quinta-feira, dezembro 01, 2011
Viver.
E assim passou um ano desde que aqui estou a viver. Um ano repleto de tanta coisa para contar e escrever mas com pouco tempo para ocupar as páginas que ficaram em branco. A actividade profissional, as idas e vindas entre este lar e o outro, alguns devaneios turísticos intramuros, um devaneio turístico à la Relvas, as muito bemvindas visitas a este lar, algumas (ou muitas?) folgas repletas de pura nhoquice, tudo isto contribuiu para uma quase estabelecida falta de vontade para me sentar e escrever o que quer que fosse. E, no entanto, há palavras escritas, aqui e ali, perdidas nas páginas de outros, rabiscadas no momento, quem sabe um dia o que poderão dar. Mas um ano assim se passou. Nesta terra tão perto e ao mesmo tempo tão longe. Houve dias em que 240 quilómetros significaram os mesmos sentimentos dos quase 10.000 quilómetros a que já estive um dia. Mas com ajuda de algumas almas que preenchem o meu coração, dias houve em que me sentia efectivamente em casa, sem necessidade de nada mais. Neste ano senti o meu ritmo abrandar. Senti-me a voltar uma década no tempo. A ir ao encontro de um espaço físico e emocional que já senti mas muito no passado. Viver aqui é uma experiência estranha para quem sempre viveu regularmente em sítios demasiado urbanos. É claro que me fazem falta algumas coisas que, por se viver numa grande cidade ou perto dela, damos por garantidas, estão sempre ali, podemos "pegar" nelas quando nos apetece. Aqui não há essas coisas. Mas também não há, ou quase não há, tudo aquilo que dia após dia exaspera qualquer ser humanos que tenha de viver nos grandes centros urbanos. Hoje caminho mais, ando muito menos de carro numa base diária, e, como já disse a algumas pessoas, apenas sinto saudades da minha família e dos meus amigos. São eles a carne e o sangue que me falta ao esqueleto. De resto, tenho aqui estabelecida a minha rotina, os meus momentos de ócio, e graças a algumas incursões num bom raio de quilómetros aqui à volta, conheço um pouco mais do meu país e, arrisco-me a dizê-lo, da parte boa, escondida e que vale a pena o esforço a descobrir. A minha pátria é a língua portuguesa, dizia Pessoa, e eu humildemente acrescento que a minha pátria são as oliveiras, os vales, as encostas das serras, os castelos, os rios, tudo o que me rodeia, e as pessoas. As pessoas. Aqui, nesta minha casa de um ano, as pessoas marcaram-me a ferros. Tenho tantas, tantas pessoas que conheci que davam um livro, literalmente. A sua simpatia, a sua pujança, a sua vontade de lutar e não desistir, o seu abraço, a sua sinceridade, perderia o resto do dia a descrever todas as formas como estas pessoas me receberam. Sempre me tive em conta como uma pessoa que gosta de estar com outras, mesmo nos meus dias de timidez adolescente, sempre me senti bem rodeado de outros seres humanos, mas a profundidade deste sentimento ficou bem mais real aos meus olhos depois deste ano. Tantos momentos que me chegam à memória, tantos segundos de profunda alegria por partilhar esta humanidade, esta gente do campo cujo coração é do tamanho deste país que vive dias tão tristes. Se houve chatices ou momentos de angústia? Claro que sim. Não é por todos falarmos a mesma língua, e eu que tanto inglês e portunhol falei neste ano, que nos ouvimos melhor. Mas passar de uma realidade onde todos os dias havia alguém descontente ou capaz de pegar em armas para nos enfrentar para uma outra onde isso ocorre tão esporadicamente que já nem me lembro quando foi a última, bom, nem sei propriamente como descrever o que isso significa para mim. Escrevo tudo isto para que haja registo, para que possa ler, onde quer que a vida me leve de seguida. Porque esta terra já faz um pouco parte de mim, e há que trabalhar para que continue a ser assim, há que continuar a merecer esta pequeníssima espécie de presente de natal fora de época que me foi entregue em mãos. Tal como tantas coisas que aconteceram nestes trinta e cinco anos de vida, continuo a não perceber porque tenho direito a estes acontecimentos tão bons e tão marcantes. Mas já que é o que tenho, continuemos assim, com a cabeça entre as orelhas, como diria o Sérgio. Obrigado. A emissão segue dentro de momentos.
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5 comentários:
O tempo passa depressa. Ainda bem que está a valer a pena.Fez-me lembrar aquela frase do Fernando Pessoa, que vale sempre a pena quando a alma não é pequena. Obrigado pelas tuas palavras longas mas sempre na altura certa. bjs
Beijo (e vemo-nos entretanto. A próxima vez será em Liboa e quem sabe se depois não será novamente por aí).
RF
Obrigado por estarem desse lado.
Beijos grandes. Com muitas saudades.
Feliz Natal já desde a gelada planície alentejana que engana, subindo em serra para as beiras! Que o próximo ano te traga pelo menos tão boas surpresas como o que passou.
Um beijinho *
Nunca li uma descrição tão boa destas terras :))
A desejar que o teu Natal tenha sido bom. Eu já estou aqui pela planícia a subir de novo.
Beijocas.
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