segunda-feira, março 08, 2010
Já há muito tempo que não entrava no aeroporto. Já há muito tempo que não mergulhava naquela confusão de pessoas, malas, barulho. Não que as coisas tivessem mudado alguma coisa. Continuavam as filas de pessoas para o check-in. Continuavam as vistorias estranhas dos seguranças às malas e aos sapatos das pessoas. Já não faltaria muito para termos máquinas de raios x tão poderosas que nos despiriam até ao osso. E eram todas essas coisas que faziam com que cada vez mais detestasse andar de avião. Já não tinha paciência para aturar todo aquele circo, toda aquela desmontagem do que é ser um simples humano ou do que é que são os seus direitos. Felizmente a minha carreira profissional tinha tomado um rumo que me permitiu ir reduzindo as viagens aéreas ao mínimo e hoje em dia só mesmo por extrema necessidade é que me ausentava do país. Já ela estava no sentido contrário. Cada vez mais viagens, cada vez mais períodos fora do país, fora da nossa casa, fora das nossas vidas. Nos últimos tempos, tenho a sensação que conversámos mais vezes pelo telefone do que cara-a-cara. Aliás, ela passava horas e horas ao telemóvel. Agora estava precisamente a fazer isso. De um lado para o outro, inquieta, a falar incessantemente para o aparelho. Habitualmente não a costumava acompanhar até ao aeroporto, mas como estou em casa por estes dias aproveitei para a trazer até ali. Acho que o fiz por uma necessidade de aproveitar todos os minutos que ela está cá. Não que tenhamos falado muito no caminho. Ainda tentei puxar conversa, mas apenas consegui arrancar uma ou duas frases dela. “Estou nervosa. Este projecto é tão complicado e vai envolver tantas reuniões que nem sei bem por onde começar.” “Dizes sempre isso antes de começar todos os projectos e depois tudo acaba por correr pelo melhor. Se não te conhecesse diria que és insegura.” “Eu sei, eu sei. Mas a pressão ultimamente tem sido maior do que nunca. Os números assim o obrigam. E parece que até ao fim do ano irá haver mais dispensas.” “Despedimentos? Pensei que já tinham reestruturado tudo o que havia para reestruturar.” “Parece que não. Tudo aponta para que a estabilização só chegue no ano que vem.” “Com tanto tempo que passas fora, quase tenho vontade que também sejas dispensada.” “O quê? Não estás a falar a sério, pois não?” “Claro que não. Sabes perfeitamente que quero apenas o teu bem. Mas gostava de te ver mais tempo em casa, junto de mim. Não te sentes cansada de estar sempre fora?” “Claro... Mas daqui a uns tempos, haverá oportunidade para isso. Para recuperarmos todo o tempo que agora não temos. E se te custa a ti, a mim ainda mais. Mas por agora tem de ser...” Fiquei calado atrás do volante. Não quis que nos despedíssemos chateados. Já não havia nada de novo nas nossas palavras. Eu sabia isso, e ela também sentia isso. E no entanto, enquanto aguardava que ela acabasse aquele telefonema, a minha vontade era sair com ela dali. Ficar com ela. Só isso. Sentia saudades dos primeiros anos de casamento, quando estávamos sempre juntos, sem separações nem ausências. Mesmo quando o nosso filho nasceu, parecia que estávamos mais apaixonados do que nunca. O mundo estava lá fora, mas o nosso mundo eramos nós os três. Tinha tantas memórias felizes com ela. E agora sentia que há algum tempo que não criávamos para nós mais dessas memórias felizes. E não sabia muito bem como viver com isso. Não sabia como reagir, como dizer-lhe tudo aquilo que me passava pela mente, pois também não queria ela abandonasse tudo o que tinha construído para a sua carreira. Por isso sentia-me dividido ao meio e em cada confrontação que tinha com ela, acabava por me conter, por não deixar que tudo saltasse cá para fora. O telefonema tinha terminado. Ela veio ao meu encontro e eu passei-lhe o trolley. “Desculpa. Estiveram a dar-me instruções de última hora. É sempre a mesma coisa.” “Não faz mal. Ainda tens tempo para um café?” “Acho que não. Ainda tenho de passar pela segurança e já sabes como eles atrasam as coisas...” “Bom, então boa viagem.” “Obrigado. Ligo-te quando chegar. Vais estar por casa?” “Sim, é o mais provável.” “Espero que as duas semanas passem a correr.” “Eu também.” “Amo-te.” “Eu também te amo.” Beijamo-nos e eu seguro-a nos meus braços. Tão depressa a estou a beijar como a seguir ela já está nas escadas rolantes a dizer-me adeus. Apercebo-me que ela vais mesmo fazer-me falta. Que precisava que ela estivesse comigo e não no ar, a milhares de quilómetros do chão que podíamos estar a caminhar, juntos.
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