terça-feira, fevereiro 17, 2015

Eu sou gengibre

"Toda a paixão é um ataque ao sistema imunitário. Se
precisamos dela para viver, mais precisamos que ela
acalme, ou seja, acabe, para continuarmos vivos. A ami-
zade é o contrário, um estoque ilimitado de gengibre."

Alexandra Lucas Coelho


 

domingo, fevereiro 15, 2015

A luz entra na nossa escuridão, sem pedir licença



"This great evil, where's it come from? How'd it steal into the world? What seed, what root did it grow from? Who's doing this? Who's killing us, robbing us of life and light, mocking us with the sight of what we might've known? Does our ruin benefit the earth, does it help the grass to grow, the sun to shine? Is this darkness in you, too? Have you passed through this night?"


sexta-feira, fevereiro 13, 2015

Como o ar que respiramos

"O que importa é que as palavras, em contexto ficcional,
nunca são neutras. São ultravibráteis. Ao menos movimento,
ressoam. São caprichosas, sensíveis a cada minuto que passa,
a cada relance de luz. Não é indiferente lê-las numa página
amarelada, numa página de brancura rasa, ao alto da folha,
em baixo. A própria grafia implica uma ligeira alteração de
tom. As palavras são volúveis. Vêm de contrabando, estabele-
cem-se, envelhecem, desaparecem. Às vezes morrem, outras
vezes ficam adormecidas e são despertadas pelo beijo mágico
de algum príncipe das letras, que pode ser um humilde jor-
nalista. Pulsam, ecoam, modulam a sua própria ressonância.
Reverberam, espalham reflexos para todo o lado. São rebeldes,
desapertam as cordas, esgueiram-se das clausuras. São leves
e aéreas. São pesadas como tanques. Abismam-se, ampliam-
se, encolhem-se. Redimensionam-se."

Mário de Carvalho



quinta-feira, fevereiro 12, 2015

Fazes-me falta

"Não basta morrer para conhecer o sorriso de Deus - mesmo que, como foi o meu caso, se tenha vivido abismada nele uma vida inteira. Quando o pior acontecia, aquele sorriso descia às minhas trevas com um soluço de baloiço, um gingar de gonzos arrancado às cordas da infância. Eu sentava-me nele e subia, balouçando até à luz. O pior aconteceu-me cedo, tive sorte. Deus procura primeiro os que sofrem antes do conhecimento específico da dor, talvez porque os outros sabem demasiado para puderem ser salvos. Tu dizias que era o contrário: que Deus nasce da ignorância própria dos sofrimentos prematuros. Mas tu, meu aluno dilecto, cedo te deixaste povoar pelo excesso do saber. Deus não sabia nada do Universo quando o criou. Imagino que se sentiria só. Imagino que num momento impreciso dessa solidão se terá tornado maior do que Ele próprio, estourando numa gigantesca flor de luz. E imagino-O, depois, tentando dar um sentido particular a cada uma das pétalas dessa luz dispersa. Agora que saí do corpo que fui (...) imagino-o melhor ainda, ébrio de luz, lúcido, encandeado por um Lúcifer oculto e criador incrustado no seu próprio ser, em estado de paixão com a história desencadeada pela sua omnipotente solidão. E balouço no Seu sorriso outra vez, a vez definitiva porque o meu corpo está lá em baixo, num caixão, contemplado e lembrado e chorado pela última vez. Não me levantarei da cama amanhã depois de Lhe pedir em surdina que dê um impulso maior ao balouço, que o empurre com força até que os pés me voem para fora do calor aterrado dos lençois. Ninguém vai estar à minha espera, não terei de me disfarçar de desculpas, não voltarei a iludir ou desiludir ninguém. Não voltarei a morrer no corpo do único homem que me abriu no corpo a passagem secreta para a morte. Não voltarei à desilusão do renascimento. Sobretudo não voltarei a desiludir-te a ti, o descrente que me ensinou a crer melhor, o meu pequeno e velho Deus de algibeira, o meu amigo. Despojada de corpo é-me mais fácil transformar-me no próprio balouço, na luz dançante de que ele é feito. Num murmúrio de vento peço-lhe que não me empurre tão depressa por esse lugar iluminado que é a Sua Carne, peço-lhe que me deixe matar saudades desse mundo que deixei tão de repente. Matar saudades de ti. Ou matar-te, como fazem as crianças, para recomeçar uma outra história, no balouço quotidiano do teu sorriso."

Inês Pedrosa



(Já passaram sete dias. Sete dias onde parece que o coração começa a recuperar. Mas o bocadinho que se partiu continua por substituir, como uma asa quebrada, sem direito a tala que a indireite. Como se a dor que ainda sinto precisasse de algo mais para mostrar que está presente. Saudade. Saudade a inundar tudo, avassaladoramente. Ainda que a família me segure. Ainda que as amizades puras me dêem a mão e me levem para a claridade da luz do dia. Ao fim do dia, a tua memória volta sempre ao âmago da minha alma. E as lágrimas fazem uma ténue aparição. Quando já eu pensava que era impossível chorar ainda mais. E continua a doer. Mas depois esqueço isso e recordo todos os momentos bonitos em que o teu sorriso preencheu a minha vida. Todas as alturas em que a tua alegria e a tua força me deixavam nas nuvens. E aí, minha querida Adelaide, faço os possíveis por te imitar e continuar a minha vida a sorrir como se não houvesse amanhã...)

domingo, fevereiro 08, 2015

Maldito Fevereiro.
Maldito Fevereiro que trouxeste contigo o frio cortante e o vento implacável.
Maldito Fevereiro que, rancoroso por seres tão curto, decides ser vingativo e mau.
Maldito Fevereiro, que não mostras compaixão e decides infundir a tua dor nos nossos corações.
Maldito Fevereiro, que gastas todas as minhas lágrimas, deixas-me seco por dentro e ainda agora começaste.
Maldito Fevereiro, que tentas com todas as tuas forças perpetuar o Inverno, que nos mantens nas tuas garras de gelo.
Maldito Fevereiro.
Maldito Fevereiro.
Maldito Fevereiro que levas a minha Adelaide para sempre.
Maldito Fevereiro que me arrancas a melhor parte do meu coração.
Maldito Fevereiro.
Que grande filho da puta me pareces neste momento.


quinta-feira, fevereiro 05, 2015

De coração apertado.


E sem palavras a escrever. Apenas a tentar evitar as lágrimas e pensar que amanhã vai ser melhor.


domingo, fevereiro 01, 2015

Música de fundo

Era exactamente assim que Ana se sentia.

Não se sentia assim todos os dias, ou todas as horas, ou todos os minutos. Mas, como qualquer erva daninha que se recusa a morrer, o sentimento lá voltava invariavelmente ao de cima. Normalmente, e cada vez com maior frequência, ele aparecia naqueles momentos em que Ana se sentia mais feliz ou mais completa, de uma forma totalmente egoísta. Naqueles pequenos nadas em que se sentia menos só e mais alegre com a vida. Lá se desviava o seu pensamento para onde não devia. Lá se reavivava a recordação que Ana fazia por tudo esconder no mais profundo do seu interior.

Olhava para o outro lado da mesa do restaurante e o empregado lá vinha tirar o outro prato, o outro copo, os outros talheres. Apenas ficava a cadeira vazia, como que para a torturar, um lembrete permanente da sua condição. Ana olhava para a cadeira vazia por um segundo, um segundo apenas, e não tornava a pensar naquilo, mandava tudo para trás das costas. E durante o tempo da refeição, da satisfação que tinha, do conforto que recebia daquele pequeno prazer, nada mais passava pelo seu pensamento. Apreciava o momento como se fosse o último da sua vida. Era quando voltava a estar novamente sozinha, apenas com a sua mente, que voltava ao indesejado assunto.

E sempre com aquela música a rodar na sua cabeça.

Mas assim era. Ainda que nem sempre. Assim era exactamente como Ana se sentia.

"Tanto tempo casta
Apenas admirada
Tanto tempo casta
Nunca amada"