domingo, dezembro 01, 2013

Ode

Sexta-feira a meio da tarde. Café Alentejano. Um café onde não há televisão. Não há noticiários deprimentes nem reality shows boçais e desinteressantes. Um café onde também não há rádio. Não há blocos de publicidade intermináveis nem músicas irritantes repetidas ad nauseam. Não, neste café apenas se ouvem as vozes e palavras das pessoas sentadas nas mesas e das pessoas atrás do balcão. Pessoas que se cumprimentam e sorriem. Vozes que comentam as últimas novidades de uma cidade do tamanho de uma noz. Conversas em voz alta que trazem um sorriso mesmo ao mais empedernido daqueles que se escondem atrás de um jornal ou de um livro. Murmúrios inaudíveis quando a conversa é mais séria e apenas interessa às cabeças daqueles que falam. Um após outro cliente que se dirigem ao balcão com a esperança de uma raspadinha premiada ou de um jogo onde a sorte caia para o seu lado. Sempre, em todas as vezes, um desejo de boa fortuna da senhora que recebe o dinheiro de não sei quantas ilusões em forma de gente. Um empregado que nos entretantos também canta um ou outro verso, de canções da sua infância, que canta quando parece que ninguém está a olhar, palavras cantadas são sempre mais bonitas. Tudo isto se ouve no Café Alentejano. Mas também se ouve o silêncio, todos os silêncios que já se tornam raros hoje. O silêncio de quando ninguém entra no café durante largos minutos, o rendimento do dia já ficou feito de manhã, com os pequenos-almoços. O silêncio do empregado que abraça alguém que entra, vindo da igreja onde jaz o corpo de um familiar que não mais entrará no café. O silêncio de alguém que acena do outro lado do vidro enquanto passa apressado. O silêncio de um dia que caminha para o seu fim enquanto os céus ficam tingidos de vermelho. O silêncio de um cliente que se queixa dos seus ossos, velhos e cansados. No Café Alentejano o silêncio não importuna ninguém e ninguém o teme. Sabemos que haverá sempre uma voz que entra por ali adentro e o envia para o canto mais escuro do Café. Haverá sempre um riso pronto a enfrentá-lo e um olhar triste pronto a acolhê-lo. Assim se vive no Café Alentejano. Vidas à solta.


2 comentários:

O anónimo do costume disse...

O anónimo do costume gosta disto (e não, não é vício do outro lado, é só porque não sei o que dizer destas tuas belas palavras...)

P.S. porque é que agora para comentarmos aqui temos de "provar" que não somos "um robô"? Algo te move contra esses simpáticos seres? ;-)

Nuno Guronsan disse...

O meu muito obrigado.

Quanto aos robôs, isso de serem simpáticos é sempre discutível. Por cada Robbie, há sempre um HAL. E nos outros espaços, onde não há este apelo ao robô dentro de nós, as caixas de comentários estão inundadas de lixo.

Felizmente, para contrariar o lixo, há sempre os agradáveis comentários anónimos do costume... :))