Abriste o portão e entraste pela quinta dentro, como se ela ainda te pertencesse. Como se ainda morasses aqui. O cão correu para ti, saltou para os teus braços e lambeu-te a face, como sempre te fazia quando regressavas do trabalho. Tu sorriste, um sorriso feito de uma ténue nostalgia. Olhaste para a laranjeira. Esticaste-te para alcançar um dos frutos. Cheiraste-o e provavelmente recordaste os sumos que fazias nos verões que passámos juntos, sentados no jardim, a ver o sol a esconder-se no horizonte. A frescura do sumo nas nossas gargantas, o calor da tua mão repousada na minha. Largaste a laranja e foste para o teu jardim. Para as tuas plantas. Todas as flores que plantastes ao longo dos anos, as tuas crianças como lhes chamavas. Pegaste no regador, encheste-lo na fonte, e regaste as flores. Os teus cabelos taparam-te a cara, não consegui ver o que sentias ao regar mais uma vez as tuas plantas. Pousaste o regador e ficaste a olhar para a casa. Não tanto a olhar para as suas paredes, janelas, telhado, mas mais através dela, como se tentasses ver-me, no seu interior. Conseguia ver isso no teu olhar, a curiosidade para saber onde eu estava, o que estava a fazer, com quem o estava a fazer. Um misto de curiosidade e lamento. Tudo isso provinha dos teus olhos, das tuas feições, de todo o teu corpo ao lado do qual tantos e tantos anos vivi, amei, comunguei. Até que os teus olhos se cruzaram com os meus. Tu, lá fora no jardim, eu do lado de dentro da janela da sala. Ficámos a olhar, um para o outro, durante toda uma eternidade. Todas as nossas emoções revividas vezes sem conta. Até que não aguentei mais. Puxei os cortinados e deixei-te ali, no jardim, sozinha, longe de mim, com o sol a cair lentamente no céu, nas tuas costas.
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