quarta-feira, maio 21, 2014

Vida e obra de um poeta

   "Hoje, nada sei de quem me amou ou ama. Nada me
reparte no tempo. Abro-me à unidade da vida - e amo o
passado e o futuro com um só fervor: completo. A geografia
não existe. Quem está em Joanesburgo e me ama ou possui
um breve poema rabiscado nas costas de um envelope, ou
quem me odeia em Roterdão e apenas tem algumas palavras
sem destinatário, nada poderá supor da minha lenta maturi-
dade. Esses papéis pouco valem, e esses sentimentos (de amor
e ódio). Vale quem sou. Ultrapasso as palavras escritas aos
trinta anos. O poema que agora escrevesse diria como estou
pronto para morrer, referiria enfim a excelência do meu corpo
urdido nas aventuras da solidão e da comunhão, e falaria de
tudo quanto auxilia um homem no seu ofício - a ferocidade
dos outros, o apartamento, ou o seu amor que, ferido pela
ignorância, se inclina para ele, para o seu trabalho, o desejo, a
expectativa. Morrerei como se fosse numa retrete de Paris -
só, com a minha visão, o pressentido segredo das coisas.
   E é na morte de um poeta que se principia a ver que o
mundo é eterno."

Herberto Helder

sábado, maio 10, 2014

Fome

"I have my belief, and in all its simplicity that is the most powerful thing."



 


quinta-feira, maio 08, 2014

Cinzento

"Poeiras de crepúsculos cinzentos.
Lindas rendas velhinhas, em pedaços,
Prendem-se aos meus cabelos, aos meus braços,
Como brancos fantasmas, sonolentos...

Monges soturnos deslizando lentos,
Devagarinho, em misteriosos passos...
Perde-se a luz em lânguidos cansaços...
Ergue-se a minha cruz dos desalentos!

Poeiras de crepúsculos tristonhos,
Lembram-me o fumo leve dos meus sonhos,
A névoa das saudades que deixaste!

Hora em que o teu olhar me deslumbrou...
Hora em que a tua boca me beijou...
Hora em que fumo e névoa te tornaste..."

Florbela Espanca

 

quarta-feira, maio 07, 2014

Humanidade desconstruída

"As lágrimas saltaram-lhe, os soluços fizeram-no estremecer.
Entregava-se agora a eles pela primeira vez na ilha; espas-
mos intensos e frementes de sofrimento pareciam puxar-lhe
violentamente todo o corpo. A voz dele elevou-se acima do
fumo negro perante os destroços inflamados da ilha; conta-
giados por aquela emoção, os outros garotos começaram tam-
bém a tremer e a soluçar. No meio deles, com o corpo imundo,
o cabelo emaranhado e um nariz gotejante, Ralph chorou
pelo fim da inocência, pelas trevas no coração do homem e
pela queda no vazio do verdadeiro e sensato amigo a que cha-
mavam Piggy."

William Golding

 

terça-feira, maio 06, 2014

A humanidade é algo de absurdamente desconcertante...



"How could I write a letter without ink or paper? There is nobody I want to write to 'cause I hain't got no friends living as I know of. That Armsby is a lying drunken fellow. You know this, just as you know that I am constant in truth. Now, master, I can see what that Armsby is after, plain enough. Didn't he want you to hire him for an overseer? That's it. He wants to make you believe we're all going to run away and then he thinks you'll hire an overseer to watch us. He believes you are soft soap. He's given to such talk. I believe he's just made this story out of whole cloth, 'cause he wants to get a situation. It's all a lie, master, you may depend on't. It's all a lie."