sábado, abril 05, 2008
Ar
O homem tinha dificuldade em respirar. Não devia ter bebido aquele último gole. Ou então devia ter refreado a ânsia que sentia em matar a sede. Talvez assim tivesse impedido aqueles últimos dezoito minutos de um tosse convulsa contínua. Sentia-se desfalecer com a falta de ar que os seus pulmões reclamavam. Era quase irónico que a sua vida fosse terminar assim. Logo ele que apenas tinha fumado meia dúzia de cigarros em toda a sua vida. E isso como um mero remendo das saudades que o atacaram durante todos os seus meses passados no Lobito. E agora ali estava ele, estendido numa cama, revivendo incessantemente pormenores mais felizes da sua longa vida. Num cama, tendo por companhia outros dois moribundos, ambos com os seus pulmões massacrados por um cancro sem remorsos, que os consumia como eles consumiram cigarros atrás de cigarros, ao longo das suas vidas encurtadas. E ele que também não conseguia respirar e não sabia porquê. E não havia nada que o aliviasse, nada. Nem mesmo a preciosa solidão que o isolava de todos os outros doentes, rodeados por um nunca acabar de familiares e amigos. No seu íntimo, ele sabia que os seus dias haviam de acabar assim. E não fosse o simples facto do oxigénio estar permanentemente a fugir das suas vias respiratórias, até que quase podia sentir alivio e uma sensação de um trabalho bem feito. Ponto final, parágrafo.
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6 comentários:
We should all be so lucky... or not...
Abraço.
Or not, my friend. Or not.
Abraço.
Definitely not...
**
"Na realidade nunca estamos preparados."
...Fáque! Espero que o homem ao menos ja tivesse passado dos 80. Live long and prosper!
88.
And not dead yet. But very, very lost.
Infelizmente.
lembra-me uma história de charutos cubanos...
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