Invariavelmente, num dia como o de hoje, é impossível não pensar em algo que não seja a mortalidade das coisas. Como, de uma maneira ou de outra, tudo o que nos rodeia seja finito, tenha os dias contados. Pode demorar uns minutos, alguns dias, muitos anos, décadas, mesmo séculos, mas nada impede o avançar do tempo e o aproximar do fim inevitável. E é este o pensamento que me atravessa quando recebo uma notícia tão triste como a de hoje. Por muito que tente afastá-lo da minha mente, tal qual um parasita que se instala, todas as imagens, todas as sinápses vão dar ao mesmo. Tento distrair-me, ler um livro, ouvir música, sair para a rua e caminhar sem destino, mas a minha alma continua a ser invadida por imagens agora agridoces, perdidas no tempo e com todo um novo significado. Recordações de quando nos conhecemos, da alegria da nossa amizade, dos momentos bons que passámos e que ficaram registados em fotografias de papel mate, dos momentos menos bons que passámos, das pessoas que amámos e que nos deixaram, das pessoas que continuamos a amar e que vimos quase à beira do abismo, de como ainda nos mantínhamos em contacto mesmo se a vida decidiu afastar-nos um pouco nesta grande bola azul a que chamamos Terra. Todas essas recordações regressam agora aos meus olhos, que ficam turvos perante a forma como tudo acabou. A morte é algo que já não me assusta, já passei por muita coisa, muita dor, muita tristeza, mas há um sentimento de aceitação que agora existe em mim, o tal fim anunciado ao qual nenhum de nós consegue fugir. Isso está há muito cá dentro. Agora, a forma como tal acontece e o momento, isso sim continua a deixar-me perdido, abandonado no meio de um terrível labirinto que teima em manter-me fechado claustrofobicamente. E é assim que hoje que me sinto, com dificuldade em respirar, com dificuldade em ver a luz, mesmo com o sol a brilhar intensamente, com muita dificuldade em compreender a razão que possa haver por trás de semelhante tragédia. Gostava de tentar perceber mais o ser humano e a sua consciência. Gostava de perceber os seus meandros, os seus cantos mais escuros. Gostava de tentar arranjar algum sentido para aquilo que aqui andamos a fazer. Se realmente valeu a pena a evolução fantástica do ser humano. Se pode haver algo que equilibre os sentimentos de dor, de angústia, de ausência, de tristeza. Se a memória vai realmente perdurar, ou se daqui a um ano a nossa mente já virou a esquina, e são poucas ou nenhumas as gavetas que dispensou para aquilo que sinto hoje. Gostava tanto de saber tudo isto e muito mais. Mas também sei que trocava todos estes desejos de bom grado, se isso significasse não ter recebido aquele telefonema, se isso significasse que ainda estavas aqui, connosco, junto das pessoas que te amavam e que te queriam tanto bem. Se ao menos a vida fosse regida por estes sentimentos, poderia ser que, ao menos por um breve instante, a vida fosse realmente iluminada, assim como tu a iluminaste para quem te conheceu. Que a tua alma esteja feliz. Que a tua alma seja o raio de sol que entra neste preciso momento pela janela, enquanto escrevo estas palavras e algumas lágrimas correm pela minha face.