quarta-feira, maio 21, 2014

Vida e obra de um poeta

   "Hoje, nada sei de quem me amou ou ama. Nada me
reparte no tempo. Abro-me à unidade da vida - e amo o
passado e o futuro com um só fervor: completo. A geografia
não existe. Quem está em Joanesburgo e me ama ou possui
um breve poema rabiscado nas costas de um envelope, ou
quem me odeia em Roterdão e apenas tem algumas palavras
sem destinatário, nada poderá supor da minha lenta maturi-
dade. Esses papéis pouco valem, e esses sentimentos (de amor
e ódio). Vale quem sou. Ultrapasso as palavras escritas aos
trinta anos. O poema que agora escrevesse diria como estou
pronto para morrer, referiria enfim a excelência do meu corpo
urdido nas aventuras da solidão e da comunhão, e falaria de
tudo quanto auxilia um homem no seu ofício - a ferocidade
dos outros, o apartamento, ou o seu amor que, ferido pela
ignorância, se inclina para ele, para o seu trabalho, o desejo, a
expectativa. Morrerei como se fosse numa retrete de Paris -
só, com a minha visão, o pressentido segredo das coisas.
   E é na morte de um poeta que se principia a ver que o
mundo é eterno."

Herberto Helder

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