quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Acordei sem saber muito bem onde estava. Quase sem querer lá fui abrindo os olhos e lentamente reconhecendo o meu próprio quarto. Tinha adormecido vestida. O cansaço da noite anterior tinha-me vencido antes de eu sequer ter pensado em despir-me. Levantei-me e, acto contínuo, senti a minha cabeça ser atingida por milhentas armas de destruição maciça. Segurei-a com as mãos, na esperança de acalmar as dores que apertavam o meu crânio. Em vão. Abri a persiana e o sol decidiu também atacar-me. Tapei os olhos com os meus cabelos despenteados, com a angústia de que todo e qualquer movimento me deixava à beira de um colapso nervoso. Já não tenho idade para ressacas. Abri a janela e acendi um cigarro. Senti o sabor acre da nicotina matinal percorrer a minha garganta, raspar nas paredes da laringe, o fumo a atingir os brônquios, e senti-me ligeiramente aconchegada pelo cigarro e pelo sol que me feria os olhos. Enquanto sentia na cara o ar frio que vinha lá de fora, ia olhando para os prédios que ocupavam toda a paisagem à minha volta. Prédios e mais prédios, um nunca acabar de caixotes que serviam de morada a pessoas que nunca mais acabavam. Ao longe, entre dois dos prédios mais altos, ainda conseguia ver um bocadinho de mar. O azul do mar a beijar, no horizonte, o azul do céu, enquadrado por "bonitas" molduras de cimento e tijolo em versão arquitectura ultra-pós-moderna. Puxei mais uma vez pelo cigarro, enquanto o via arder quase em câmara lenta, deixando atrás de si um mundo de cinzas. Começava a acordar, realmente acordar. Não sabia que horas eram mas seria inevitavelmente tarde. O telemóvel piscava. Quatro mensagens por ler. Duas delas eram das amigas que tinham atravessado a noite comigo. Perguntavam se estava tudo bem comigo, se tinha chegado como deve de ser a casa. Pelos vistos tinha mesmo bebido demasiado e não tinha sido uma boa ideia pegar no carro. Quando bebia, tinha mesmo tendência para me tornar irresponsável. Acendi outro cigarro. Outra das mensagens era do meu irmão. A perguntar se me tinha esquecido do almoço em casa dele. Merda. Olhei para o relógio, já passava e muito da hora que tínhamos combinado. Ia ter de ouvir mais um dos seus sermões, mais um fluxo perpétuo de conselhos do meu irmão mais velho. Ficava sempre admirada com a paciência que tinha para ele, devia ser sinal que gostava genuinamente dele. Tínhamos tido tantas discussões ao longo da minha vida, que agora parecia realmente bizarro ele ser o meu melhor amigo. Mais uma mensagem. Era dele. Apaguei o cigarro e senti a cabeça mais leve. Que parvoíce, como se aquilo fosse suficiente para a ressaca me passar. “Olá. Tudo bem? Gostava de falar contigo. Queres combinar um café? Bjs.” Já não o vejo há alguns dias. Tenho medo. Não sei como ele está, se ainda em luto, ou se já estará a tentar ultrapassar tudo. Parva. Não é por causa disso que tens medo de o ver. Tens medo de o ver porque o amas. Sempre o amaste e sempre fizeste por não querer sentir isso. E agora que sabes isso com toda a maior certeza que alguma vez tiveste, já percebeste, já percebeste o porquê de ontem te teres afundado na bebida? Já percebes o porquê de teres rumado de bar em bar, em busca de uma fuga de algo que não consegues parar de sentir? Já percebeste? Sim, já percebi, já chega, já podes parar. Sentei-me na cama. Peguei no telemóvel e procurei o número dele, enquanto me esticava para pegar no maço de tabaco.



2 comentários:

calamity disse...

O sentir não se para, de facto.
Mas gasta-se, como as palavras. Tem tempo e o seu tempo, cresce, vive e sobrevive, se for o caso. Ou não.
É vivo. Por isso pode morrer, e até, como ouvi a um amigo, de morte súbita :)

Nuno Guronsan disse...

Sim. É mesmo isso.
Nada a acrescentar.

Beijos.