sexta-feira, fevereiro 05, 2010

Arrumações

Devia ser proibido ler cartas antigas.
Por vezes acabamos por esquecer parte daquilo que outrém nos escreveu há anos e anos atrás. As coisas boas, as coisas menos boas, as coisas que já são passado, as coisas que continuam a acontecer no presente. Custa ler as palavras de pessoas que foram seguindo outros caminhos, longe dos nossos. Custa ler as palavras de pessoas que continuam a fazer parte da nossa vida, mas de forma diferente, muito diferente daquilo que eram e daquilo que nos fizeram sermos tão próximos. Custa ler as palavras que lemos no passado, num sítio longínquo, onde apenas podíamos imaginar o sorriso da pessoa que nos escrevia, onde sentíamos as lágrimas a aparecerem quando pensávamos na lágrima que corria na face de alguém que estava longe. Ficamos felizes por lermos palavras que são tão válidas hoje como o eram há dez anos atrás. Sentímo-nos impotentes por lermos palavras de quem nos amou e que depois nos deixou, palavras desamparadas, palavras paradas no tempo que impacientemente correu até nos deixar num presente onde estas palavras parecem punhais. As cartas trazem consigo as imagens do passado, aquelas imagens que não podem ser fotografadas, que caminham pelas ruas perdidas da nossa memória. Mas elas trazem também consigo o contraste do presente, a ausência que nos percorre quando algumas palavras são tão duras de ler. E mesmo assim, recusamo-nos a lançar essas cartas na fogueira do esquecimento, pois mesmo sendo trespassados por esses punhais feitos de tinta escrita à mão, é importante que fiquem por ali, arrumadas numa gaveta, a lembrarem-nos que já fomos felizes, já chorámos, já fomos amados, já fomos inocentes e tudo aquilo ainda somos nós e elas, as pessoas cujo eco das palavras continua a ressoar dentro da nossa alma.
Devia ser proibido ler cartas antigas.

Ou, faz parte da tua vida.
:)

2 comentários:

Miss Kin disse...

Vou-te confessar uma coisa, tenho uma única carta de amor, que nem era bem amor, era mais um, "eu gosto de ti é pena é que tu não gostares de mim"... Tenho pena porque já escrevi muitas.

Nuno Guronsan disse...

Como é que dizia o outro? Todas as cartas de amor são ridículas...

Talvez, mas os sentimentos que pomos/recebemos nessas cartas são tudo menos ridículos... Para o bem e para o mal...

Beijos.