sexta-feira, janeiro 15, 2016

Campanha

Descer a rua, sem pressas, sem chuva. Constatar que nos últimos quinze dias não houve lojas a fecharem, o que é um bom sinal. Cumprimentar um nativo aqui, cumprimentar um nativo acolá. Constatar que, mesmo depois de uma semana e meia de chuva, nuvens escuras e frio, a boa disposição desta gente continua a não ter igual. Virar a esquina e sentar-me no local do costume. Abrir a leitura, beber um líquido que aqueça as entranhas, ouvir a excelente banda sonora do costume, com os sorrisos femininos que aquecem um coração solitário. Ouvir, sem querer, conversas alheias que se podiam passar em qualquer ponto deste país. Ver o Sol a cair por trás da Serra da Penha, como tantas outras vezes antes do dia de hoje. Voltar à rua e descê-la mais um pouco. Beber um café além, apenas para meter cinco minutos de conversa com aquele senhor simpático que, ainda por cima, tem um gosto musical impecável. O sítio está diferente, com muita pena minha, mais parecido com um normal café, muito menos parecido com aquele paraíso passado, de doces pecaminosos, tisanas reconfortantes e outras bebidas mais adultas. Enfim, é o preço do presente, extraordinaria e infelizmente formatado e sem espaço para os originais. Um até outro dia, um passou-bem, e de volta ao exterior. Não poder deixar de entrar na livraria e ficar mais uma e outra vez maravilhado com as estantes, com o cheiro dos livros, com toda a profusão de palavras espalhadas por milhões e milhões de páginas. Hoje há inventário, não há tempo para conversas, é pena. Eu também estou meio distraído, nada compro, o que não é necessariamente mau, tendo em conta a mesa de cabeceira lá de casa. Deixo-os a contar livros e mais livros, sei bem o que isso custa. Estou quase no fundo da rua, a desembocar no largo das lojas do chinês, uma ao lado da outra e ao lado de mais uma. Até me admira que ainda não haja resmas de fatos de carnaval à venda, e outras coisas que tais. Ao menos já retiraram as decorações de natal, stock guardado no armazém que isto agora é um tirinho até estarmos em novembro novamente. Os velhotes devem rir-se imenso a ver estas movimentações consumistas, sentados lado a lado nos seus bancos cobertos de um plátano que não tem fim, ainda que com canadianas. Mas há uma movimentação anormal hoje. Mais pessoas do que é costume. Mais câmaras de televisão do que é costume. Há por ali um candidato presidencial. Ou melhor, o candidato presidencial. Parece que já passou por todo o lado da cidade, já cumprimentou meio mundo, já beijou não sei quantos bebés, já abraçou todos os residentes da santa casa da misericórdia, já deixou mais uns soundbytes para todos os telejornais de logo à noite. Vem na minha direcção, parece que quer cumprimentar mais alguém antes de se ir embora e nunca mais cá voltar. Estende a mão. Dou-lhe um soco em cheio na face esquerda, deixando-o por terra perante o olhar atónito de todos os seus apoiantes. Afinal, o dia de folga acabou por correr muito melhor do que eu estava à espera.


2 comentários:

PenaBranca disse...

eu não vi isto nas notícias do dia.

Nuno Guronsan disse...

Eu sei. Eu sou muito discreto... :)