Estava sozinha. Ou melhor, sentia-se sozinha, como há muito não acontecia. Sozinha de família, sozinha de amigos verdadeiros, sozinha de sentimentos. Talvez a palavra certa não seria sozinha, seria vazia. Esgotada. Seca. Os últimos meses não tinham sido fáceis e tudo o que poderia correr mal, correu muito pior do que seria normal. Nem no amor, nem no trabalho, nem no seu espírito, nada conseguia encontrar que a devolvesse à vida. Sentia-se uma zombie, vagueando ao deus dará entre os vários compartimentos em que a sua vida se tinha tornado. Não conseguia precisar exactamente em que momento tudo se tinha estilhaçado à sua volta. Teria sido a última discussão na última consoada familiar, em que conseguiu explodir para cima de todos os presentes? Teria sido a constante pressão que os seus chefes colocavam nos seus ombros, todos os dias, a toda a hora e que quase a fazia pensar num internamento longe dali? Seriam os amigos que estavam distantes e tinham desaparecido um após outro, longe de compreenderem tudo aquilo porque passava e para os quais a sua paciência também já tinha atingido o seu limite? Ou teria o momento sido aquele em que tinha terminado um relacionamento amoroso de cinco anos, tudo porque afinal ele se tinha revelado um filho da puta de um traidor que saltava de queca em queca com outras mulheres? Lá está, os dramas eram tantos que não conseguia realmente perceber qual tinha sido o ponto de não retorno. E por isso agora ali estava, sozinha, vazia, seca. Precisava de algo, mas não conseguia perceber o quê. Nada lhe devolvia a alegria de outros tempos. Nem os seus preciosos livros, nem as músicas sem as quais não conseguia viver, nem os seus restaurantes preferidos a faziam "mexer". Até o sol estava contra ela e já não aparecia há semanas, nada lhe devolvia a luz à vida. O que podia ela fazer? O que devia ela fazer? Se calhar a resposta era nada. Nada fazer. Deixar que a vida seguisse o seu curso normal e voltar à normalidade por ela própria. Talvez demorasse um pouco mais, talvez demorasse um pouco menos, mas não podia ficar naquele limbo por muito mais tempo ou apenas se estaria a transformar numa pessoa fria, com o coração congelado para sempre. Não queria admitir isso nem por um segundo, mas era realmente como se sentia. Vira a página, dizia para ela própria, vira a página, termina o capítulo e pensa que o próximo dia, a próxima semana, o próximo mês vão ser melhores e que o sol vai começar a brilhar como deve de ser e que os dias longos vão ser sinónimo de longas alegrias e pequenas, pequeníssimas preocupações. Para isso já bastavam os cabelos brancos que lhe nasciam demasiado depressa...
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