêbados.
Quatro bêbados.
Uma construção que chega até às nuvens.
Uma casa que anda.
Alguns risos, muitas interjeições.

17:31

Um bêbado.
Dois bêbados.
Três bêbados.
Uma lenda de barbas.
Uns quantos risos, com muita mágoa por trás.
A rendição a uma história que tem o fim que merece.
A vontade não concluída de cometer um erro.

Dormir.

A respirar...

Não parei de escrever. A diferença é que apenas tenho tido tempo para o fazer por aqui.
Começa a tornar-se uma das consequências mais usuais do Natal (sim, leram bem), a constante falta de tempo para tudo e para todos. Por muito que me custe.
Vou tentar manter os mínimos sinais de vida.

Mr. November


Uma palavra apenas. Esperança.

(Imagem via um amigo que em boa altura decidiu regressar a estes espaços virtuais.)





quarta-feira, outubro 29, 2008

Cavalos nocturnos

"Lisboa ruiu. As ruas, as praças, os jardins, as fontes. O rio e o mar abriram brechas, engoliram barcos e navios, levaram o horizonte, o pôr-do-sol, as casas da marginal, os restaurantes, as esplanadas, as praias. Depois o mar e o rio desapareceram, o mundo rodou sobre si próprio e sumiu no espaço.
Um minuto depois de perder-te."

Teolinda Gersão

quarta-feira, outubro 22, 2008

movimento

"movimento de alma
silêncio, emoção,
de doçura meia,
essa tua palma
sobre a minha mão
o que tem que eu leia?

para lá da floresta
onde as coisas são
sem minha licença,
mais linear que esta
confusa razão
da tua presença

não há outro sim
que não tem dizer
e explica melhor?
qualquer coisa assim
como um tempo sem fim
como um espaço sem tempo"

Mário Cesariny

terça-feira, outubro 21, 2008

Dia bom

[Obrigado, amigo, pelas palavras oferecidas e por tudo o resto, que não é pouco.]

"(Para o Espaço Cinzento ou não, como queiras. Pareceu-me que andas sem inspiração, e assim aproveitei a minha rara de hoje. Apeteceu-me.)

Lá está ele outra vez: o famigerado espelho retrovisor. Todas as vezes que entras no carro, seja o teu ou não, olhas para ele. Tornou-se um hábito rotineiro, obrigatório, sempre com um pequeno toque para o ajustar ou para ajustar o que vês nele. Ou o que queres ver nele. Tornou-se no teu companheiro de viagem, qual caixinha mágica, teu televisor privado. Mas o que vês não é o teu reflexo, é o teu passado, é o teu futuro, são os teus medos e as tuas alegrias. E vais percorrendo quilómetros assim, fazendo sol ou não. Segues o teu caminho, segues as estradas que foram toldadas à tua frente.

Hoje chove intensamente. Apesar de teres as escovas dianteiras e traseiras a desviar a água dos teus vidros o mais que podem, não consegues ver nada em direcção alguma. Parece que há uma opaca cortina cinzenta que te envolve. No entanto, o teu espelho preferido mostra-te hoje o filme da tua vida. Nele já viste o que se passou à tua volta: o passageiro que ameaçava a condutora, o marido com o cano da pistola virado ao peito da esposa, a senhora que se maquilhava num carro vizinho, as saudades que tinhas dos teus mais próximos, os amigos que se casaram e se divorciaram. Hoje, é a tua vida que está em exibição nesse cinema só teu.

Esse filme de hoje é especial. Não te mostra o que conheces de ti, mostra-te vários filmes ao mesmo tempo, todos sobrepostos, todos paralelos e que começam no preciso momento em que ligas a ignição do carro. Mostra-te os vários desafios que tens pela frente, as possíveis alternativas para cada um deles, as muitas estradas que podes escolher para chegares ao teu destino. Mas não te mostra o destino final e é isso que te preocupa.

O visionamento deixa-te obcecado e esqueces-te que estás ao volante e em poder de uma arma mortífera que não podes negligenciar. Estás desligado da realidade, só vês o teu filme. Nesse instante, uma forte rajada de vento e um trovão abanam o veículo. Até o rádio emudeceu. Acordas do sonho acordado e encostas o carro para te poderes acalmar, para diminuir a adrenalina que corre nas tuas veias. O teu coração bate forte, o sangue corre-te pelas veias a uma velocidade que parece impossível.

Se estivesse sol, se não tivesses esses horários violentos a cumprir, sabias que te poderias refugiar no teu bar-esplanada favorito à beira mar, fizesse calor ou não, desde que houvesse um raio de sol para te aquecer a alma e um bom livro para te alimentar a imaginação. Se. Mas não, continuava a chover intensamente e pelos vidros não vias nada por muito que te esforçasses. Só o espelho continuava a exibir o teu filme. Assim ficaste ao longo de minutos, horas, ou mesmo dias? Não sabias se já estavas em condições de continuar a tua viagem ou se deverias continuar na berma, à espera, em quase eterna pausa para continuar. Apenas sentias esses suores frios provocados pelos calafrios e ansiedades.

Enquanto estás parado, não consegues tirar o olhar do espelho. Os actores principais já entraram em muitos castings, já os conheces de outros filmes antigos. Mas a meada da história parece não te fazer sentido algum: partes da história já metem sangue, gumes afiados de canivetes de barbeiro, lava intensa a correr pelos sucalcos do teu país e que o transformam em terra eternamente queimada e infértil, lutas fúteis com torrentes de água gélida muitas vezes mais fortes que tu. Que sentido faz isto tudo? Ainda por cima não tens comando para desligar o teu televisor privado, quanto mais para fazer rewind ou fast forward. O cinto de segurança prende-te ao assento, a tempestade aprisiona-te no teu veículo. É sufocante e já nem sabes o que podes sentir. Mas ris-te no teu silêncio.

Bruscamente acordas do transe, todo transpirado e ofegante pelo que acabas de viver. Afinal foi apenas e só um sonho. Um sonho que pareceu realidade, um sonho que durou toda a noite, uma noite que pareceu infindável. Mas nada é eterno, sabes isso. E olhas pela janela. Está um sol radiante, um azul de céu que faz lembrar o mar calmo, uma brisa fresca que convida a passear à beira mar. E decides pegar no teu carro, sem medos de filmes, sem medos de espelhos, e vais para o teu bar-esplanada favorito com um livro na mão e boa música no ar. E sorris.

Sorris, porque reconheces ao longe, neste dia especial, o The Happy Birthday Song contido na misteriosa produção de ovos do André Pássaro. Haja muitos mais dias assim."





quarta-feira, outubro 15, 2008

Monstros Invisíveis

"Só quando tivermos devorado este planeta é que Deus nos dará outro. Vamos ser mais recordados por aquilo que destruímos do que por aquilo que criámos."

Chuck Palahniuk

domingo, outubro 12, 2008

Janela


Os pilares da casa ficam (quase) sempre escondidos, e a fachada está a precisar de ser pintada.

quinta-feira, outubro 09, 2008

Lightning strikes twice

"E nesse momento, sem o poder controlar, e sem perceber muito bem porquê, derramou uma pequena lágrima."

Há dias e dias. E depois acabam por ser semanas.
E o sol já se pôs. E os candeeiros de rua já estão acesos.
Na esquina há dois vultos. E o fumo de um cigarro aceso a contragosto.
Um antibiótico seria uma boa ideia. Se a farmácia estivesse de serviço.
As teclas estão gastas. Muito mais gastas do que se pensava.
Paciência...

quarta-feira, outubro 08, 2008

Estrada

Os olhos começavam a fechar-se-lhe. Era hábito na viagem de volta a casa. O cansaço do dia que findava em conjunto com a cadência quase sonâmbula da carruagem não deixavam grande espaço de manobra para outra coisa que não fosse o lento descer das pálpebras. O livro estava a milímetros de lhe fugir das mãos. A música que lhe saía dos auscultadores também o ajudava a embalar, muito antes da hora, para um sono que não pedia licença para se anunciar. Ele sentia as pessoas à sua volta, mas ao mesmo tempo parecia que estava sozinho no comboio, alheado do resto do mundo, ou mesmo excluído por ele. Seria por isso que quase conseguia ouvir apenas a sua música e nada mais à sua volta? Tirou os auscultadores e apenas ouvia o troar mecânico característico do comboio. Nada mais. Nem conversas entre amigos, nem juras de amor entre enamorados, nem os risos e gritos de crianças. Toda a carruagem emersa num silêncio empedrenido e insuportavelmente barulhento. Voltou a colocar os seus tampões musicais. Ao menos a música continuava a fazer-lhe companhia. Do lado de fora do vidro via o sol a esconder-se, enquanto a sua cor vermelha ia colorindo os vidros sujos do comboio. Lentamente, o disco vermelho ia escondendo-se por trás dos prédios que se faziam sempre acompanhar ao longo da linha férrea. Por um infímo momento, lembrou-se doutros comboios, doutras paisagens, doutros tempos mais inocentes e mais alegres. O sono tinha fugido de si, mas não se sentia mais desperto por causa disso. Chegou ao seu destino. As portas abriram-se e as pessoas saíram para o frio de fim de tarde que se abatia sobre a estação. Aquela luz ensanguentada do sol tornava-se ainda mais angustiante com a companhia da poeira que se libertava a espaços das obras de remodelação da estação. Indiferentes ao vai e vém de gente, os homens das obras continuavam a martelar, a cavar, e a soldar. Seguiu caminho, rua acima, não tinha coragem para se meter noutro transporte público só para não ter de andar umas quantas centenas de metros sempre a subir. Para mais, gostava daquele vento de princípio de outono que vinha beijar a sua face. E o cansaço também não o deixava andar muito depressa. Por isso ia ouvindo as suas músicas e olhava o pequeno mundo que o rodeava, cada vez mais repleto de pessoas, cada vez mais claustrofóbico e labiríntico, graças aos prédios corbusianos que cresciam como cogumelos. Já quase não sentia os pés quando chegou ao cimo da subida. O sol dava os últimos sinais de vida naquele dia. E quando estava a chegar à sua porta, ouviu quase imperceptivelmente, a acompanhar a música dos auscultadores, alguém chamar por si. Voltou-se e à frente do sol apenas conseguiu distinguir uma silhueta. Uma silhueta que o fez esquecer de tudo e de todos os que tinham povoado mais aquele dia rotineiro da sua vida. E enquanto esboçava um sorriso na direcção da cada vez mais próxima silhueta, pelos seus tímpanos a dentro entrou aquele som reconfortante que tantas vezes tinha ouvido nos braços da sua silhueta. E nesse momento, sem o poder controlar, e sem perceber muito bem porquê, derramou uma pequena lágrima. Uma pequena lágrima que ainda corria pelo seu rosto quando a sentiu finalmente de volta ao seu corpo.



domingo, setembro 28, 2008

Domingo Bom...


"Sofrer fez-me diferente..."



Soturno

adjectivo
1. taciturno, tristonho
2. pouco dado à convivência social
3. sombrio, carregado
4. lúgubre, medonho
(De Saturno, astr., pela suposta influência deste planeta no espírito das pessoas que nasciam sob o seu signo, pelo cast. soturno, «taciturno; melancólico»)

(in Infopédia)

O ataque

Hoje é domingo, mas na passada sexta-feira, por volta das sete e treze da manhã, deu-se o culminar da grande conspiração da estantaria sobre mim. Pódios, prateleiras, pleias, picôs, bastiadores e barras de esforço viram todos uma aberta para finalmente conseguirem o seu ataque final sobre mim. E foi assim, meio na escuridão, que uma prateleira decidiu ir contra o meu escalpe (pouco) cabeludo, fazendo uma ferida jeitosa. Não senti o sangue senão alguns minutos depois e aí já era tarde para impedir o mesmo de jorrar. Aguentei-me estoicamente até tudo estar terminado. Depois fui para casa, limpei e desinfectei a ferida, deitei-me e comecei a pensar se não estaria na altura de não me aproximar mais do covil da malvada estantaria.

E sim, Célia, este texto não é ficção.

quarta-feira, setembro 24, 2008

A sensação de inquietude voltou a aparecer hoje. Por uns breves segundos, tive a confirmação que os meus piores receios tinham todo o fundamento. Que tudo tinha sido arduamente real. Que os olhos que eu não conseguia deixar de ver na minha mente e que não me tinham permitido dormir um sono que não fosse desadormecido eram mesmo verdadeiros. E que decidiram aparecer de novo, no meio da multidão, no meio de uma jornada de trabalho intensa, como chamas infernais a emergirem do tumulto do quotidiano. E o medo tomou conta de mim. Não fugi, fiquei apenas imóvel, em antecipação, esperando a tormenta de ter de me confrontar de novo com aquela mancha de solidão inóspita, materializada no corpo dela. Não sei bem o que me passou pela mente, mas por um infímo momento senti uma voz a clamar dentro de mim, a pedir-me que não fugisse, que enfrentasse aquele temor, aquela premonição de um futuro possível. Que não sucumbisse à fraqueza de não ser capaz de perceber o que tudo aquilo significava. E foi nesse infímo momento que decidi, ainda que imobilizado por um pânico desavergonhado, que não fugiria, que ouviria os seus desabafos, os seus anseios e ténues esperanças, as suas mágoas e o seu coração a sangrar, e, acima de tudo, os seus olhos suplicantes, a humilharem-se por um pouco de condição humana, de um toque, de uma palavra. Assim estava eu, vacilante, à espera do momento em que teria mais uma vez aquele ser destroçado diante de mim, despida de qualquer réstia de ilusão de uma felicidade que estava afastada há muito. Mas o momento nunca veio. Tão depressa como a vi, assim ela desapareceu no meio da turba de pessoas, ela mais a sua sombra negra de solidão. E lentamente o bater do meu coração começou a abrandar, ao aperceber-se que os meus pesadelos mais sombrios iriam continuar escondidos num qualquer recanto mais obscuro da minha consciência.

E entretanto comecei a pensar que iria ter mais uma longa noite pela frente. A confrontar os demónios que iriam mais uma vez emergir do azul dos olhos dela.

terça-feira, setembro 23, 2008

Ficções reais

Se eventualmente gostaram disto (como eu gostei),


então recomendo a leitura destas inspiradas palavras, por alguém que é sempre uma óptima inspiração. Bem hajas.

Islandices... (VI)


Menos de 50 quilómetros por hora, perdi a conta das vezes que o ponteiro descia até perto 20, 15 quilómetros por hora. E mesmo assim, graças às bonitas gravilhas islandesas, até parece que estamos a participar numa prova de todo-o-terreno...

segunda-feira, setembro 22, 2008

Hoje vi-me frente a frente com a solidão. A solidão a jorrar dos olhos vazios de alguém que se sente perdida como poucas pessoas. Alguém que num ápice parece ter descido ao mais profundo inferno emocional que se possa imaginar. Alguém que se sente só, abandonada, desprezada, escorraçada de uma vida que julgava que iria durar para sempre. Alguém que precisa desesperadamente de algo ou alguém que preencha aquele buraco que surgiu no lugar onde o seu coração existia. Alguém que estendeu, por breves instantes, os braços na minha direcção, na esperança de que eu a pudesse compreender, ajudar, enfim, torná-la menos só. E eu o que fiz? Exceptuando algumas palavras de circunstância? Fugi. Virei-lhe as costas. Educadamente, é certo, mas deixei-a isolada no seu mundo destroçado. E porquê? Porque ao olhar aqueles olhos tristes, sem expressão e sem brilho, pareceu-me ver um espelho. Um espelho do que pode ser o meu futuro, se persistir em ser teimoso e não abdicar de mim próprio. Sim, é isso mesmo. Se não me abandonar à mercê das outras pessoas e me deixar levar pela marés que por vezes evito, é aquilo mesmo que me espera, nos olhos daquela pessoa a quem virei as costas naquele corredor. E não sei se estou preparado para enfrentá-la, a silenciosa solidão que nos cerca e nos estrangula lenta e terminalmente. Na verdade, apenas tive consciência do medo um par de horas mais tarde, quando a voltei de novo a ver, à deriva no jardim, alheada ao resto do mundo que pouca se importa com o destino dela. Não consegui fazer outra coisa que não fechar os olhos, imaginar que nada daquilo se tinha passado, que eu não tinha nada a ver com aquela pessoa, que a solidão nunca me irá atormentar daquela forma. Não, tudo não passou de um sonho amargo.

Ainda hoje não sei se foi realidade ou não. E sinto receio por haver essa dúvida.

terça-feira, setembro 16, 2008

Como Eu Não Possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...

Castrado d'alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
- Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...

Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos d'harmonia e cor!...

Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim - ó ânsia! - eu a teria...

Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo d'êxtases dourados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...

De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.

Mário de Sá-Carneiro

segunda-feira, setembro 01, 2008

terça-feira, agosto 26, 2008

Separação

Caminhos cruzados. Ou serão perpendiculares?
Quantas vezes passam pela nossa caminhada temporal outras vidas? Vidas que amamos, odiamos, toleramos, vidas que se entrelaçam com a nossa própria existência. Lugar comum, é certo, mas também o é o facto de sermos animais eminentemente sociais. Uns mais solitários, outros com mais de si para dar a mais e mais pessoas. Linha transversal, neste mundo cada vez mais global e cada vez mais pequenino, a nossa vida toca outras e vice-versa. E a forma como essas vidas vão evoluindo ao longo dos anos é algo que permanentemente me surpreende. Normalmente e sobretudo se olhar alguns momentos para o passado e observar com atenção aquilo que aconteceu, o que podia ter acontecido e aquilo que, passado mais de dez anos, realmente sucedeu. Nem me passava pela cabeça muitas das coisas que realmente aconteceram nesta última década. Às vezes sinto mesmo que tudo não passou de um sonho ou, nalguns momentos, de um pesadelo. A velocidade do tempo não se compadeceu comigo, os momentos que deviam ter durado para sempre passaram com a brevidade de alguns segundos, e os momentos que nunca deviam ter acontecido ainda me fazem ficar melancólico como se não passasse de um cliché literário. Tenho de admitir que, mesmo apesar de todas estas palavras, não sou assim tão dado a olhar para trás ou pegar em fotografias de outros tempos. Ocasionalmente faço-o, normalmente porque uma dessas vidas perpendiculares decide reavivar a sua presença nos meus dias, seja isso algo de bom ou de mau. Poucas vezes o será de formas tão bruscas como ultimamente, com o turbilhão de emoções que isso poderá significar. Deixo-me ir na corrente, sem me deixar ir até ao fundo, ao leito do passado, que nem sempre traz boas recordações. Nada a fazer. Simplesmente não reviver o passado e apenas ser fiel a mim próprio. Por mais que isso custe. Por mais que isso nos possa deixar assim, a escrever e a escrever, em circulos e mais circulos.




quarta-feira, agosto 20, 2008

Islandices... (V)


Arranjo mural, Reykjavik.

Na terra de gelo - dia 3


Deixamos o inferno (Hella) para trás e dirigimo-nos ao mundo encantado dos glaciares. Pelo meio ainda somos brindados com uma bonita cascata mesmo à beira-mar. Vale a pena, pois somos refrescados pela água enquanto seguimos o caminho que passa quase pelo meio da cascata. Muitas fotografias e muitos sorrisos.



Seguimos viagem. Depois de uma estrada brutalmente gravilhenta através de muito terreno de lava petrificada, conseguimos chegar ao glaciar Sólheimajökull e de repente somos relembrados que estamos, de facto, num país nórdico e enquanto andamos em cima do glaciar sentimo-nos verdadeiramente pequeninos. Escalamos ainda um grande bocado, mesmo que caminhar sobre o gelo seja algo de muito estranho, quase parecendo que estamos a caminhar sobre cornflakes e que a qualquer momento podemos ficar sem o chão sob os nossos pés. O sol brilha, o suor corre pela minha testa mas continuo a ficar maravilhado com tudo o que vejo nesta terra.




Tentamos depois chegar ao promontório de Laki, que promete vistas estrondosas sobre os vários glaciares mas o caminho é algo de completamente surreal em termos de condução e o "nosso" C-Max não foi feito para estas andanças. Desistimos, almoçamos no caminho e partimos em direcção ao lago de icebergues onde o James Bond andou a estoirar uma série de Aston Martins.




No caminho, e ao longo de uma enorme recta de estrada que não deve ter menos de 20 quilómetros, tiramos fotos atrás de fotos daquilo que parece ser a maior concentração de glaciares do planeta. E de repente, após passarmos uma curva especialmente apertada, deixamos a boca cair e ficamos embasbacados a olhar para um cena que parece saída da idade do gelo. Icebergues, muitos icebergues, a flutuarem, enormes e pequenos. Uma imagem lindíssima que ainda se torna mais incrível quando vemos algumas focas a aparecerem no meio da água, curiosas e ao mesmo tempo a fugirem de nós, esses estranhos seres que caminham em apenas duas patas.



Não satisfeitos em ver os icebergues da margem, decidimos fazer um tour de barco com rodas, ou seja, vamos de anfíbio. Para resistir melhor ao frio do lago, nada melhor que uma caneca de chocolate quente... com rum. Uma delícia, os islandeses tratam-se e tratam-nos muito bem. Durante a meia hora de anfíbio, ainda somos presenteados com um bocadinho de gelo com cerca de 1.500 anos de idade. Sabe a gelo, a única diferença é que é mais cristalino e muito transparente. Acabamos a jantar numa vila piscatória onde comemos peixinho estupidamente caro, como aliás quase tudo o que se relaciona com comer e beber na Islândia.



Adiante, seguimos para Egilsstaðir, para pernoitar. Até lá, a estrada ainda nos leva por montes e vales de aspecto grandioso, mas o nevoeiro faz com que o mesmo se torne quase um caminho fantasmagórico, algo saído do universo da Terra Média, do Tolkien. Subimos e subimos até que já não há mais nada para subir. Começamos a descer a encosta em direcção ao nosso destino e, surgindo por trás de todas as nuvens, um enorme e brilhante sol brindamos com a sua luz intensa (neste momento, já passa das dez da "noite"). Ficamos hospedados nas margens do lago Lagarfljót num pequeno casebre de madeira que mais parece ter sido importado da Suissa. O sono acaba por nos vencer irremediavelmente.


Requiem

É dificil acordar assim.
Acordar com a noticia de que uma peça tão importante da nossa infância desapareceu para sempre. De que a partir de agora acabaram-se os encontros casuais no meio da rua ou as visitas sempre recheadas de memórias lá em casa. Que as muitas fotografias onde aparecemos juntos ganham um novo e triste significado, pois passam a ser a imagem mais nítida dela, assim como todas as recordações guardadas no meu disco rígido interno. E acho que posso dizer, sem falsos moralismos, que parte da minha personalidade actual e passada também foi moldada por ela, umas vezes com disciplina, outras com carinho, sempre e sempre com amizade genuína, desinteressada. Sei que sempre quis o melhor para mim, como aliás mo disse há duas semanas atrás, na última vez que nos abraçámos. E eu também queria o melhor para ela, mesmo sabendo que a sua aura de felicidade já não era a mesma de há uns anos para cá. E mesmo sabendo que partiu deste mundo com a serenidade que merecia, a tristeza da solidão sobrepõe-se a isso e rasga o meu coração a meio quando penso nela, já com uma imensa saudade.
Obrigado por tudo, minha querida professora.
Obrigado por tudo, minha querida amiga.

sexta-feira, agosto 15, 2008

Dogma

nome masculino

1. RELIGIÃO doutrina proclamada como fundamental e incontestável

2.

FILOSOFIA ponto fundamental de doutrina
3. opinião imposta pela autoridade e aceite sem crítica nem exame

4. proposição apresentada como irrefutável

(Do gr. dógma, -atos, «decisão; decreto», pelo lat. dogma-, «dogma»)

(Via Infopédia)