Subi as escadas. Degrau a degrau, enfrentando a quase total escuridão apenas quebrada pela claridade invasora vinda das janelas. Vejo as teias de aranha, nos cantos e recantos das salas. O pó acumulado de um ano sobre as pastas, as mesas, as cadeiras. Um ano sem vivalma entrar naqueles espaços. Aqui e ali pequenos vestígios da presença humana. Uma garrafa de água, ainda com algum líquido, a tampa logo ao lado, repousando ao pé de um cinzeiro apenas preenchido de pó. Um caneta, seca de tinta, acompanhada de um dossier aberto numa página em branco e de um calendário atrasado de muitos meses. Entro num antigo arquivo, uma dezena de estantes repletas de dossiers que um dia terão sido pretos, agora cobertos de uma névoa que por aqui foi ficando até se instalar por inteiro. Leio as lombadas. Invocam diferentes departamentos, variadas funções, recuando no tempo, cinco, dez, quinze anos. Os mesmos anos dos cartazes motivacionais, promocionais e outros que tais que decoram as paredes. Tudo envelhecido antes do tempo, papel amarelado, tinta desbotada, na maior parte dos casos a esconder a humidade e as infiltrações do edifício. Fico com o olhar preso num livro, em cima de uma secretária, que parece lembrar-me outros tempos, mais inocentes, da minha própria infância. Sopro o pó que o cobre, abro-o e folheio as páginas. Nomes atrás de nomes, dias atrás de dias, horas de entrada, horas de saída. Assinaturas copiadas até ao fim da cada página. Reconheço um ou dois dos nomes, numa pequena imensidão de outras pessoas, homens e mulheres que passaram e trabalharam por esta casa. Retratos a caneta bic azul de um tempo que já pertence ao passado e não verá a luz do futuro. Algumas das estantes não aguentaram o desaparecimento das pessoas e deixaram-se desfalecer sob o peso dos papéis e mais papéis. Ali jazem, no chão de fórmica, inertes, derrotadas, esperando o momento em que serão depositadas num qualquer aterro ou compactador que as devolva à vida sob uma outra qualquer forma. Papéis em cima de papéis em cima de mais papéis. Espalhados por todas as salas. Sempre à espera de um olhar que os veja mais uma vez, que os veja como mais do que uma obrigação legal, imposição burocrática que teima em desaparecer. De que servem agora? Se alguém lhes ateasse fogo, quem precisaria mais deles? Para quê? Para acabarem aqui, tão derrotados como a empresa que aqui morou. Apenas isto resta, anos e anos de trabalho, suor, vitórias, lágrimas, derrotas, tudo isto para nada mais ficar. É tempo de limpar tudo. Varrer o chão, os papéis, as teias de aranha, as vidas que abandonaram este sítio e apenas continuaram fora destas quatro paredes. Aqui dentro acabou-se. Uma nova alma virá ocupar isto, mas agora é apenas respeitar o silêncio que aqui há e recordar os erros, lembrar por momentos o que aqui houve e trabalhar para que a história não se repita e pensar que a esperança pode ser muito mais que o nome de uma aldeia ou o nome de uma infeliz campanha publicitária. A esperança, ou melhor, a Esperança pode começar neste preciso segundo. Assim o esperamos.