domingo, fevereiro 28, 2010

Tinha acabado de me vestir. Era domingo de manhã e apenas eu andava a pé pela casa. Tinha combinado tomar o pequeno-almoço com a minha melhor amiga. Tinha pensado que podia assim, de uma forma muito pequena é certo, agradecer-lhe por todo o apoio que me tinha dado nos dias após a morte da minha mãe. Na ausência da minha esposa, que estava fora do país na altura, tinha sido ela a ajudar-me a recuperar do período mais negro da minha vida. Nunca lhe poderia agradecer o suficiente, mas sabia que ela também não queria isso, a nossa amizade tinha já demasiados anos para fazermos a contabilização de momentos como esses. De qualquer maneira, era sempre bom ter a companhia dela numa manhã que normalmente era passada apenas na cama, ali em casa. Calcei-me. Abri a porta do quarto do meu filho. Dir-se-ia que um tornado tinha passado por aquela cama, tal era a confusão de braços, pernas, cobertores e lençois. Mas ele continuava a dormir calmamente, como se nada se tivesse passado. Temia que ele tivesse herdado as minhas noites de sono, quase sempre inquietas. E ainda para mais depois da última noite. Tinha procurado afastar esses pensamentos da minha mente depois de ter acordado mas agora, enquanto compunha os lençois e cobertores do meu filho, tudo voltava a ser tão nítido como no pesadelo que tinha tido. Já não era a primeira vez que pesadelos de morte e desespero me assombravam no seio da noite, não me lembrava da última noite em que tinha tido uma noite de sono sem desassossegos. Talvez há muitos meses atrás. Mas nunca como naquela última noite tinha sentido todas aquelas sensações de forma tão real. Todo o pesadelo se tinha passado em ambientes sombrios, em locais onde as sombras tomavam conta de tudo. Lembrava-me de estar no cemitério, na campa da minha mãe. E apesar de parecer estar ali, vivo, a sensação que me atravessou durante toda a situação era que eu também já não pertencia àquele mundo, que eu também já tinha morrido e apenas uma espécie de resquício do que alguma vez tinha sido vagueava por ali, perdido na escuridão. Senti-me depois transportado para uma linha de comboio, estava de pé ao lado dos carris. Havia nevoeiro denso e por isso não reparei imediatamente na figura da mulher que corria na minha direcção, no meio da linha. E quando finalmente me apercebi dela, era tarde demais. Tarde demais para me aperceber que era a minha esposa. Tarde demais para me aperceber das luzes da locomotiva que surgia atrás dela. Acordei quase de imediato, ofegante, com o coração a bater desenfreadamente. Tudo tinha parecido tão real que nem queria acreditar que estava mesmo na minha cama, no meu quarto, na minha casa. Não voltei a adormecer, nem queria. Depois de tapar bem o meu filho, beijei-o na testa e voltei a encostar a porta do quarto. A recordação do pesadelo tinha-me deixado inquieto. Voltei para trás e entrei de novo no meu quarto. Na cama, por baixo dos lençois, a silhueta da minha mulher continuava também a dormir tranquilamente. Senti a minha pulsação a baixar, quando nem sequer me tinha apercebido que a mesma tinha voltado a acelerar enquanto voltei a reviver aqueles momentos terríveis de um pesadelo que esperava não voltar a ter. Com receio de a acordar com os meus passos, encostei a porta do quarto e saí de casa.



2 comentários:

calamity disse...

:) faço uma pausa nos trabalhos (não são os de Hércules, porque sou pequena e daqui não vão nascer constelações ;)...)

Vim aqui ler-te e desejar-te boa noite, meu Amigo.
É bom saber-te aí, onde quer que estejas.
E vai-te preparando para jantarada, mas desta é das confusas e barulhentas!!!!

(acho que mercemos e precisamos ;)

Nuno Guronsan disse...

Claro que sim, minha querida. Tudo o que te ajude a ultrapassar estados de palidez ou invisibilidade.

E sim, mereces tudo.

Beijos.