quinta-feira, março 19, 2015

O Anjo Esmeralda

    "E o que é que recordamos, no fim de contas, quando
toda a gente voltou para casa e a centelha da devoção e da
esperança se apagou nas ruas varridas pelo vento ribeiri-
nho? A recordação é escassa e amarga e envergonha-nos
com a sua falsidade intrínseca - toda feita de subtis cam-
biantes, mera silhueta saudosa? Ou o poder da transcendên-
cia perdura, a perceção de um acontecimento que viola as
forças naturais, uma coisa sagrada que pulsa no horizonte
abrasado, a visão que desejamos ardentemente porque pre-
cisamos de um sinal que erga contra as nossas dúvidas?"

Don DeLillo



 (raios parta este gajo, de tão bem que escreve. quem me dera um bocadinho que fosse.)




domingo, março 15, 2015

Life is a second of love


Com os sapatos vermelhos, ela apareceu, cantou, tocou, encantou e mostrou que não é preciso haver grandes artifícios para se ser um talento bem importante na nossa música. Foi muito bom ouvir as músicas antigas mas melhor ainda foi ouvir as novas e comoventes músicas novas. E aquela versão da Joni Mitchell foi qualquer coisa de sublime... Foi óptimo sair de casa e ir ao encontro da Rita, aplaudi-la como se a sala estivesse realmente cheia. Sinais do tempos que correm, como ela própria lembrou muito ao de leve. Bem haja, menina dos sapatos vermelhos, mesmo com um salto partido.


terça-feira, março 03, 2015

M

“Porque tinha sal em minhas pestanas, porque existe um salmão dourado onde o amor sempre dança, porque a ideia de ir até o mar de metrô era a oração que nos fazia ficar acordados até de manhã, porque há um osso se estilhaçando constantemente dentro das paredes mestras e nós já sabíamos isso, porque a paixão não é de todo a coisa mais importante mas é sim o canudinho através do qual dá para ver que o mundo é muito feito de construções de papel — celulose que vem da árvore e que depois se transforma em lista telefônica de onde alguém arranca a página e logo transforma em veleiros e montanhas. Talvez porque na porta do restaurante habitual alguém toca clarinete ao sol, porque até as ruínas podemos amar nesta cidade, porque eu tenho um olho em você e você um dedo em mim (...)”

Matilde Campilho

 

segunda-feira, março 02, 2015

Da música. Das palavras. Do amor.

Já passaram quase três anos. Quase três anos que o Bernardo se "juntou às estrelas", como diz o Carlos Martins. Quase três anos que este pequeno país ficou musicalmente, humanamente mais pobre, mais cinzento, com menos luz no meio de nós. Valha-nos a memória, os discos, a presença em ondas sonoras de quem nos faz muita, muita falta.



E valha-nos também o novo disco de Carlos Martins. Uma homenagem bonita, sincera, despida de outros conceitos que não seja celebrar a vida, a música, o homem que Bernardo foi e ainda é nos corações de quem não se cansava de o ver, curvado sobre o piano, intensamente tocando e tirando notas de porcelana daquelas teclas que os seus dedos percorriam sem se cansarem. Valha-nos a música. Valha-nos as palavras que o próprio Carlos escreveu para este disco, que nos deixam com os olhos turvos, à beira das lágrimas, mas ainda assim com um leve sorriso, um sorriso por haver amizades assim, eternas e feitas de muito amor.



A primeira música deste disco, Caminho da Manhã, cujo título se inspira num texto lindíssimo, uma oração de Sophia, estava a ser escrito quando na noite de 10 de Maio de 2012 o Zé Pedro me ligou a perguntar se tinha estado ou sabia onde estava o Bernardo Sassetti. Menos de uma semana antes tínhamos almoçado, eu e o Bernardo, e tínhamos combinado fazer um CD “espiritual” cheio de silêncios e contemplação, e eu sabendo da sua capacidade de produção tinha resolvido começar nesse dia. Depois desse telefonema ainda consegui rever alguns acordes que me soavam já distantes mas não consegui trabalhar mais. Aquela ausência já estava dentro de mim, tal como a esperança de que nada de mal tivesse acontecido, e na verdade já tudo tinha acontecido. Essa ausência, gosto do nome em inglês, Absence, haveria afinal de se confirmar e de se tornar no golpe mais fundo na minha alma depois da morte dos meus pais. Durou até agora o silêncio que me alagou o espírito e a vida. Este disco é uma libertação e uma dedicatória de amor ao Bernardo e ao seu inspirador talento como homem e artista: Absence são as minhas saudades tuas e o cumprir da promessa de gravarmos algo que poderia ter uma forma assim de silêncio e contemplação. E por ironia do destino entras ainda a tocar neste disco e fazes no fim da última faixa, com a divina graça que te sorria, uma referência às “estrelas” onde agora habitas. No resto das canções eu, o Alexandre, o Carlos e o Mário ainda te ouvimos enquanto fazíamos os arranjos ou gravávamos em estúdio. De resto oiço-te quase todos os dias…quer se trate de “um assunto muito sério” ou a dizer: “Tá Boa”!





Há quantos dias estamos aqui? Quantos dias nos restam?



"Mostly I write, tapping and scratching away, day and night sometimes. But if I ever stop for long enough
to question what I'm actually doing, the why of it, well, I couldn't really tell you. I don't know. It's a world I'm creating... ...a world full of monsters and heroes, good guys and bad guys. It's an absurd, crazy, violent world... where people rage away and God actually exists. And the more I write, the more detailed and elaborate the world becomes and all the characters that live and die or just fade away, they're just crooked versions of myself. Anyway, for me, it all begins in here in the most tiniest of ways."