(Last.Fm)
terça-feira, fevereiro 27, 2007
domingo, fevereiro 25, 2007
Woody Allen
"A beleza é como a electricidade. Mas sem interruptores."
João Paulo Cotrim
Sangue, sangue e mais sangue
Ou como podem haver assassinos tão dementes que se tornam ridiculamente engraçados, assassinos que confortam as suas vítimas no momento em que a vida abandona o seu corpo, assassinos(as) que apenas procuram amar outros(as) assassinos(as), assassinos que encontram o amor nos braços ensanguentados de outros assassinos(as), assassinos que nem sequer são assassinos, assassinos que precisam de mais prática antes de se deixarem assassinar, ou ainda aqueles assassinos que se limitam a desligar umas quantas tomadas... E tudo isto só por causa do coração de um gajo...
É a loucura, senhores, é a verdadeira loucura... Ou não...
É a loucura, senhores, é a verdadeira loucura... Ou não...
sexta-feira, fevereiro 23, 2007
Burrices
Um burro.
Um animal de carga.
Sempre a puxar a carroça, mesmo quando os viajantes não lhe agradavam. E apenas pela simples razão que era a sua função. Era aquilo que era esperado dele. Inspirava a admiração dos graúdos pelo seu empenho, e a curiosidade e carinho dos mais pequenos, que adoravam passar as suas mãos pelo seu pêlo cinzento e pela sua crina àspera. Gostava de olhar as crianças nos olhos. Naqueles olhos limpos de maldade e inveja, como tantas vezes tinha enfrentado nos olhos dos mais adultos. A crueldade de alguns dos seus donos ainda o atormentava durante o sono.
Estava cansado.
Demasiadamente cansado.
Em breve já não poderia puxar mais carroças ou arados. Começava a faltar-lhe a força nas pernas, nos cascos. Não que fosse velho. Não, em anos de burro era ainda um jovem adulto, com muitos anos pela frente. Mas a vida tinha sido madastra. Nunca lhe dando descanso ou palha suficiente. Apenas trabalho, trabalho e mais trabalho ainda. Nunca um dono o viu como mais do que um animal de carga, sempre ao seu dispôr, sempre alegre por poder ajudar o seu dono. Enfim, errar era mesmo humano, pensava ele.
Tinha chegado ao seu destino.
Tinha chegado o seu destino.
O fim do dia trazia normalmente consigo o descanso ansiado. Desta vez iria trazer muito mais. O fim do cansaço. O fim daquela vida de animal de carga, de nada mais que um animal de carga. Era tempo de descansar dos outros animais, aqueles que se julgam mais inteligentes que todos os outros. Aqueles que teimam em mostrar a sua irracionalidade. Todos os dias.
Um animal de carga.
Sempre a puxar a carroça, mesmo quando os viajantes não lhe agradavam. E apenas pela simples razão que era a sua função. Era aquilo que era esperado dele. Inspirava a admiração dos graúdos pelo seu empenho, e a curiosidade e carinho dos mais pequenos, que adoravam passar as suas mãos pelo seu pêlo cinzento e pela sua crina àspera. Gostava de olhar as crianças nos olhos. Naqueles olhos limpos de maldade e inveja, como tantas vezes tinha enfrentado nos olhos dos mais adultos. A crueldade de alguns dos seus donos ainda o atormentava durante o sono.
Estava cansado.
Demasiadamente cansado.
Em breve já não poderia puxar mais carroças ou arados. Começava a faltar-lhe a força nas pernas, nos cascos. Não que fosse velho. Não, em anos de burro era ainda um jovem adulto, com muitos anos pela frente. Mas a vida tinha sido madastra. Nunca lhe dando descanso ou palha suficiente. Apenas trabalho, trabalho e mais trabalho ainda. Nunca um dono o viu como mais do que um animal de carga, sempre ao seu dispôr, sempre alegre por poder ajudar o seu dono. Enfim, errar era mesmo humano, pensava ele.
Tinha chegado ao seu destino.
Tinha chegado o seu destino.
O fim do dia trazia normalmente consigo o descanso ansiado. Desta vez iria trazer muito mais. O fim do cansaço. O fim daquela vida de animal de carga, de nada mais que um animal de carga. Era tempo de descansar dos outros animais, aqueles que se julgam mais inteligentes que todos os outros. Aqueles que teimam em mostrar a sua irracionalidade. Todos os dias.
domingo, fevereiro 18, 2007
Mais fracturas...
Há uma semana atrás Portugal dava o primeiro passo, na minha opinião, para uma sociedade mais tolerante, mais compreensiva e, esperemos, mais justa. Mas ainda temos um longo caminho a percorrer. A intolerância e a falta de raciocínio prático ainda são muito comuns na nossa sociedade, e o dia-a-dia faz-se muitas vezes de uma espécie de ódio latente, seja ele dirigido a raças, credos ou orientações sexuais diferentes das nossas, ou simplesmente porque o meu clube de futebol ganhou e o do vizinho do lado perdeu. Há quem diga que a justificação reside numa estranha qualidade a que somos associados invariavelmente, a "Latinidade". Porque somos latinos, tendemos a reagir primeiro e pensar depois, vivemos com "o sangue na guelra". Pois. Mas eu acho que sim, reagimos primeiro, mas, preferimos deixar o pensar para depois. Para muito depois. Por exemplo, o que será mais condenável na nossa sociedade? Haver um homem que gosta de se vestir como mulher e subir a um palco ou haver milhares de pessoas que desrespeitam as regras de trânsito e acabam por causar acidentes mortais quase todos os dias? Será mais reprovável a contínua corrupção existente em instituições públicas ou a simples legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo? É muitas vezes isto que falta ao pensamento dos portugueses (a grande maioria, pelo menos), enquadramento. Discernimento. Reflexão. E é também por isso, infelizmente, que por enquanto as boas intenções de alguns não vão sair do papel. Sim, porque até o nosso Governo, receoso, sabe bem que mais do que uma questão "daquelas" por legislatura não ganha muitos votos do "centrão". Essa coisa indefinida, irregular, quase assexuada que ainda vai ditando a sorte dos actos eleitorais ou "referendais". Por achar que esta sociedade precisa mesmo de reflectir mais, sugiro este teste, criado pela Universidade de Harvard, no âmbito do Projecto Implícito. Sim, é apenas um teste, mas os resultados podem servir para pensarmos em que tipo de seres humanos nos andamos a transformar, diariamente e muitas vezes sem nos apercebermos. E é essa falta de percepção que por vezes me assusta.
quinta-feira, fevereiro 15, 2007
A companhia de ontem à noite
"I love you, really. With all due respect, you're a beautiful person. You're a credit to your race."
(Scoop)
quarta-feira, fevereiro 14, 2007
Amore
Feliz dia de S. Valentim, amor. Aqui te deixo o meu coração numa bandeja, à falta de prenda mais original. Bom proveito!
(National Geographic)
terça-feira, fevereiro 13, 2007
Marvin
A vida. Qual é o seu sentido? Haverá mesmo um sentido? Ou não passará tudo de um calvário de desgraças umas atrás das outras, onde o passar dos anos apenas implica um aumento de coisas que detestamos mas que insistem em rodear-nos? Trabalho, amigos, amor, família, tempo livre. Nada disso vale a pena. O trabalho é a forma moderna de tortura. Não pode haver pior destino para sairmos de casa todos os dias. Nem me falem em satisfação profissional, isso é razão mais que suficiente para começar a consultar um psiquiatra e dar-lhe satisfação... monetária. Amigos? Poços sem fundo de problemas, isso sim. Nunca conseguimos ter um momento só para nós quando temos amigos. Eles fazem questão de se imiscuirem em todos os pormenores da nossa vida e, pelo meio, ainda conseguem espremer detalhes das suas próprias vidas. Nunca estão satisfeitos com o grau de atenção que lhes damos e nunca compensam a quantidade de problemas que acarretam com a sua simples presença. Risquem-nos todos das vossas agendas se não querem uma vida ainda mais deprimente. Se há algo que está completamente sobrevalorizado, é sem dúvida o amor. A vossa vida ainda não tem lágrimas suficientes? Ainda não vos chega de corações destroçados? Precisam mesmo de alguém colado a vocês como uma lapa? Então, sim, façam o favor de se apaixonarem. Mas depois não venham ter comigo, a rastejar, a pedirem conselhos de como lidar com a pessoa que supostamente amam. Porque o único conselho que vos vou dar é cortarem os pulsos, parece que a dor acaba mais cedo, assim como o suplício de ter de respirar. Se o trabalho é uma forma de tortura, então a família deve ser uma espécie de masmorra, onde nos juntamos com aquelas pessoas com quem temos laços de sangue, e decidimos verificar até que ponto podemos dar todos em doentes mentais sem espalhar esses laços de sangue pelas paredes todas. Haverá mesmo necessidade de ter uma família? Somos assim tão masoquistas? Não será a nossa vida suficientemente desesperada e enfadonha? Pelos vistos não, caso contrário também não teríamos tempo livre entre as mãos. Agora até há pessoas que escrevem blogues nos seus tempos livres, ou mesmo no tempo em que deviam estar a trabalhar e afinal de contas só estão a ocupar uma secretária. É patético. É um acumular de desperdício de tempo a expôr todos os miseráveis detalhes da nossa vida, para que outras patéticas almas possam analisar ao microscópio todas as palavras, todas as vírgulas, todos os pontos finais que constroem as nossas miseráveis existências. Poderá haver algo pior que a vida? Só se fôr a vida enquanto existência infindavelmente maçadora... Ou então, sigam o caminho dos golfinhos...
Elegia V - Retrato Dele
"Aqui está, toma o meu retrato; embora de ti me despeça
O teu no meu coração, onde habita a minha alma, habitará.
É como eu agora, mas se eu morrer, será mais,
Quando formos ambos sombras, do que era antes.
Quando eu voltar gasto das intempéries, as mãos
Talvez rasgadas pelos remos rudes, ou curtidas dos raios do Sol
A minha face e o peito de silício, e a cabeça semeada
Com os eczemas dos cuidados das tempestades súbitas,
O corpo num saco de ossos, quebrado por dentro,
E as manchas azuis da pólvora espalhadas pela pele;
Se rivais loucos te acusarem de ter amado um homem
Tão imundo e rude como, ah! então poderei parecer,
Isto deverá mostrar o que eu era, e tu deverás dizer,
Será que as dores dele me atingem? Arruínam o meu valor?
Ou atingem-lhe a mente pensante, e ele agora
Amará menos o que tanto gostava de ver?
Aquilo que nele foi belo e delicado,
Era apenas o leite que no estado infantil do amor
O alimentava; o qual agora cresceu forte o bastante
Para se alimentar do que, a gostos desusados, parece rude."
O teu no meu coração, onde habita a minha alma, habitará.
É como eu agora, mas se eu morrer, será mais,
Quando formos ambos sombras, do que era antes.
Quando eu voltar gasto das intempéries, as mãos
Talvez rasgadas pelos remos rudes, ou curtidas dos raios do Sol
A minha face e o peito de silício, e a cabeça semeada
Com os eczemas dos cuidados das tempestades súbitas,
O corpo num saco de ossos, quebrado por dentro,
E as manchas azuis da pólvora espalhadas pela pele;
Se rivais loucos te acusarem de ter amado um homem
Tão imundo e rude como, ah! então poderei parecer,
Isto deverá mostrar o que eu era, e tu deverás dizer,
Será que as dores dele me atingem? Arruínam o meu valor?
Ou atingem-lhe a mente pensante, e ele agora
Amará menos o que tanto gostava de ver?
Aquilo que nele foi belo e delicado,
Era apenas o leite que no estado infantil do amor
O alimentava; o qual agora cresceu forte o bastante
Para se alimentar do que, a gostos desusados, parece rude."
John Donne
(in Elegias Amorosas)
(in Elegias Amorosas)
segunda-feira, fevereiro 12, 2007
Ondas Sonoras - XXV
Primeiro a claridade.
Mergulhada de repente numa escuridão quase palpável.
Fumo.
Suor.
A batida que faz estremecer as paredes.
As ondas perturbadoras de um baixo ensurdecedor.
Os efeitos electrónicos que anunciam algo de inquietante.
A guitarra àspera, possuída, omnipresente.
A voz que anuncia o lado mais escuro, mais decadente, mais redentor do ser humano.
As músicas lancinantes que penetram no cérebro e o recordam que estas músicas estão lá, escondidas num recanto do néocortex.
A constatação que mesmo longe da espiral de auto-destruição de outros tempos, está a fazer-se história, ali diante dos nossos olhos feridos pelos rasgos eventuais de luz fulminante.
Que a música também pode acordar os nossos instintos mais primários e que isso pode satisfazer necessidades que nem sequer sabíamos ter.
Que aqui nasceu e morreu muita música dos últimos (quase) vinte anos.
Ladies and gentlemen, boys and girls, meet Mr. Trent Reznor.
59,25%
Começou hoje o tempo de assumir responsabilidades, mesmo com a mágoa da presença (ainda) contínua da abstenção. E mesmo com o nevoeiro intenso que estava hoje de manhã, não tenho vergonha de dizer que sinto uma pontinha de orgulho por morar num país para o qual, parece, que ainda há esperança de deixar todos os fantasmas sebastiânicos para trás das costas e pensar num futuro com cabeça, tronco e membros. Obrigado a todos os que enfrentaram a chuva e ajudaram a dar o primeiro passo para acabar com a injustiça e a humilhação. Bem hajam.
sexta-feira, fevereiro 09, 2007
Pelo Sim... contra a abstenção.
Hoje o Espaço Cinzento vai também entrar em período de reflexão. Por aqui deixei muita coisa que foi escrita sobre este referendo e em algum momento neguei qual irá ser a minha intenção de voto. As sondagens valem o que valem, de modo que a única maneira de realmente haver impacto neste assunto e não deixar que voltemos a um período de "paz podre" é irmos todos, sem excepção, votar. Quer votemos Sim ou quer votemos Não. Não nos podemos excluir desta oportunidade de intervenção na vida do nosso país. O referendo é um instrumento com falhas? Sim, muito provavelmente. Mas não tenho dúvidas que é um dos intrumentos que uma democracia nos pode oferecer e sentirmos que podemos fazer a diferença. Por isso partilho dos mesmos receios que ela, no que toca à possibilidade de este instrumento de democracia ficar "ferido de morte" e não haver qualquer sentido para sua ocasional utilização. Não gostava que isso acontecesse. Como teria escrito num post-it há uns tempos atrás, é urgente votarmos. Todos.
terça-feira, fevereiro 06, 2007
Conto para Carolina
Era uma vez um escritório. Um escritório como tantos outros que forravam o interior daquela cidade. Um escritório que nada possuía de especial e que até destoava pela sua normalidade.
Mas apesar deste escritório banal, havia nos seus corredores, uma pessoa especial. Especial porque era um sonhador. Preso a uma rotina diária de trabalho de secretária, mas que ao mesmo tempo imaginava cenários muito longínquos. Certamente, muito diferentes do cubículo que ocupava invariavelmente entre as nove da manhã e as seis da tarde. Por entre folhas de excel e relatórios infindáveis para rever, António, assim se chamava o nosso herói, deixava a sua mente vaguear por todos os sonhos que o acompanhavam da noite anterior. Sonhava conhecer o mundo, deixar aquela cidade que conhecia de olhos fechados, deixar a monotonia dos seus dias para trás das costas e conhecer pessoas diferentes dos zombies que todos os dias via percorrerem os obscuros corredores do seu escritório.
E este era um desejo que crescia de dia para dia no íntimo de António. E tanto cresceu que António decidiu que era altura de seguir os seus sonhos. Assim, dirigiu-se ao gabinete do seu chefe. Sabia que ele não ia impôr grandes entraves à sua saída para uma das muitas sucursais que a empresa tinha espalhadas pelo globo. Afinal de contas, nunca tinham morrido de amores um pelo outro. O que António não esperava era que a transferência fosse para um país tão distante, tão afastado de tudo o que conhecia, tão do outro lado do planeta que António até tinha dificuldade em encontrá-lo no mapa.
Mas mesmo isso não demovia António dos seus intentos. Assim, ficara acordado com o chefe que ele se manteria no seu posto até haver um substituto para as suas funções. António mal podia esperar por esse momento. Até lá tinha muito com que se preocupar, preparar as malas, informar-se sobre o país distante onde se encontrava o seu futuro, despedir-se da família e amigos, e sonhar ainda e cada vez mais com o dia em que ia deixar toda aquela existência inexistente para trás. E foi assim que chegou o dia em que o seu chefe lhe comunicou que tinha chegado o seu substituto. Dirigiu-se ao gabinete e quando abriu a porta deparou-se com Maria. E no instante em que a viu, a sua alma esvaziou-se de sonhos, de expectativas e de falsas promessas de uma vida melhor longe de tudo e de todos. De repente, apenas se imaginou ao lado de Maria para toda a vida, para todo o sempre.
Mas era tarde. Demasiado tarde. Como podia ele esperar que Maria, que apenas conhecia há um dia, tivesse sentido a mesma sensação avassaladora que o percorrera naquele primeiro encontro? António ainda tinha tentado travar uma conversa com Maria, tentanto, inicialmente, alertá-la para a rotina angustiante que constituía aquele trabalho, para aquela camisa-de-forças que restringia toda e qualquer espécie de criatividade que o seu cérebro poderia conceber. Mas a conversa tinha-se ficado por ali. Não tinha havido oportunidade para muito mais e António não tinha tido coragem para confessar-lhe o que tinha sentido por ela. E agora era tarde. Era nisto em que António pensava, ali no porto, à espera de embarcar para o outro lado do mundo.
Nunca poderia imaginar uma mágoa tão grande agora que os seus até-há-pouco-tempo sonhos mais inacreditáveis se iam concretizar. As lágrimas acumulavam-se nas suas pupilas e a dor que sentia no seu coração parecia não ter fim. Os poucos colegas de trabalho que ali se encontravam para a despedida pensavam que se tratava apenas de um caso de saudade prematura. Ele não falava, limitava-se a olhar não sabia muito bem para onde. O mar parecia chamá-lo, mesmo ali ao lado e António tentava adiar o seu chamamento o mais possível, pois sabia que o mar apenas o ia levar para longe de Maria, para demasiado longe. No entanto, o seu olhar perdido pareceu ver algo no meio da multidão. Não podia ser, a sua mente pregava-lhe partidas diabólicas. Mas não, era mesmo o rosto de Maria que avançava para si. António não sabia o que pensar quando Maria lhe beijou o rosto. António intrigado, perguntou-lhe se tinha vindo despedir-se dele (a pergunta mais desajeitada que poderia ter feito). Maria, com um sorriso enorme, apenas lhe disse que se tinha despedido, que ele tinha mesmo razão, que aquele escritório seria mais uma masmorra que outra coisa, e que, sim, de certa forma tinha vindo vê-lo, pois tinha gostado de o conhecer, mesmo que por pouco tempo. Mas isto eram as suas palavras. O seu olhar dizia muito mais. Tinha o mesmo olhar que António. Ambos se olhavam e diziam muito mais com os seus olhos do que meras palavras poderiam alguma vez dizer. António não precisava de saber mais nada. E sussurrou-lhe ao ouvido, "e que tal se fôssemos passear até ao jardim?".
E assim foram, António e Maria, mãos dadas, a deixarem o mar para trás deles. Se eles viveram felizes para sempre? Não sei, a história deles ainda não acabou. E tu, Carolina, és o novo capítulo que começa agora nesta história. A nova estrada que eles vão poder percorrer na concretização de todos os seus sonhos. E que sonho bonito tu és. Um sonho tornado realidade. Bem-vinda.
Mas apesar deste escritório banal, havia nos seus corredores, uma pessoa especial. Especial porque era um sonhador. Preso a uma rotina diária de trabalho de secretária, mas que ao mesmo tempo imaginava cenários muito longínquos. Certamente, muito diferentes do cubículo que ocupava invariavelmente entre as nove da manhã e as seis da tarde. Por entre folhas de excel e relatórios infindáveis para rever, António, assim se chamava o nosso herói, deixava a sua mente vaguear por todos os sonhos que o acompanhavam da noite anterior. Sonhava conhecer o mundo, deixar aquela cidade que conhecia de olhos fechados, deixar a monotonia dos seus dias para trás das costas e conhecer pessoas diferentes dos zombies que todos os dias via percorrerem os obscuros corredores do seu escritório.
E este era um desejo que crescia de dia para dia no íntimo de António. E tanto cresceu que António decidiu que era altura de seguir os seus sonhos. Assim, dirigiu-se ao gabinete do seu chefe. Sabia que ele não ia impôr grandes entraves à sua saída para uma das muitas sucursais que a empresa tinha espalhadas pelo globo. Afinal de contas, nunca tinham morrido de amores um pelo outro. O que António não esperava era que a transferência fosse para um país tão distante, tão afastado de tudo o que conhecia, tão do outro lado do planeta que António até tinha dificuldade em encontrá-lo no mapa.
Mas mesmo isso não demovia António dos seus intentos. Assim, ficara acordado com o chefe que ele se manteria no seu posto até haver um substituto para as suas funções. António mal podia esperar por esse momento. Até lá tinha muito com que se preocupar, preparar as malas, informar-se sobre o país distante onde se encontrava o seu futuro, despedir-se da família e amigos, e sonhar ainda e cada vez mais com o dia em que ia deixar toda aquela existência inexistente para trás. E foi assim que chegou o dia em que o seu chefe lhe comunicou que tinha chegado o seu substituto. Dirigiu-se ao gabinete e quando abriu a porta deparou-se com Maria. E no instante em que a viu, a sua alma esvaziou-se de sonhos, de expectativas e de falsas promessas de uma vida melhor longe de tudo e de todos. De repente, apenas se imaginou ao lado de Maria para toda a vida, para todo o sempre.
Mas era tarde. Demasiado tarde. Como podia ele esperar que Maria, que apenas conhecia há um dia, tivesse sentido a mesma sensação avassaladora que o percorrera naquele primeiro encontro? António ainda tinha tentado travar uma conversa com Maria, tentanto, inicialmente, alertá-la para a rotina angustiante que constituía aquele trabalho, para aquela camisa-de-forças que restringia toda e qualquer espécie de criatividade que o seu cérebro poderia conceber. Mas a conversa tinha-se ficado por ali. Não tinha havido oportunidade para muito mais e António não tinha tido coragem para confessar-lhe o que tinha sentido por ela. E agora era tarde. Era nisto em que António pensava, ali no porto, à espera de embarcar para o outro lado do mundo.
Nunca poderia imaginar uma mágoa tão grande agora que os seus até-há-pouco-tempo sonhos mais inacreditáveis se iam concretizar. As lágrimas acumulavam-se nas suas pupilas e a dor que sentia no seu coração parecia não ter fim. Os poucos colegas de trabalho que ali se encontravam para a despedida pensavam que se tratava apenas de um caso de saudade prematura. Ele não falava, limitava-se a olhar não sabia muito bem para onde. O mar parecia chamá-lo, mesmo ali ao lado e António tentava adiar o seu chamamento o mais possível, pois sabia que o mar apenas o ia levar para longe de Maria, para demasiado longe. No entanto, o seu olhar perdido pareceu ver algo no meio da multidão. Não podia ser, a sua mente pregava-lhe partidas diabólicas. Mas não, era mesmo o rosto de Maria que avançava para si. António não sabia o que pensar quando Maria lhe beijou o rosto. António intrigado, perguntou-lhe se tinha vindo despedir-se dele (a pergunta mais desajeitada que poderia ter feito). Maria, com um sorriso enorme, apenas lhe disse que se tinha despedido, que ele tinha mesmo razão, que aquele escritório seria mais uma masmorra que outra coisa, e que, sim, de certa forma tinha vindo vê-lo, pois tinha gostado de o conhecer, mesmo que por pouco tempo. Mas isto eram as suas palavras. O seu olhar dizia muito mais. Tinha o mesmo olhar que António. Ambos se olhavam e diziam muito mais com os seus olhos do que meras palavras poderiam alguma vez dizer. António não precisava de saber mais nada. E sussurrou-lhe ao ouvido, "e que tal se fôssemos passear até ao jardim?".
E assim foram, António e Maria, mãos dadas, a deixarem o mar para trás deles. Se eles viveram felizes para sempre? Não sei, a história deles ainda não acabou. E tu, Carolina, és o novo capítulo que começa agora nesta história. A nova estrada que eles vão poder percorrer na concretização de todos os seus sonhos. E que sonho bonito tu és. Um sonho tornado realidade. Bem-vinda.
sexta-feira, fevereiro 02, 2007
Country Of The Blind
"Spammy didn't seem to bother much about money. When he had any to spare he never fucking bought anything, except extra hash "for a rainy day" (and given the West of Scotland's prevailing levels of precipitation, opportunities for its consumption tended to present themselves fairly quickly)."
Christopher Brookmyre
quinta-feira, fevereiro 01, 2007
That's it, folks!
E assim se acabou a minha mais proveitosa prenda de Natal. Pode ser que assim terminem os meus pseudo-ataques de sonambulismo...
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