domingo, março 30, 2008
Sons of Shop Owners of The World Unite!
Primeiro chegou um, depois outros dois, e mais outro ainda. O primeiro recordo-me de o ver pela primeira vez há muitos anos atrás, quando a joalharia do pai dele ainda era na principal avenida da cidade. Quer dizer, hoje em dia continua a ser mas uns números mais acima. Lembro-me que o pai dele era enorme, em todos os sentidos. Alto e gordo, mas com uns dedos hábeis que conseguiam desmontar todas as peças de um relógio num ápice delicado. Não era uma pessoa afável, nem de perto nem de longe, tratava todas as pessoas que passavam pela loja com um profissionalismo quase clínico, quase frio. E era das minhas curtas passagens pela joalharia, pela mão da minha mãe, que me lembrava do filho do joalheiro, sempre atrás do balcão, apenas se vendo os olhos e o cabelo espetado, resultado do gel da moda. Rapaz franzino, quase o oposto do pai, mas também não devia ter mais que cinco ou seis anos. Nunca andámos na mesma classe, nem na mesma escola, mas a minha mãe lembrava-se bem dele. Dizia que ele era quase como eu, sempre a correr de um lado para o outro no recreio, a jogar à bola, ao berlinde, ou à apanhada, mas que, ao contrário de mim, quando chegava a altura de ir para a sala de aula, tornava-se tímido, sossegado e sempre muito concentrado. A minha mãe fazia sempre questão em salientar estas palavras, sempre para mostrar que eu era um aluado nas aulas, sempre a conversar com os colegas de carteira. O que realmente acontecia, e sempre aconteceu enquanto estudei, é que apreendia tudo com muita facilidade em termos de estudo, mesmo sendo um dos mais desatentos nas aulas. O filho do joalheiro também tirava boas notas, no seu estilo mais discreto. Pelo menos era isso que a minha mãe dizia. E assim nunca me tornei amigo dele, pelo simples facto de nunca nos termos cruzado a não ser nessas idas à joalharia. Há pouco tempo passei em frente à nova loja e lá estava ele, à porta, a fumar. Se não fosse o facto de ter conhecido o pai dele, não reconheceria nele o rapaz pequenino de que me recordava na minha infância. Tinha acabado por se tornar no seu pai, com a excepção do bigode e de uma barriga menos proeminente. Apenas por esse encontro, o tinha reconhecido agora, quando ele entrou nos balneários. Continua a ser sossegado, aparentando agora ser bastante mais introvertido do que as recordações contadas pela minha mãe. Os anos não o trataram bem e isso nota-se na sua cara, nos seus movimentos, em todo o seu corpo.
Os outros dois. Sei quem são apenas há alguns anos, quando começaram a trabalhar na loja de roupa da sua mãe. Ela conhece-me desde que eu era um bebé de colo, muito provavelmente. Na verdade, nunca a achei muita simpática. Era sempre um bocado brusca a falar, e com uma voz que soava como um trovão. Lembro-me que também era bastante impetuosa (termo simpático) para com os seus empregados e não se coibia de comentários depreciativos sobre os mesmos em frente aos clientes. Acho, não tenho a certeza, que isso me revoltava um bocado. Mas não o demonstrava, até porque ela gostava imenso da minha mãe. Mas isso também era habitual, a minha mãe sempre foi capaz de criar amizades com todo o tipo de pessoas. Se calhar é por isso que sempre a achei uma pessoa especial. Isso e o facto de ser minha mãe, claro. Só muito mais tarde, e quando a minha ginástica mental já era um bocadinho mais madura, é que percebi que a vida da senhora não devia ser nada fácil, ao criar dois filhos sozinha e ainda ter que gerir uma loja de roupa que chegou a ser das mais procuradas na cidade. Isso devia ser mais que suficiente para deixar qualquer um assim, amargurado com a vida. Dessa loja, lembro-me de uma outra senhora, irmã da dona. Um doce de pessoa. Já na minha infância ela aparentava ter muitos anos, mas isso não a impedia de ser uma jovem, que se metia comigo sempre que eu por lá aparecia, brincando comigo e, uma vez por outra, oferecendo-me um doce. O seu sorriso iluminava toda a loja e, às vezes, lembrava-me o sorriso da minha bisavó. E eu sorria com ela e deixava-me envolver pelo seu carinho. Nunca mais a vi. Na verdade, deixei de a ver mais ou menos na mesma altura em que comecei a ver por lá os filhos da dona da loja. Dizia-me a minha mãe que eram gémeos. Gémeos? Como é que podem ser gémeos? Um é a cara chapada da mãe e outro não tem nem um único traço que o faça aproximar sequer de ser irmão do outro. A minha mãe também diz que esse é mais parecido com pai, pois ela ainda se lembra de ter conhecido o senhor. São, pois, gémeos e trabalham com a mãe na loja de roupa, um no departamento de homem e o outro no departamento de criança. No trato com os clientes, não são semelhantes à sua mãe. Lembram muito mais a imagem mental da minha mãe sobre o pequeno filho do joalheiro. Calmos, de poucas falas. Aliás, com o correr dos anos a sua mãe também ficou assim, mais sossegada, menos autoritária. Pelo menos à primeira vista. São, pois, gémeos falsos, mas quem os visse a entrar neste momento nos balneários, mais facilmente diria que eram de facto gémeos verdadeiros. As mesmas roupas, as mesma mochilas, os mesmo movimentos enquanto abrem os cacifos. E na forma como cumprimentam o filho do joalheiro. Parece que todos se conhecem, não há grandes abraços, mas há cumprimentos cúmplices.
E eis que chega o último. Cumprimenta-me, pergunta-me se está tudo bem. Já nos conhecemos há muitos anos. Fizémos a preparatória e o secundário quase sempre na mesma turma. Apesar disso nunca travámos uma daquelas amizades que duram uma vida inteira. Na verdade, acho que nunca passámos do estádio de conhecidos. Conhecêmo-nos e pronto, nada mais. O que me lembro melhor é que por volta do 11º ano ele largou os estudos para ir trabalhar na loja de ferramentas do pai. Como a loja ficava mesmo na esquina do final da minha rua, continuei a vê-lo praticamente todos os dias. Juntou-se ao pai dele e a mais dois homens que com ele trabalhavam na loja. Era uma loja de ferramentas e quinquilharias, também faziam alguns serviços de acabamentos e ainda faziam chaves e fechaduras. O que mais gostava na loja era uma parede onde tinham todas referências em exposição. Era uma parede que parecia não ter fim, recheada de um número interminável de objectos de trabalhos, desde martelos e chaves de fendas até outras coisas que eu nem percebia muito bem para que serviam. O dono da loja era um senhor muito simpático e sempre bem disposto, e não admirava por isso que a loja estivesse sempre cheia, especialmente aos fins-de-semana, quando o meu pai passava por lá comigo. Os seus empregados também eram muito afáveis, e portanto não me custava mesmo nada estar lá uns minutos à espera enquanto o meu pai era atendido. Nessa altura, o rapaz ainda andava na escola e portanto era raro vê-lo na loja. Devia passar o tempo em casa a estudar, pelo menos era o que todos achávamos pelas notas que ele tirava. Um marrão. Era quase sempre o melhor aluno da turma mas também nunca fazia questão de esfregar-nos isso na cara. Era discreto, não fazia ondas. Por tudo isso, a decisão de ele abandonar os estudos pareceu-me ainda mais estranha. Nessa altura começou a aparecer mais e mais vezes na loja do pai. Normalmente acompanhava sempre um dos empregados, aprendendo com cada um deles a gestão da loja e de tudo o que com ela se relacionava. E assim passei a vê-lo cada vez menos vezes, até que mudei de casa e passámos a encontrar-nos muito esporadicamente nas ruas da cidade. Mas cumprimentávamo-nos sempre, como naquela manhã, no ginásio.
Ali estavam os quatro, formando um círculo, conversando entre eles em voz baixa. Todos eles falando, sem sorrisos. Quatro vidas com quem me cruzei em diferentes períodos da minha vida. Todos eles a trabalharem em lojas que também passaram pela minha vida. E todos eles um pouco estranhos, aos meus olhos. Quase como uma aliança à qual poderia ter pertencido e que agora me exclui. Ironicamente, bem vistas as coisas e se olharmos para o presente. Mal eles sabem...
Os outros dois. Sei quem são apenas há alguns anos, quando começaram a trabalhar na loja de roupa da sua mãe. Ela conhece-me desde que eu era um bebé de colo, muito provavelmente. Na verdade, nunca a achei muita simpática. Era sempre um bocado brusca a falar, e com uma voz que soava como um trovão. Lembro-me que também era bastante impetuosa (termo simpático) para com os seus empregados e não se coibia de comentários depreciativos sobre os mesmos em frente aos clientes. Acho, não tenho a certeza, que isso me revoltava um bocado. Mas não o demonstrava, até porque ela gostava imenso da minha mãe. Mas isso também era habitual, a minha mãe sempre foi capaz de criar amizades com todo o tipo de pessoas. Se calhar é por isso que sempre a achei uma pessoa especial. Isso e o facto de ser minha mãe, claro. Só muito mais tarde, e quando a minha ginástica mental já era um bocadinho mais madura, é que percebi que a vida da senhora não devia ser nada fácil, ao criar dois filhos sozinha e ainda ter que gerir uma loja de roupa que chegou a ser das mais procuradas na cidade. Isso devia ser mais que suficiente para deixar qualquer um assim, amargurado com a vida. Dessa loja, lembro-me de uma outra senhora, irmã da dona. Um doce de pessoa. Já na minha infância ela aparentava ter muitos anos, mas isso não a impedia de ser uma jovem, que se metia comigo sempre que eu por lá aparecia, brincando comigo e, uma vez por outra, oferecendo-me um doce. O seu sorriso iluminava toda a loja e, às vezes, lembrava-me o sorriso da minha bisavó. E eu sorria com ela e deixava-me envolver pelo seu carinho. Nunca mais a vi. Na verdade, deixei de a ver mais ou menos na mesma altura em que comecei a ver por lá os filhos da dona da loja. Dizia-me a minha mãe que eram gémeos. Gémeos? Como é que podem ser gémeos? Um é a cara chapada da mãe e outro não tem nem um único traço que o faça aproximar sequer de ser irmão do outro. A minha mãe também diz que esse é mais parecido com pai, pois ela ainda se lembra de ter conhecido o senhor. São, pois, gémeos e trabalham com a mãe na loja de roupa, um no departamento de homem e o outro no departamento de criança. No trato com os clientes, não são semelhantes à sua mãe. Lembram muito mais a imagem mental da minha mãe sobre o pequeno filho do joalheiro. Calmos, de poucas falas. Aliás, com o correr dos anos a sua mãe também ficou assim, mais sossegada, menos autoritária. Pelo menos à primeira vista. São, pois, gémeos falsos, mas quem os visse a entrar neste momento nos balneários, mais facilmente diria que eram de facto gémeos verdadeiros. As mesmas roupas, as mesma mochilas, os mesmo movimentos enquanto abrem os cacifos. E na forma como cumprimentam o filho do joalheiro. Parece que todos se conhecem, não há grandes abraços, mas há cumprimentos cúmplices.
E eis que chega o último. Cumprimenta-me, pergunta-me se está tudo bem. Já nos conhecemos há muitos anos. Fizémos a preparatória e o secundário quase sempre na mesma turma. Apesar disso nunca travámos uma daquelas amizades que duram uma vida inteira. Na verdade, acho que nunca passámos do estádio de conhecidos. Conhecêmo-nos e pronto, nada mais. O que me lembro melhor é que por volta do 11º ano ele largou os estudos para ir trabalhar na loja de ferramentas do pai. Como a loja ficava mesmo na esquina do final da minha rua, continuei a vê-lo praticamente todos os dias. Juntou-se ao pai dele e a mais dois homens que com ele trabalhavam na loja. Era uma loja de ferramentas e quinquilharias, também faziam alguns serviços de acabamentos e ainda faziam chaves e fechaduras. O que mais gostava na loja era uma parede onde tinham todas referências em exposição. Era uma parede que parecia não ter fim, recheada de um número interminável de objectos de trabalhos, desde martelos e chaves de fendas até outras coisas que eu nem percebia muito bem para que serviam. O dono da loja era um senhor muito simpático e sempre bem disposto, e não admirava por isso que a loja estivesse sempre cheia, especialmente aos fins-de-semana, quando o meu pai passava por lá comigo. Os seus empregados também eram muito afáveis, e portanto não me custava mesmo nada estar lá uns minutos à espera enquanto o meu pai era atendido. Nessa altura, o rapaz ainda andava na escola e portanto era raro vê-lo na loja. Devia passar o tempo em casa a estudar, pelo menos era o que todos achávamos pelas notas que ele tirava. Um marrão. Era quase sempre o melhor aluno da turma mas também nunca fazia questão de esfregar-nos isso na cara. Era discreto, não fazia ondas. Por tudo isso, a decisão de ele abandonar os estudos pareceu-me ainda mais estranha. Nessa altura começou a aparecer mais e mais vezes na loja do pai. Normalmente acompanhava sempre um dos empregados, aprendendo com cada um deles a gestão da loja e de tudo o que com ela se relacionava. E assim passei a vê-lo cada vez menos vezes, até que mudei de casa e passámos a encontrar-nos muito esporadicamente nas ruas da cidade. Mas cumprimentávamo-nos sempre, como naquela manhã, no ginásio.
Ali estavam os quatro, formando um círculo, conversando entre eles em voz baixa. Todos eles falando, sem sorrisos. Quatro vidas com quem me cruzei em diferentes períodos da minha vida. Todos eles a trabalharem em lojas que também passaram pela minha vida. E todos eles um pouco estranhos, aos meus olhos. Quase como uma aliança à qual poderia ter pertencido e que agora me exclui. Ironicamente, bem vistas as coisas e se olharmos para o presente. Mal eles sabem...
sexta-feira, março 28, 2008
Six sides to every story (telling)
"Seven simple rules of going into hiding: one, never trust a cop in a raincoat. Two, beware of enthusiasm and of love, both are temporary and quick to sway. Three, if asked if you care about the world's problems, look deep into the eyes of he who asks, he will never ask you again. Four, never give your real name. Five, if ever asked to look at yourself, dont. Six, never do anything the person standing in front of you cannot understand. And finlly seven, never create anything, it will be misinterpreted, it will chain you and follow you for the rest of your life."
quinta-feira, março 27, 2008
terça-feira, março 25, 2008
Fundido
E ontem a RTP 2 decidiu deixar-me ainda mais confuso.
Afinal de contas, no reino dos meus sonhos, eu dei de caras com a Jordan ou com a Whitney? Ou ando a ter algum flashback manhoso sobre alguém de há muitos anos atrás? Ou, melhor ainda, ganhei alguma aptidão sensorial e ando a sonhar com alguém que ainda vou conhecer? E se sim, isso significa que vou ascender a um plano espiritual mais elevado e começar a ouvir música com gemidos de golfinhos e baleias, acompanhados de pan pipes?
É oficial, o meu disco rígido crashou. Chamem o apoio técnico, por favor.
Afinal de contas, no reino dos meus sonhos, eu dei de caras com a Jordan ou com a Whitney? Ou ando a ter algum flashback manhoso sobre alguém de há muitos anos atrás? Ou, melhor ainda, ganhei alguma aptidão sensorial e ando a sonhar com alguém que ainda vou conhecer? E se sim, isso significa que vou ascender a um plano espiritual mais elevado e começar a ouvir música com gemidos de golfinhos e baleias, acompanhados de pan pipes?
É oficial, o meu disco rígido crashou. Chamem o apoio técnico, por favor.
segunda-feira, março 24, 2008
Dreaming with Jordan
Porque é que invadiste os meus sonhos de ontem à noite?
E o pior de tudo é que não andámos enrolados debaixo de nenhuns lençois. Mais trágico ainda, não investigámos nenhum crime, não pegámos em nenhum bisturi, não passámos em nenhuma morgue, não assistimos a nenhum gadget esquisito do Nigel. Nada de nada.
Não sei bem como mas apenas me lembro de estarmos numa versão televisiva disto. Também não me lembro muito bem o que lá estavámos a fazer, se assistíamos, se participávamos, se erámos entrevistados por um João Lopes estranhamente bem disposto. A perplexidade era tanta que me lembro de nos levantarmos e fugirmos pelo estúdio fora, correndo por um parque enquanto a lua cheia nos servia de farol. O cansaço acabou por nos apanhar e sentámo-nos num banco de jardim. Com muita pena minha (tenho de começar a deixar um bloco de apontamentos na mesa de cabeceira, acho que até já tinha tomado esta resolução há algum tempo), não me recordo das palavras que trocámos, que por acaso até acho que foram em português. Lembro-me de adormecer no banco de jardim, completamente extenuado. E também me lembro de me teres acordado, com pressa, demasiada pressa, puxando-me pela mão e voltando a correr pelo parque fora. E tenho uma indistinta impressão que, pelo meio disto tudo, houve uma qualquer remota referência a extra-terrestres, e umas luzes estranhas no céu. E depois fugiu tudo da minha compreensão, com o som do despertar vindo do telemóvel. E ali fiquei, na cama, a pensar que devo ter atingido a minha crise de meia-idade e, em vez de comprar um carro desportivo, voltei a ter sonhos próprios de quem tem uns quinze anos ou algo assim.
(O mais estranho é que nem acho a série algo de especial, apesar do zapping se demorar por ali algum tempo.)
E o pior de tudo é que não andámos enrolados debaixo de nenhuns lençois. Mais trágico ainda, não investigámos nenhum crime, não pegámos em nenhum bisturi, não passámos em nenhuma morgue, não assistimos a nenhum gadget esquisito do Nigel. Nada de nada.
Não sei bem como mas apenas me lembro de estarmos numa versão televisiva disto. Também não me lembro muito bem o que lá estavámos a fazer, se assistíamos, se participávamos, se erámos entrevistados por um João Lopes estranhamente bem disposto. A perplexidade era tanta que me lembro de nos levantarmos e fugirmos pelo estúdio fora, correndo por um parque enquanto a lua cheia nos servia de farol. O cansaço acabou por nos apanhar e sentámo-nos num banco de jardim. Com muita pena minha (tenho de começar a deixar um bloco de apontamentos na mesa de cabeceira, acho que até já tinha tomado esta resolução há algum tempo), não me recordo das palavras que trocámos, que por acaso até acho que foram em português. Lembro-me de adormecer no banco de jardim, completamente extenuado. E também me lembro de me teres acordado, com pressa, demasiada pressa, puxando-me pela mão e voltando a correr pelo parque fora. E tenho uma indistinta impressão que, pelo meio disto tudo, houve uma qualquer remota referência a extra-terrestres, e umas luzes estranhas no céu. E depois fugiu tudo da minha compreensão, com o som do despertar vindo do telemóvel. E ali fiquei, na cama, a pensar que devo ter atingido a minha crise de meia-idade e, em vez de comprar um carro desportivo, voltei a ter sonhos próprios de quem tem uns quinze anos ou algo assim.
(O mais estranho é que nem acho a série algo de especial, apesar do zapping se demorar por ali algum tempo.)
domingo, março 23, 2008
Feriado
"É feriado, domingo interessante.
Aos pares, as horas passam.
As raparigas foram merecidamente lanchar
com os namorados a Sintra (conduzem eles).
As velhas que espreitam a vizinhança continuam.
As pessoas anónimas lançam
olhares anónimos quando se cruzam.
Não há frio nem candor.
Cheira a feriado.
Alguém fala sobre o sangue de Cristo."
Aos pares, as horas passam.
As raparigas foram merecidamente lanchar
com os namorados a Sintra (conduzem eles).
As velhas que espreitam a vizinhança continuam.
As pessoas anónimas lançam
olhares anónimos quando se cruzam.
Não há frio nem candor.
Cheira a feriado.
Alguém fala sobre o sangue de Cristo."
Pedro Mexia
terça-feira, março 18, 2008
segunda-feira, março 17, 2008
quinta-feira, março 13, 2008
Fly off
O Espaço está a precisar de inspiração e por isso mete férias por uns dias. É hora de ouvir as badaladas do Big Ben, ver o nevoeiro a rodear o Tamisa e, quem sabe, saborear umas Guinesses ou mesmo um Soju. Até porque there's no place like London...
Excuse me, sir, do you know the way to Fleet Street?
Why, are you in need of a shave?
No, thank you. I prefer to keep my beard the way it is.
How about a meat pie?
...ah... I don't think so... not that ungry...
Excuse me, sir, do you know the way to Fleet Street?
Why, are you in need of a shave?
No, thank you. I prefer to keep my beard the way it is.
How about a meat pie?
...ah... I don't think so... not that ungry...
terça-feira, março 11, 2008
segunda-feira, março 10, 2008
Inutilidades - VI
"Os antepassados do presidente George W. Bush são de Essex, na Inglaterra. Um dos seus antepassados foi preso por caçar pombas. Para sorte de Bush, fê-lo um ano depois de a lei ter sido mudada. O castigo, antes disso, era a castração."
Sponsored by Ms D. Airways.
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domingo, março 09, 2008
A génese
Uma música que estava a passar no rádio do carro.
Um dia que vai terminando lá fora.
Um pessoa que passa por mim, caminhando ao longo da estrada.
A memória de uma notícia que me deixou com um nó na garganta.
Um dia que vai terminando lá fora.
Um pessoa que passa por mim, caminhando ao longo da estrada.
A memória de uma notícia que me deixou com um nó na garganta.
sábado, março 08, 2008
The Lighthouse
O sol está a morrer, lentamente, atrás da serra.
A luz vai-se desvanecendo, enquanto ao longo da estrada vão nascendo pequenos pirilampos de electricidade. António continua as suas passadas, de óculos escuros, escondendo os olhos inchados da pouca luz que ainda o rodeia. As suas lágrimas já secaram, ainda que por dentro tudo pareça tão estilhaçado como no dia anterior. Tinha a fugaz esperança de que a manhã de hoje significasse o término de tudo. Do seu sofrimento, do ambiente de tristeza em que tinha navegado nos últimos dias, dos conselhos e palavras amigas que já não suportava ouvir, de todo um mar de gente que ameaçava engoli-lo, sufocá-lo, simplesmente torná-lo apenas mais uma peça da engrenagem. Mas a sua esperança, tal como aquele dia, permanecia escondida nas sombras dos seus recessos interiores. Afinal, era nas sombras que a morte se ocultava e esperava, pacientemente, pelos seus parceiros de viagem, que a acompanhariam para longe de quem os amava. Para longe de António.
O tempo estava esquisito. Tanto havia sol, como nuvens no minuto seguinte.
Já caminhava há algumas horas. É claro que não sabia para onde, a vida, para ele, ainda mal tinha começado. E nem sequer se podia denominar de vida, o que quer que fossem os seus dias a partir dali. Uma sucessão infinita de horas, minutos, segundos, sem que António pudesse formar uma ideia que fosse na sua mente. Algo que não lhe recordasse os olhos de Ana, os cabelos de Ana, o sorriso de Ana, os lábios de Ana, o perfume de Ana, o sussurrar de Ana, as mãos de Ana, a sua vida sem Ana. O peito apertava-se-lhe mais uma vez. Já não tinha nada dentro de si. Já não haviam palavras, gestos, olhares, pensamentos, nada que pudesse apagar aquela dor que carregava consigo naquela caminhada junto à estrada. Parecia que a dor o rasgava em dois. Dois farrapos de papel turvos e amarrotados, deixados a vogar de acordo com a direcção do vento, que ele desejava que soprasse para longe dali, para os braços de uma impossibilidade física.
O frio aumentava, um frio cruel como navalhas.
Tinha sido o último a abandonar o cemitário. As suas pernas eram como raízes, cravadas no solo, agarrando-o ao que restava do seu coração. Ana estava mesmo ali. Mas já não era ela. Era apenas um casulo, abandonado pela única pessoa que ele tinha amado com todas as suas forças. Ana tinha entrado na sua vida como um profeta, abrindo as águas e salvando-o de um mar revolto que teria, com toda a certeza, levado António para um caminho bem diferente, escuro, cruel, ingrato. Mas ela tinha assegurado que isso não acontecesse. Com um gesto apenas tinha-o resgatado, com um amor que não conhecia barreiras de nenhuma espécie. Pelo menos ele assim o tinha acreditado. Mas agora já não sabia se valia a pena acreditar em alguma coisa. A lápide, branca e imaculada, escarnecia de todos os seus sonhos e de todo o seu sofrimento. António sentia-se resvalar de novo para o mar revolto. Sem a sua luz, morta e enterrada, ele não sabia o que seria de si. O mundo parecia ter sido coberto por uma espessa névoa na qual ele apenas podia deambular como uma alma perdida, um sucedâneo cinzento daquilo que António tinha sido ao lado de Ana. E o olhar perdido, eternamente vago, eternamente manchado pela ausência do olhar de quem significava tudo para ele.
A noite tinha chegado. À noite a sua alma era um fogo que o consumia.
A luz vai-se desvanecendo, enquanto ao longo da estrada vão nascendo pequenos pirilampos de electricidade. António continua as suas passadas, de óculos escuros, escondendo os olhos inchados da pouca luz que ainda o rodeia. As suas lágrimas já secaram, ainda que por dentro tudo pareça tão estilhaçado como no dia anterior. Tinha a fugaz esperança de que a manhã de hoje significasse o término de tudo. Do seu sofrimento, do ambiente de tristeza em que tinha navegado nos últimos dias, dos conselhos e palavras amigas que já não suportava ouvir, de todo um mar de gente que ameaçava engoli-lo, sufocá-lo, simplesmente torná-lo apenas mais uma peça da engrenagem. Mas a sua esperança, tal como aquele dia, permanecia escondida nas sombras dos seus recessos interiores. Afinal, era nas sombras que a morte se ocultava e esperava, pacientemente, pelos seus parceiros de viagem, que a acompanhariam para longe de quem os amava. Para longe de António.
O tempo estava esquisito. Tanto havia sol, como nuvens no minuto seguinte.
Já caminhava há algumas horas. É claro que não sabia para onde, a vida, para ele, ainda mal tinha começado. E nem sequer se podia denominar de vida, o que quer que fossem os seus dias a partir dali. Uma sucessão infinita de horas, minutos, segundos, sem que António pudesse formar uma ideia que fosse na sua mente. Algo que não lhe recordasse os olhos de Ana, os cabelos de Ana, o sorriso de Ana, os lábios de Ana, o perfume de Ana, o sussurrar de Ana, as mãos de Ana, a sua vida sem Ana. O peito apertava-se-lhe mais uma vez. Já não tinha nada dentro de si. Já não haviam palavras, gestos, olhares, pensamentos, nada que pudesse apagar aquela dor que carregava consigo naquela caminhada junto à estrada. Parecia que a dor o rasgava em dois. Dois farrapos de papel turvos e amarrotados, deixados a vogar de acordo com a direcção do vento, que ele desejava que soprasse para longe dali, para os braços de uma impossibilidade física.
O frio aumentava, um frio cruel como navalhas.
Tinha sido o último a abandonar o cemitário. As suas pernas eram como raízes, cravadas no solo, agarrando-o ao que restava do seu coração. Ana estava mesmo ali. Mas já não era ela. Era apenas um casulo, abandonado pela única pessoa que ele tinha amado com todas as suas forças. Ana tinha entrado na sua vida como um profeta, abrindo as águas e salvando-o de um mar revolto que teria, com toda a certeza, levado António para um caminho bem diferente, escuro, cruel, ingrato. Mas ela tinha assegurado que isso não acontecesse. Com um gesto apenas tinha-o resgatado, com um amor que não conhecia barreiras de nenhuma espécie. Pelo menos ele assim o tinha acreditado. Mas agora já não sabia se valia a pena acreditar em alguma coisa. A lápide, branca e imaculada, escarnecia de todos os seus sonhos e de todo o seu sofrimento. António sentia-se resvalar de novo para o mar revolto. Sem a sua luz, morta e enterrada, ele não sabia o que seria de si. O mundo parecia ter sido coberto por uma espessa névoa na qual ele apenas podia deambular como uma alma perdida, um sucedâneo cinzento daquilo que António tinha sido ao lado de Ana. E o olhar perdido, eternamente vago, eternamente manchado pela ausência do olhar de quem significava tudo para ele.
A noite tinha chegado. À noite a sua alma era um fogo que o consumia.
quinta-feira, março 06, 2008
Gelo
No dia de hoje não sei o que é que foi pior de assistir. Se o sapateado do W., se o cotovelo idiota do Cardozo... Há dias mesmo favoráveis à teoria da conspiração...
quarta-feira, março 05, 2008
Explicações de Português
"Fazer amor é sempre a expressão mais indicada. Quem me dera que os Portugueses a aplicassem mais vezes. Quando um portuga olha, desesperado, para o recibo do vencimento e vê que o patrão lhe descontou a verba quase toda, por que é que não diz, em vez do costume, «Pronto! Já me fizeram amor!»?
Quando uma mulher portuguesa já não pode ouvir mais o namorado ou marido a protestar e a queixar-se por tudo e mais alguma coisa, por que é que, em vez de encrespar, não diz simplesmente, «Ó filho, não me faças amor ao juízo!»?
Seja na forma rude ou na forma polida, a expressão é estranha. Quem é que não gostaria que alguém lhe fizesse amor ao juízo? Ao juízo, que anda sempre tão carente. Ao juízo ou a outra parte qualquer. É ou não é estranha a civilização ocidental, onde a pior coisa que se pode dizer é mandar alguém ir-se fazer amar («Vai-te fazer amor!»)?"
Quando uma mulher portuguesa já não pode ouvir mais o namorado ou marido a protestar e a queixar-se por tudo e mais alguma coisa, por que é que, em vez de encrespar, não diz simplesmente, «Ó filho, não me faças amor ao juízo!»?
Seja na forma rude ou na forma polida, a expressão é estranha. Quem é que não gostaria que alguém lhe fizesse amor ao juízo? Ao juízo, que anda sempre tão carente. Ao juízo ou a outra parte qualquer. É ou não é estranha a civilização ocidental, onde a pior coisa que se pode dizer é mandar alguém ir-se fazer amar («Vai-te fazer amor!»)?"
Miguel Esteves Cardoso
Ondas Sonoras - XXXII
sábado, março 01, 2008
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