A recepcionista cruza o seu olhar com o nosso. Um mero segundo de uma empatia que na realidade nada tem de sincero. Até porque ela já conhece o fim do guião. Já sabe muito bem se o tempo de espera vai parecer uma eternidade ou não. Ela sabe seguramente tudo o que se passa nos gabinetes por trás de si. Com um bocadinho de pessimismo até se consegue vislumbrar um esgar de sadismo por cima dos seus óculos de design imperfeito. Como que a regozijar-se da minha condenação à permanência naquela sala de espera. Os olhares já se cruzaram há muito, mas o arrepio na espinha ficou.
Olhamos para a única janela na sala. Vemos os carros a passarem, ininterruptamente, em marcha apressada para outros sítios. Com o avançado da hora é mais que certo que quase todos se devem estar a dirigir para casa. Sem nada que os prenda nem salas de espera de paredes brancas no seu presente. Talvez se houvesse mais alguém ali, alguém com quem dividir a angústia, talvez aí o sentimento de solidão e/ou impotência (o que acharem mais claustrofóbico), talvez esse sentimento não fosse tão intenso, tão tsunâmico a invadir todos os recantos da alma.
A partir de certa altura, já não se sabe para onde mais olhar. Fica-se com o olhar perdido, entre a biqueira dos sapatos, os poros das costas das mãos, os ponteiros inertes do relógio de pulso, os ponteiros inertes do relógio de parede, único objecto que se atreve a perturbar o branco das paredes. O tempo não conhece salas de espera. Recusa-se aliás a entrar nas mesmas. Uma fobia antiga, certamente, vinda de tempos imemoriais em que as salas de espera tinham um aspecto ainda mais massacrante do que esta.
A ânsia de que algo aconteça começa a pregar-nos partidas, quais miragens em que se pensa ouvir uma porta a abrir, ou uma voz a chamar pelo nosso nome. De tal forma que após horas e mais horas quando realmente a recepcionista chama por nós, pensamos que não pode ser verdade, que mais uma vez nos encontramos no deserto e que nada naquele som é real. E assim só se reage à terceira vez que o nosso nome é pronunciado. Levantamo-nos e vamos até à secretária. E a senhora olha-nos nos olhos e dita a sentença.
«Lamento imenso, mas o senhor doutor hoje já não o consegue atender. Quer marcar nova reunião para a semana que vem ou aceita desde já esta arma branca para cortar os pulsos?»
Com um sentimento de alívio e sem mais esperar, tiro-lhe a arma das mãos...
(Fevereiro de 2010)
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