quinta-feira, dezembro 30, 2010

músicas para 2010

Seven, Fever Ray



Zebra, Beach House



Vagabundo, Bernardo Sassetti Trio



O seio esquerdo de r.p., Mão Morta



Your hands (together), The New Pornographers



Window seat, Erykah Badu



Summer Mood, Best Coast



Aunque no sepa cantar mi corazón es lleno como una ola que se levanta temprano conectada a los misterios primordiales más profundos, Tigrala



Fuck you, Cee Lo Green



I didn't see it coming, Belle & Sebastian



A guerra das rosas, Camané



Palco do tempo, Noiserv




quarta-feira, dezembro 29, 2010

palavras para 2010

janeiro,
"Uma daquelas alcunhas que vinham dos tempos de infância e que atravessavam o tempo, agarrando-se ao nome de todas as pessoas que viviam na aldeia e as acompanhavam até ao fim dos seus dias."

fevereiro,
"Não ousei beijar-te pois os teus olhos continuavam a olhar para além do vidro por onde corriam milhentas gotas de chuva. Não ousei beijar-te nem na face onde as tuas lágrimas ainda não tinham secado. Nunca te tinha visto chorar."

março,
"Com um sentimento de alívio e sem mais esperar, tiro-lhe a arma das mãos..."

abril,
"De acordo com o médico legista, a mulher deveria ter 25 anos, um metro e setenta, sessenta e três quilos, destra, nascida no Alentejo, adepta do Desportivo de Chaves, sócia do viva-fit há dois meses, com especial apetência por fetiches relacionados com cintas anatómicas e capaz de comer três mcbacons seguidos."

maio,
"Todos os pequenos pormenores que tenho agora, aqui, neste momento, a toda à minha volta, pequenas coisas onde está o teu olhar, o teu sorriso, o teu ser."

junho,
"Desde o momento em que as altas instâncias políticas do país tinham feito o dramático anúncio, todos os problemas económicos, sociais, culturais, religiosos, enfim todas aquelas questões que enchiam os telejornais como balões de ar quente, tudo tinha ficado resolvido."

julho,
"Apenas sei que aquela manhã ficou gravada em mim, e lembro-me de procurar, de cada vez que tornavas a aparecer na televisão, lembro-me de sempre procurar os teus olhos, se continuavam a ser pensativos, profundos, enquanto te deixavas arrebatar pela música e pelas palavras."

agosto,
"Toda a alma vai para eles, e mesmo assim ainda é preciso ouvir palavras insanes, gestos que rasgam o coração e nos deixam de rastos, atitudes bafientas de uma sacristia que apenas serve de ornamento."

setembro,
"Outros tempos mais simples, os mesmos sentimentos, sem tirar nem pôr, que sinto no presente..."

outubro,
"Que, ao virar a última página, a sua vida não foi mais do que aquela que imaginou para uma das suas desgraçadas personagens numa das suas míseras estórias."

novembro,
"enquanto os céus ardem, cá em baixo pensa-se que está mais que na altura de assentar arraiais, deixar-me de correrias, e finalmente abrir a porta de casa e esperar que os céus continuem a arder assim."

dezembro,
"Como se alguém estivesse interessado em ler sobre farturas e queimaduras e afins..."


terça-feira, dezembro 28, 2010

livros para 2010

"Elegia para um Americano", Siri Hustvedt

"Mulher em Branco", Rodrigo Guedes de Carvalho

"Exit Ghost", Phillip Roth

"London: From Punk To Blair", Joe Kerr & Andrew Gibson

"A Dança dos Fantasmas", Ana Teresa Pereira

"Mere Anarchy", Woody Allen

"The White", Adrian Caesar

"As Intermitências da morte", José Saramago

"Simon's Cat", Simon Tofield

"A Mecânica da Ficção", James Wood

"Underworld", Don DeLillo

"Heiddeger e um Hipopótamo chegam às Portas do Paraíso", Thomas Cathcart & Daniel Klein


segunda-feira, dezembro 27, 2010

filmes para 2010

Where The Wild Things Are









Um Homem Sério








Invictus










Alice In Wonderland











Cold Souls










Blade Runner










The Ghost Writer








Inception








Shortbus









The Future Is Unwritten








Átame!








The Social Network










quinta-feira, dezembro 23, 2010

Estamos quase lá

Está o mundo a acabar? Sim, provavelmente, para muitos ele acaba todos os dias.
Numa altura em que se começam a fazer balanços, a pesar o bom com o menos bom, quando apenas pensamos que vamos ter alguns dias cheios, repletos de todos os sentimentos bons pelos quais ansiamos todos os dias, talvez, apenas talvez, também seja uma altura em que devemos dar graças por tudo o que temos, para pensar que há quem seja menos afortunado do que nós, até em pequeníssimas coisas, como estar apenas sozinho, não ter alguém que o abrace, não ter meia dúzia de trocos para se abandonar a uma pequena guloseima, não poder retribuir completamente àqueles que lhe dão tanto, podia estar aqui a enumerar mil e uma coisas nas quais também penso nesta época e pelas quais, para minha grande fortuna, não tenho de passar ou já passei e não tenho de pensar nelas no momento presente.
Por tudo isto quero agradecer. Por nada em específico mas sim por tudo. Por tudo aquilo que até hoje recebi, por tudo aquilo que continuo a receber, no fundo por ter pessoas na minha vida que fazem com que viver esta vida seja, na realidade, um privilégio que gostava que houvesse mais pessoas neste mundo a poder disfrutar.
Obrigado.
Bom Natal.
Sejam felizes.
E, já agora, bem hajam.

quarta-feira, dezembro 22, 2010

Um buraco no coração


(ou como a memória nos pode enganar tão confortavelmente...)


segunda-feira, dezembro 20, 2010

Tudo o que eu quero pelo Natal...


... é dançar com uma garrafa de plástico no meio de uma pista de dança. :)))
Rodeado das melhores pessoas com quem poderia estar. Obrigado por (mais) uma noite memorável!





terça-feira, dezembro 14, 2010

to be continued

A comprar...
A escrever...
A embrulhar...
A colar...
Tudo ao mesmo tempo e tudo fora do horário normal de expediente.

Não há alguém que crie uma daquelas petições online para estipular que Dezembro passe a ser um mês oficial de férias para todos?

Era só isto.
Acabo de colocar uma "tabuleta virtual" neste Espaço. Tipo quarto de hotel. Não incomodar sff.

Até já.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Killer Richardson



"You talkin' to me? You talkin' to me? You talkin' to me? Then who the hell else are you talking... you talking to me? Well I'm the only one here. Who the fuck do you think you're talking to? Oh yeah? OK."


segunda-feira, dezembro 06, 2010

Hoje não escrevo.

Deixo isso para quem realmente percebe da poda e nos deixou palavras que realmente nos deixam sem as mesmas. E há algo aqui de estranhamente familiar...



domingo, dezembro 05, 2010

"Desculpe, podia dizer-me..."



As farturas? É fácil, siga sempre em frente, vire lá ao fundo à esquerda e continue até chegar à fonte municipal. Ele está mesmo ao lado.


sábado, dezembro 04, 2010

História verídica, com alguma imaginação pelo meio

- Pai...
- Diz, filho.
- Porque é que a tua pele neste lado do braço tem rugas?
- Isto? Nunca te contei como é que isto ficou assim?
- Não, nunca me disseste. Conta.
- Bom, isto já aconteceu há quase dez anos atrás. E tudo por causa das farturas.
- Aquelas que tu fazes aos domingos?
- Sim, essas mesmas.
- Mas já fazes farturas há tantos anos assim?
- É verdade. O tempo passa tão depressa que às vezes nem damos conta e já lá foram dez anos. Não devia ter muitos mais anos do que tu quando apareceu a ocasião de me tornar um artesão da fartura, como eu gosto de dizer.
- Mas continuas a ser pintor de carros, não continuas, pai?
- Claro que sim, filho. Mas só durante a semana e só porque gosto do que faço e só porque temos de ter outra coisa que pague as contas para lá das farturas. Coitadas, já se venderam muito mais do que agora...
- Não digas isso, pai, que quando saio da missa e passo em frente à tua roulote, estás sempre rodeado de gente, velhos e novos. Até estrangeiros já lá vi!
- Pois é. Felizmente ainda tenho os meus clientes de sempre e a aldeia ainda vai tendo uns quantos turistas a passar por cá e que acham muita piada às minhas farturas...
- Mas ainda não me disseste como aconteceram as rugas.
- As rugas... Bom, isso aconteceu se calhar por falta de experiência minha, não sei. Ainda nem sequer tinha passado um mês desde que tinha comprado a roulote à Dona Rosa.
- Quem era a Dona Rosa, pai?
- Era uma senhora muito simpática e trabalhadora. Havias de a ter conhecido. Foi amiga da nossa família durante muitos e muitos anos. E sempre que havia uma churrascada daquelas que nós fazemos, com a familia toda junta, a Dona Rosa era sempre convidada e aparecia sempre com muitas farturas para pequenos e graúdos. Era sempre uma festa.
- Mas isso quer dizer que ela também sabia fazer farturas?
- Claro que sim. Foi a Dona Rosa que me ensinou tudo sobre farturas, como as fazer assim tão deliciosas. E foi ela que me vendeu a sua roulote durante uma das churrascadas. Nesse dia a Dona Rosa estava a contar-nos que mais dia menos dia ia ver-se livre da roulote. Ela não tinha filhos nem familiares interessados em continuar o negócio e estava a ficar muito velha para estar ali ao ar livre, todos os fins-de-semana. E então perguntou-nos se conhecíamos alguém interessado em comprar a roulote.
- E tu disseste logo que a querias? Porquê?
- Não, filho. Eu estava a ouvir a história como tu também agora a ouviste. E foi o teu tio António que se virou e disse "aqui o João é que era homem para comprar isso, Dona Rosa! O problema é que ele ia passar o tempo todo a comer as farturas!", e desatou numa daquelas gargalhadas à tio António.
- Ficaste chateado, pai?
- Não, filho. Sabes bem que eu gosto muito do teu tio e das tiradas dele. Não, eu apenas disse à Dona Rosa, "você sabe que eu gosto muito das suas farturas e não me farto de a ver a fazê-las. Mas não tenho nem dinheiro para lhe comprar a barraca nem sei fazer farturas como a senhora." Tens de ver, filho, que na altura em que isto aconteceu eu tinha acabado de me casar com a tua mãe e ainda estava à experiência na oficina. Mal nos sobrava dinheiro ao fim do mês...
- E o que é que a Dona Rosa disse?
- Bom, ela começou por me perguntar se tinha mesmo interesse em aprender a fazer farturas, e eu disse-lhe que sim. E ela abriu muito aqueles olhos lindos que ela tinha e disse logo que o dinheiro para comprar a roulote não era problema, que eu ia pagando aos poucos, com o que fizesse nos primeiros domingos em que a utilizasse. E depois, quase sem esperar que eu respondesse, ficou logo combinado que no domingo seguinte eu iria com ela para a roulote, onde ela me ia ensinar todos os segredos e manhas de uma boa fartura. E foi mais ou menos assim que acabei por ficar com a roulote. Tive a companhia da Dona Rosa durante uns três, quatro domingos, ela ensinou-me tudo o que havia para me ensinar, e a partir daí deu-me as chaves para a mão, deu-me um beijo e disse que sempre ficaria agradecida por eu ter aparecido na sua vida e continuado a sua arte.
- E as rugas? E as rugas?
- É verdade, já me estava a esquecer. Isso aconteceu quando já fazia as farturas há um par de meses. Na verdade, ainda estou para saber o que aconteceu, porque o mais normal numa roulote de farturas é uma pessoa ficar queimada com o óleo, mas não foi por causa disso. Estava a mudar a bilha do gás, que na altura ainda ficava dentro da roulote, e ainda devia ter um restinho de gás que acabou por inflamar. A única coisa que pensei quando me atirei para a frente com os braços foi que a tua mãe estava ao meu lado. E quando voltei a pensar novamente, tinha os braços quase todos queimados.
- A sério? Mas eu nunca reparei em nada. Só nestas rugas pequeninas que aqui tens...
- Pois é. A coisa podia ter corrido muito mal. Mas sucederam-se uma série de pequenas coisas boas que ajudaram a que não ficasse com muitas cicatrizes. Primeiro a tua mãe colocou logo os meus braços numa bacia com muita água fria, enquanto conduzia o carro a toda a velocidade para o hospital na cidade.
- A mãe? A conduzir a mais de 60 à hora?
- A sério. Acho que nunca mais a vi a guiar tão depressa. Quando chegámos ao hospital, mesmo com a água fria, já havia partes dos meus braços onde a pele tinha caído e outras onde havia enormes bolhas. Felizmente fui atendido por uma médica espanhola extremamente competente, que tinha chegado à cidade há umas duas semanas. Ela foi muito atenciosa e cuidou de mim da melhor maneira possível, deu-me uma pomada para colocar nos braços e enfaixou-mos muito bem com não sei quantos pensos e compressas. E disse-me para voltar na semana seguinte.
- E depois, pai?
- Bem, já sabes que sou um bocado assim para o desenrascado. Por isso, estive muito atento à maneira como a enfermeira ia fazendo os pensos, de maneira que, quando voltei a casa e durante essa semana, fiz a mudança dos pensos uma série de vezes, sempre aplicando a pomada como a doutora me tinha explicado. Quando lá cheguei para a consulta, a médica nem quis acreditar, pois os braços estavam quase, quase como novos, apenas restanto algumas bolhinhas nesta zona onde ficaram as rugas. Contei-lhe o que tinha feito e ela ficou tão impressionada comigo que, mesmo hoje, quando nos cruzamos na cidade, ela faz-me uma grande festa e fala sempre nas minhas queimaduras que até parece que nunca aconteceram. E olha que já passaram quase dez anos...
- Caramba! E pensar que nunca me tinhas contado essa história...
- Nunca me tinhas perguntado. E não é uma história assim tão interessante...
- Isso dizes tu. É uma grande história. Alguém devia passá-la a um livro ou assim...
- Ora. Como se alguém estivesse interessado em ler sobre farturas e queimaduras e afins... Olha, filho, vou mas é deitar-me que amanhã é dia de fazer farturas e algo me diz que vai estar sol e vou ter muitos clientes...
- Fazes muito bem. Não te esqueças de guardar uma para mim, como de costume.
- Claro que não me esqueço, filho. Boa noite.
- Boa noite, pai. Dorme bem.




(Pequena homenagem a alguém que nos tratou de forma tão simpática e humilde e que tornou um dia já de si muito bom num dia verdadeiramente inesquecível. Um grande bem haja e um destes domingos passo novamente por aí para comer uma fartura. E quem sabe mostrar-lhe estas palavras, ainda que falhas de alguma veracidade. Mas acho que o essencial está cá.)

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Depois das rações, dos bebedouros, das cercas...

... eis que já tenho a minha própria produção pecuária.





Obrigado, malta do LB!!

quinta-feira, novembro 18, 2010

Casa de partida, receba dois mil escudos...

E pronto. De acordo com o sempre útil google maps, é qualquer coisa como,

+39° 17' 12.51", -7° 25' 57.73"



Apareçam! :)


quinta-feira, novembro 04, 2010

Novamente com poucas palavras


enquanto os céus ardem, cá em baixo pensa-se que está mais que na altura de assentar arraiais, deixar-me de correrias, e finalmente abrir a porta de casa e esperar que os céus continuem a arder assim.


quinta-feira, outubro 28, 2010

À noite


Há músicas, letras e notas musicais que me servem de porto seguro quando preciso de me agarrar à beira do abismo. Mas também há aquelas pessoas que nos deixam canções que nos aconchegam o coração e nos libertam a alma para outros voos. Esta senhora é, muito provavelmente, a melhor manifestação da segunda via. E uma excelente companhia para noites escuras, silenciosas e longas...

sábado, outubro 23, 2010

quinta-feira, outubro 21, 2010

34

As prendas serão inesquecíveis.
As palavras foram directamente para o coração.
Os sorrisos valem todos os euromilhões do mundo.
Os abraços foram apertados como sempre devem ser.

Mas espero que todos e todas me perdoem quando eu disser que a melhor prenda que tive hoje foi um telefonema que me fez chorar de felicidade. Sentir que palavras como esperança e acreditar até ao fim nunca mais serão as mesmas depois de ouvir a voz de alguém em quem os meus pensamentos têm tantas vezes recaído nas últimas semanas. Ainda agora, enquanto volto a pensar no telefonema e na voz linda que ouvi do outro lado, ainda agora sinto os olhos ficarem molhados de lágrimas que me deixam de alma renovada, que me mostram uma vez mais que a nossa felicidade acabará sempre por vir de dentro de nós e das pessoas que nos preenchem os vários recantos do nosso coração. E como sou feliz hoje depois de te voltar a ouvir, minha querida. Agora apenas quero estar contigo, abraçar-te, beijar-te e sentir que sempre estiveste aqui e que sempre estarás...

Obrigado. Dias de aniversário assim quero tê-los para sempre...

Olha, passou mais um ano...


Continuas a correr, sabe-se lá para onde. Mas gosto da maneira como continuas a sorrir enquanto tentas descobrir novos sítios, novas pessoas, novas coisas que povoem a tua vida e que te deixem sempre com boas memórias. Mas gosto ainda mais da maneira como ontem disseste que o passado é passado, viva o presente, e venha o futuro. É daquelas ideias inspiradas pela luz a iluminar-te logo pela manhã.

Parabéns, puto!


segunda-feira, outubro 11, 2010

Pobre diabo

Demorou um bocado a aperceber-se. Na verdade, foi mais do que um bocado. Na verdade, demorou alguns anos a ver o estado em que estava. Talvez fosse porque já quase nem se lembrava de algum dia ter escrito aquelas palavras. Não fosse guardar todos os livros onde alguma vez tinha aparecido o seu nome ou os seus escritos e provavelmente teria continuado a viver sem nunca se aperceber da sua triste condição. Mas, pronto, tinha pegado naquele livro antigo, com muitos contos de vários autores, no qual também ele aparecia com meia dúzia de páginas escritas quase de um fôlego num dia particularmente chuvoso com uma lâmpada que apenas iluminava o ponto onde a caneta se encontrava com o papel. E assim que começou a ler as suas próprias palavras, ou melhor assim que começou a recordá-las, um olhar estranho apoderou-se de si e de tudo aquilo que o rodeava e que os seus olhos alcançavam. O cigarro aceso que segurava entre os dedos da mão direita. O televisor mudo que o fitava do outro lado do quarto. Os papéis espalhados desgovernadamente por todas as duas camas do quarto. O brilho de faróis indo e vindo do outro lado dos vidros da janela. Tudo isto era incrivelmente estranho. Tudo isto era incrivelmente familiar. Mas mesmo assim, ele não queria, não pensava, apenas desejava que tudo não passasse de uma desagradável coincidência, desejava que tudo não passasse daqueles síndromes de idiotice generalizada estilo sexta-feira treze ou dez do dez do dez. E agarrando a cabeça com as duas mãos, o escritor dizia que não, não era possível, nada daquilo fazia qualquer tipo de sentido, tinha finalmente perdido todo e qualquer pedaço de juízo que alguma vez tivesse tido sob aquele crânio. Levanta-se, anda de lado para o outro no quarto, acende outro cigarro, vai à janela, abre-a, torna a fechá-la, apaga a luz, fecha os olhos enquanto inspira mais uma vez a nicotina, volta a abri-los, volta a andar de um lado para o outro, sente-se enlouquecer lentamente. Até ao momento em que passa pelo espelho. Pelo canto do olho, vê um vulto a passar pelo espelho. Volta atrás e coloca-se de frente para o mesmo. E é nesse preciso momento que se apercebe do seu fado, destino, o que lhe queiram chamar. É nesse preciso instante que vê os seus cabelos brancos, as suas rugas, os seus olhos inundados de raios de sangue de incontáveis insónias, as manchas que começam a percorrer os seus braços, as pregas do pescoço, a barba rala e áspera como lixa. E assim, num segundo, ele sabe que é mesmo verdade. Não o sonhou, não o imaginou, mas é mesmo verdade. Apaga o último cigarro e pega no livro esquecido de contos. Volta a passar as páginas, uma a uma, volta a ler as palavras que escreveu há tantos e tantos anos, volta a lê-las, uma a uma. E enquanto sente toda as suas forças a fugirem-lhe do corpo, todo o seu ser a transformar-se em cinzas de uma vida esgotada, enquanto tudo isso acontece, ele sabe que é mesmo verdade. Que tudo não passou de uma ficção. Que na realidade nada aconteceu, nada se passou. Que, no fundo, apenas viveu a vida de outrém. Que, ao virar a última página, a sua vida não foi mais do que aquela que imaginou para uma das suas desgraçadas personagens numa das suas míseras estórias.





segunda-feira, outubro 04, 2010

estrada fora



os quilometros já são mais que muitos, sempre com o sol de frente, mas não mudava nada, quero continuar sempre em frente, seja a 50 ou a 150, enquanto houver estrada pra andar, a gente vai continuar, já o bardo ébrio canta ao piano há muitos anos, e nunca ele esteve tão certo...


domingo, setembro 26, 2010

Um buraco no coração


("do you remember what you told me once? that every passing minute is a another chance to turn it all around...")


Segredos pouco escondidos...


("roubado" do sítio domingueiro do costume)


E fiquei com aquele sorriso parvo na cara de cada vez que vejo um segredo que também fala ao meu interior. Ao ver este acabei por me recordar mais uma vez da razão pela qual ainda hoje a minha mãe anda sempre na carteira com um postal pequenino feito por mim na escola, com meia dúzia de palavras de criança a tentarem servir de legenda a todo o amor que nutro por ela. Outros tempos mais simples, os mesmos sentimentos, sem tirar nem pôr, que sinto no presente...


(este blogue está a ficar um bocado lamechas... :)))



luz estranha



ou, por outras palavras, continuam a ser dias recheados de coisas emergentes e experiências novas nas quais apenas acrescentava a presença daquelas pessoas que são as minhas artérias e os meus ventrículos, aquelas que todos os dias alimentam a minha loucura saudável. Amo-vos, onde quer que esteja.


terça-feira, setembro 14, 2010

calcorreando



definitivamente, os instantâneos estão por aqui para durar...


segunda-feira, agosto 30, 2010

Algures sob o sol de agosto...


... e com muito pouco tempo para escrever as palavras que me apetecia. Mas mesmo assim, não mudava nada desta luz que vai entrando por uma janela que tardava em abrir... Haja sangue para fazer com que o meu coração continue a bater assim, livre...


sexta-feira, agosto 20, 2010

Tudo e mais alguma coisa

"As palavras são arte abstracta."

Jacinto Lucas Pires


(se ao menos o "nosso" Júlio Cristo tivesse tiradas deste calibre... mas... pinocar com tudo o que mexe também deve ser realmente bom.)


quarta-feira, agosto 18, 2010

Por falar em animais e outras questões filosóficas

"Vamos para o Céu por favor. Se fôssemos por mérito, ficaríamos à porta e o nosso cão entrava."

Mark Twain


quinta-feira, agosto 05, 2010

(...)





Fora daqui também há palavras. Exclusivas.


Aunque no sepa cantar mi corazón es lleno como una ola que se levanta temprano conectada a los misterios primordiales más profundos


Bem-vindos a uma casa que por todos os cantos está recheada da melhor música portuguesa a ser lançada no mercado nos últimos tempos. Música que corre directamente para os nossos corações e nos deixa a sonhar acordados, maravilhados, apaixonados.

Um grande bem hajam, Mbari Música, e continuem o excelente trabalho.


De Namialo


Obrigado. Fizeste o meu dia. Quem me dera aconchegar-te nos meus braços.


quarta-feira, agosto 04, 2010

Otherworldliness

"He'd brought his mother here, prevailing over her own fatalism and his wife's practical misgivings. You are the son, you take care of the parents. And the illness, the drama of a failing body, the way impending death made her seem saintly, with an icon's fixedness, a stern and staring and enameled beauty. Albert, who shunned any form of organized worship and thought God was a mass delusion, sat and watched her for hours, combed her hair, soaked up her diarrhea with bunched Kleenex, talked to her in his boyhood Italian, and he felt that the house, the flat, was suffused with a reverence, old, sad, heavy and impressive - an otherworldliness, now that she was here."

Underworld, Don DeLillo



Chegaram cansados. Como se os seus músculos, ossos e mente já se tivessem esquecido da provação em que se tudo se tornou. Como as mais pequenas coisas são objecto dos mais profundos sacríficios, de como tudo se torna uma humilhação diária que já não responde a qualquer código de conduta que possa alguma vez ter existido. E tudo se degradou no último par de anos. Parece que o abismo estava mesmo ali, à distância de meia dúzia de passos , e ninguém foi capaz de o antecipar. Agora é tarde demais. Porque aquilo que é dito de manhã, passa a ser um grito com lágrimas de dor à noite. E é isso o que lhes custa mais. As palavras não pensadas de alguém que bate com a mão no peito e faz ameaças vãs, de um lado do ringue. As pequenas e mesquinhas intrigas que não ajudam ninguém e apenas servem para ferver ainda mais o sangue de todos, do outro lado do ringue. E é assim que se tornam vinte e quatro horas nas suas mãos. Toda a alma vai para eles, e mesmo assim ainda é preciso ouvir palavras insanes, gestos que rasgam o coração e nos deixam de rastos, atitudes bafientas de uma sacristia que apenas serve de ornamento. Damos tudo e ou não recebemos nada ou ainda nos arriscamos a um pontapé nos tomates. Eu sei, é só figurativo, mas a dor não deve ser muito diferente, e mesmo assim temos que esquecer e seguir em frente. Até porque sabemos que, inevitavelmente, na hora de passar o testemunho, chegam as futéis lágrimas que anunciam a mudança, e todos sabemos o quanto eles odeiam mudar, sempre assustados com o que os espera na figura de novos anjos que velam por eles como todos os outros. E pronto, é aí que o cansaço os atinge, como se tivessem aguentado a mais difícil das maratonas apenas para desfalecer indefesos do outro lado da meta. Estatelados no chão, eles apenas emitem um suspiro de algum alívio, um pouco contra a sua própria vontade, pois sabem que aquela meta é apenas o fim de uma etapa de um campeonato que ainda tem, ou assim todos o esperamos, muitas jornadas pela frente. E que mesmo com todas as dificuldades, com todas as desconfianças, com todos os martírios que nunca julgámos que pudessem acontecer, será um campeonato que teremos de enfrentar com todas as forças, nunca parando para pensar nos choques que quase nos derrubam, pois agora só existem eles, e assim terá que ser pois não o permitimos que seja de outra forma. Mesmo quando chegamos exaustos até ao limite. E se querem mais explicações, é favor ler de novo o parágrafo que ali está escrito pelos dedos bem mais sábios do DeLillo.


segunda-feira, agosto 02, 2010

Posso conhecer-te quando chegar a esse lado?


"So now, I would like to say. People can change anything they want to. And that means everything in the world. People are running around, following their little tracks, I am one of them. But we all got to stop just following our own little mousetrail. People can do anything. This is something I'm beginning to learn. People are out there doing bad things to each other. It's because they're being dehumanized. It's time to take the humanity back in the center of the ring, and follow that for a time. Greed, it ain't going anywhere. They should have that on a big billboard across Times Square. Without people, you're nothing. That's my spiel."



quarta-feira, julho 28, 2010

Shortbus


"Look I know I can help you have an orgasm, and maybe you can help me like have a real human interaction with someone, you know."


Inception


"See dreams, they feel real while we're in them right? Its only when we wake up then we realize that something was actually strange!"


quarta-feira, julho 21, 2010

Páginas cheias


Haja filmes assim. Filmes que nos fazem pensar e que não nos tratam como meros devoradores de pipocas e sorvedores de colas e afins. Filmes que nos trazem grandes interpretações, uma grande história e que nos deixam até ao genérico final com a incerteza do desenlace. Filmes em que todas as cenas estão lá porque têm de estar e que servem o único propósito de nos deixar a questionar sobre o que é ficção e o que é realidade sobre o que acabámos de ver. Haja filmes assim.


a mecânica da ficção

"Lemos ficção porque ela nos dá prazer, nos comove, etc. - porque a ficção é uma coisa viva e nós estamos vivos. É divertido observar os esforços atabalhoados e circulares da biologia evolucionária para responder à questão «porque é que o ser humano perde tanto tempo a ler ficção quando do acto não resulta nenhum óbvio benefício evolutivo?». As respostas tendem a ser utilitárias - lemos para conhecer melhor os outros, o que tem uma utilidade darwiniana - ou circular: lemos porque a ficção activa alguns «centros de prazer»."

James Wood


quinta-feira, julho 15, 2010

Intermission

Quando o silêncio que nos envolve na noite escura e quente apenas é quebrado pelo contacto dos dedos com as teclas de um piano escuro e quente, o que mais podemos fazer senão respirar, fechar os olhos e deixarmo-nos levar para sonhos reconfortantes que nos afastem dos verdadeiros pesadelos que nos ocorrem na espuma dos dias... Haja noites assim...


segunda-feira, julho 12, 2010

On hopes, dreams and a couple of nightmares...

"The story is, of course, far from finished. But we know we will get no more of it from this source and, discomforted, we take our leave. The mists are rising, and it is time to be getting back. We come in in the middle, watch for a time, leave before the lights go up. If there are no beginnings, then there can be no endings. We are alone in the darkness. Every answer prompts another question, and things are happening all the time. That's all you need to know for the time being. Trust me. «The story so far.» Maybe it's all we can ever hope for..."

Neil Gaiman


(Mantra.)


sexta-feira, julho 09, 2010

Memória

"há dias assim
dias d'alma vaga
tão perto de Deus
tão longe de mim"




Lembrei-me. Uma mesa de café a meio da manhã. Sentado, à espera do meu pai. Acho que estávamos a meio do Verão, altura de férias grandes. Altura de me sentar ao lado do meu pai enquanto ele conduzia por ruas e becos, entrando em cafés e restaurantes. E agora estava ali, numa mesa de café, à espera enquanto ele conversava com alguém do outro lado do balcão. E olhava para as outras pessoas sentadas, umas a lerem o jornal, outras a tomarem ainda o pequeno-almoço, olhando pela janela na ânsia de verem o seu comboio a entrar na estação, do outro lado da rua. E então ouvi a tua voz, "uma bica e um pastel de nata". E ao ouvir a tua voz, olhei para ti e reconheci-te. Parecias tão igual às imagens na televisão, mas ao mesmo tempo tão diferente. Talvez fossem os teus olhos, mais pensativos, mais profundos, enquanto folheavas o jornal e bebias o teu café. Sim, os teus olhos eram diferentes, mas tudo em ti era igual às imagens da televisão. Faltava apenas a banda à tua volta e o microfone à tua frente. Era apenas assim que te conseguia imaginar, tu, a banda, o microfone e as músicas que anos e anos mais tarde ainda ouviria, com o mesmo sorriso com que olhei para ti naquele café. Se o viste ou não, não sei. Apenas sei que aquela manhã ficou gravada em mim, e lembro-me de procurar, de cada vez que tornavas a aparecer na televisão, lembro-me de sempre procurar os teus olhos, se continuavam a ser pensativos, profundos, enquanto te deixavas arrebatar pela música e pelas palavras.


segunda-feira, junho 28, 2010

Porque sim.

E porque em breve vai ser tempo de voltar a sonhar.



"People think dreams aren't real just because they aren't made of matter, of particles. Dreams are real. But they are made of viewpoints, of images, of memories and puns and lost hopes."



sábado, junho 26, 2010

Ondas Sonoras - XXXIX

"Durante los dos último años han abordado una propuesta multidisciplinar bautizada como 20 Hatz Proiekt (proyecto 20 dedos). Uno de sus nortes es la búsqueda de nuevas texturas y sonidos para la trikitixa y la txalaparta; esa totémica pareja de instrumentos vascos." (daqui)



Haja música desconhecida que nos proporciona maravilhosas descobertas. Iñaki Plaza & Ion Garmendia trouxeram consigo uma música de raíz tradicional basca, mas que está aberta a tudo o que seja sonoridades espalhadas por todo o globo, venham elas de sonoridades africanas ou indianas, ou de objectos reciclados de pvc que emitam sons que tão depressa não esquecemos. E ainda temos o prazer de ficar instrumentos como a txalaparta, a txitua, a alboka ou as harriak, com um som magnífico. Agradeça-se à organização do Festival Sete Sóis Sete Luas e marque-se novo encontro para a semana que vem!


quinta-feira, junho 24, 2010

quarta-feira, junho 23, 2010

Planespotting



Estava sentado a ver todos a fugirem. Dali conseguia ver tudo. A ponte completamente congestionada, carros e mais carros carregados de pessoas que tentavam fugir para o sul, em direcção à fronteira. Seria também esse o destino dos comboios que ao longe ouvia, o som da partida de cada vez que um arrancava, carruagens cheias, atulhadas de malas e pessoas e tudo o mais que não estivesse agarrado ao chão. E os aviões. Um após outro, com intervalos de tempo cada vez mais curtos entre partidas. Apenas partidas. Era estranho ver os aviões apenas afastarem-se do chão e nenhum deles aproximar-se da pista, como tantas vezes tinha ficado a ver da sua janela. Agora apenas os via partir. Não faltaria muito até que todos os aviões tivessem partido e o aeroporto ficasse vazio. Não haveria mais aviões, nem passageiros, nem trabalhadores, nem pilotos, nem malas, nem seguranças, nada, o aeroporto ficaria tão vazio que até as luzes da pista seriam apagadas, deixando o vazio mergulhado na escuridão para sempre. Qualquer ideia para um novo aeroporto, discussão que parecia já ter décadas e décadas, ficaria finalmente resolvida, pois nunca mais haveria necessidade de tal empreendimento. Desde o momento em que as altas instâncias políticas do país tinham feito o dramático anúncio, todos os problemas económicos, sociais, culturais, religiosos, enfim todas aquelas questões que enchiam os telejornais como balões de ar quente, tudo tinha ficado resolvido. Não mais se falaria do défice, do desemprego, da liberdade de imprensa, dos famosos, de Fátima, do nosso fado, do futebol, da selecção, tudo ficava arrumado ou, mais apropriadamente, enterrado. Assim voava a sua mente, ali com ele sentada, enquanto os últimos aviões também voavam, fugindo atabalhoadamente de um espaço aéreo cujos céus azuis celebravam as suas últimas horas de existência. E mesmo com todo este êxodo, não havia pânico. Da parte dele certamente que não, ou não continuasse ele ali sentado, no seu jardim preferido, observando atentamente todas aquelas coisas que ainda o rodeavam. Mas mesmo nos olhos de todas as pessoas que agora faziam a sua viagem para fora do país, nos seus gestos, na sua ânsia por um sítio que não estivesse condenado, não havia pânico. Na verdade, parecia algo natural, algo que inevitavelmente teria que acontecer, ou que já podia ter acontecido, mas que estava a acontecer agora, neste preciso momento. Ele quase conseguia visualizar as pessoas diante dos seus aparelhos de televisão, avisadas para a declaração anunciada, sem saber o seu conteúdo, sentadas enquanto o juízo final do país era relatado em frases analíticas e por faces cinzentas. Conseguia vê-las a lentamente desligarem os televisores, dirigirem-se aos quartos, fazendo as malas com aquilo que achavam serem os bens essenciais para a sua viagem, deixando tudo o resto para trás, desligando a água, o gás e a electricidade, como se apenas fossem de férias, como se para a semana estivessem de regresso a casa, e calmamente encaminharem-se para os seus carros, os seus autocarros, os seus comboios e para os seus aviões, caso tivessem a felicidade de possuirem o dinheiro suficiente para fazer face aos aumentos de 500% que se fizeram sentir no preço dos bilhetes assim que a declaração política tinha sido emitida. E com essa mesma tranquilidade, as cidades, as vilas e as aldeias do país foram começando a ser drenadas dos seus habitantes, movimentações massivas de pessoas que na sua grande maioria se dirigiam para a única fronteira terrestre que o país mantinha. Havia até quem pegasse nos seus barcos de pesca ou de recreio e se aventurasse em direcção ao mar, numa reedição de venturas passadas, ainda que agora a procura de novas terras se desenrolasse num pano de fundo de necessidade de sobrevivência e sem expectativas de regresso àquelas costas marítimas que em breve apenas fariam parte da memória colectiva de um povo que também ele seria uma realidade nos livros de história que porventura poderiam estar perdidos nas bagagens de uns quantos. Tantos séculos depois, o povo era devolvido novamente ao mar. Ou deveria dizer-se expulso para o mar? A ideia provocou-lhe um sorriso, algo que ele achou estranho. E não devia também ele estar a fugir? Não devia ele, por exemplo, estar num dos aviões militares que cruzavam os ares naquele momento, juntamente com outras centenas de pessoas que o exército tinha conseguido salvar? Não devia ele estar no meio daqueles homens, mulheres, crianças, idosos, políticos, carpinteiros, empresários, apresentadores de televisão, canalizadores, mecânicos, engenheiros, doutores, professores, engenheiros, militares, todas aquelas pessoas cuja única coisa que partilhavam era uma nacionalidade, uma identificação com uma terra onde tinham nascido, vivido e quase morrido, uma ligação quase inconsciente com pouco mais de noventa mil quilometros quadrados de uma terra que tinha agora apenas algumas horas mais de existência? Porque razão não se juntava ele aos milhões que agora já nada queriam com um terra prestes a cair num término sem volta? Não era por falta de crença naquele fim, ele sabia que as coisas apenas podiam acabar daquela forma, no seu íntimo sempre o soubera, pois não há nada que dure para sempre. Apenas sentia uma pontinha de incredibilidade por ver que o fim acontecia durante a sua existência, mas o que é que se podia fazer realmente? Acabou, está acabado. A questão era porquê ficar ali, sentado num banco de jardim, a fumar os últimos cigarros do seu último maço, a ver os grandes pássaros de metal voarem dali para fora, a ver o engarrafamento na ponte, não muito diferente de um dia normal de semana. Não queria fugir. Não queria passar a fronteira. Não queria voar para uma ilha paradisíaca num pacote de sete dias e oito noites. Nada disso. A única coisa que alguma vez o tinha feito feliz era aquele país. Ali tinha sentido as suas maiores alegrias e tinha sido atormentado pelas maiores tristezas. Nunca conseguiria escapar a tempo, é claro, muito menos agora que já não havia alternativa possível. Mas ele não queria. Nunca conseguiria viver fora dali. Teria que começar tudo do zero. Um novo país, uma nova língua, uma nova moeda, um novo bilhete de identidade, um novo emprego, novos amigos, novos inimigos, não, nada disso era para ele. Não. Preferia ficar ali, no seu sítio, a observar a desintegração final do país e, com ele, a da sua vida. Tinha sido uma vida engraçada, nem demasiado comprida, nem demasiado curta. Poderia ter feito mais alguma coisa com ela, mas para quê? Sentia-se feliz com o que tinha feito e agora era tarde para estar a pensar em tudo o que não tinha feito ou o que podia ter feito de forma diferente. Não, isso era para aquelas pessoas que acreditavam em reencarnações e afins, elas podiam ficar com esses pensamentos enquanto voavam dali para fora. Ele contentava-se com o que tinha, dentro de si moravam todos os anos, os meses, os dias, as horas, os minutos e os segundos que tinha passado com os pés assentes naquela terra que em breve deixaria de existir. Aquele banco de jardim seria a sua última morada e seria mais do que suficiente. E elevou os olhos para o céu onde viu o último avião a fazer pela última vez aquele trajecto aéreo que ele tantas vezes tinha visto. Parecia ser um daqueles aviões que levam quase novecentas pessoas de uma só vez. E pôs-se a pensar se aquelas novecentas almas o conseguiriam ver ali, no seu banco de jardim, se achariam absurdo aquela pessoa ficar para trás, abandonado à sua sorte numa terra com fim a termo certo. Será que sentiam pena por ele? Ou será que achavam que cada um cava a sua sepultura, e que se era isso que ele queria, em breve o havia de ter? E ele sentiu-se, de repente, sozinho. Será que seria o único a ficar para trás? Não haveria mais ninguém a sentir-se como ele? Ninguém? Bom, teria que ser assim, nada havia a fazer, não havia mais tempo para nada. Talvez para mais um cigarro, não? "Olha, parece que não." Puff. Foi-se.


terça-feira, junho 22, 2010

Escape

Diz a wikipédia,

Road movies traditionally end in one of five ways:

  • having met with triumph at their ultimate destination, the protagonist(s) return home, wiser for their experiences.
  • at the end of the journey, the protagonist(s) find a new home at their destination.
  • the journey continues endlessly.
  • having realised that as a result of their journey they can never go home, the protagonists either choose death or are killed.
  • the film ends without any implication of further jaunt.

E se quando chegamos ao final da viagem, que supostamente seria a nossa casa, o local onde tudo faria sentido, nos apercebemos que já não é a nossa casa, mas sim uma casa qualquer, onde parece que entrámos sem sermos realmente convidados, que sabemos que não conseguiremos estar ali nem um segundo mais, pois a casa apenas nos lembra a morte de algo dentro de nós, e que com todos os pecados que carregamos aos ombros, a viagem parece continuar, ainda que seja de encontro a um sinal de estrada sem saída? E aí, o que é que realmente se pode fazer?

... Infelizmente a vida não é um road movie...


sexta-feira, junho 18, 2010

Sem intermitência

"Hoje estás aqui, amanhã já não estarás."

José Saramago



(Nem sempre era fácil ler as tuas palavras que se estendiam por quilómetros e quilómetros. Na verdade, cheguei mesmo a ler livros teus que me cansavam, me deixavam de rastos e chegava a jurar que nunca mais lia nada teu. Mas depois havia todos os outros livros, os que li e me deixaram maravilhado com a tua imaginação, com os teus sonhos derramados em páginas sobre a forma de palavras salpicadas de emoções tantas. Agora que recebeste também a tua carta de cor violeta, sinto que aldrabaste a morte e o seu abraço, pois teremos sempre os teus livros para nos lembrarmos de quem foste, tu e os teus defeitos e as tuas qualidades, tu e o ser que foste.)

segunda-feira, junho 14, 2010

Is your soul weighing you down?







Ela escapou-me. Bastou virar-lhe as costas por alguns segundos e ela já não estava ali. Corri atrás dela, desenfreado, fora de mim. Como é que ela se atrevia a deixar-me? Ali, sozinho e indefeso, incapaz de me proteger contra as amarguras que me esperavam ao virar da esquina. Seria quase uma cuspidela na minha cara, querendo castigar-me por tudo aquilo que ao longo do tempo lhe tinha dado. Tudo aquilo que fazia de nós a nossa essência. E que agora ela parecia disposta a renegar, procurando fugir para onde nada daquilo fosse realidade. Porque me tratava ela assim? Quase não sentia forças nas pernas e quase já não a via no labirinto das ruas da cidade. Porque me tratava ela assim? Tinha-lhe prometido que nunca seria capaz de me separar dela, mesmo naquelas alturas em ela me sufocava, quando eu já não conseguia respirar de tanta aflição, quando o nó do estômago me apertava com tal força que não sentia nada no meu corpo. E mesmo assim... Nem sequer se despediu. Nem sequer um até sempre. Nada. Rigorosamente nada. Espezinhava sem misericórdia toda a nossa vida em conjunto. Ela parecia voar para longe, afastando-se mais e mais, enquanto eu apenas tentava manter-me minimamente equilibrado à medida que sentia todos os meus músculos implodirem numa manobra conjunta para me fazer parar sem a alcançar. E depois deixei de a ver. E deixei-me encostar a uma parede e escorreguei até o meu corpo atingir o chão. E tão depressa como ela se tinha apercebido da sua condição de estar acorrentada a mim até ao fim dos nossos dias, assim tinha desaparecido para sempre da minha vida. Pensei que iria chorar convulsivamente. Pensei que não iria conseguir mais viver. Pensei que em breve todo o mundo poderia ler o meu nome numa qualquer lápide. Pensei em tudo e em nada. E quando me dei por mim, senti que nada disto se estava a passar. Que por mais que pensasse que a vida tinha terminado, o que realmente estava a sentir é que a vida estava apenas a começar. E que agora que ela já não estava ali, sempre comigo, sentia uma vontade de viver como nunca tinha sentido. Mesmo que estivesse incompleto, como estava. E no meu íntimo algo me dizia que ainda não tinha sido a última vez que a tinha visto. Não conseguia perceber isto, mas a verdade é que enquanto também eu me afastava dela, apenas me conseguia lembrar de algo que tinha lido uma vez,

"O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende."



(Um filme bonito. Acho que é só isso que posso dizer. Ou então dizer que um dia gostava de escrever uma história assim. De um humor agreste, de uma humanidade desconcertante, de um mundo que quase não nos deixa espaço para descobrirmos quem realmente somos. Gostava mesmo de escrever coisas como esta bonita história. Vou vê-lo outra vez, para ver se aprendo alguma coisa...)




segunda-feira, junho 07, 2010

Um buraco no coração





(ou como por vezes apenas apetece desviar o olhar e não pensar em mais nada...)


domingo, junho 06, 2010

segunda-feira, maio 31, 2010

Sinal horário

Hoje ouvi a tua voz outra vez. É estranho, é sempre estranho ouvir a tua voz quando já não estás cá. Fico quase com a sensação que tudo não passou de um sonho mau e que afinal ainda estás aqui, ao meu lado, nunca me deixaste, foi tudo apenas um sonho mau. Tento mesmo convencer-me disso, fecho os olhos e imagino que não é só a tua voz, és tu como um todo que voltou para o meu lado. Mas isto dura apenas uns instantes, cedo me apercebo que é apenas uma gravação da tua voz, um eco de ti, nada mais. E depois choro. E continuo a chorar. A tua ausência torna-se mais real de cada vez que ouço a tua voz. E ela continua a ouvir-se, todos os dias, todas as horas, muito tempo depois de nos teres deixado. Mas será que nos deixaste, realmente? E depois páro de chorar. E recordo todos os momentos que tivémos juntos. Todos os anos, meses, dias, horas, segundos que vivemos lado a lado. Todos os pequenos pormenores que tenho agora, aqui, neste momento, a toda à minha volta, pequenas coisas onde está o teu olhar, o teu sorriso, o teu ser. E no ar ouço mais uma vez a tua inconfundível voz. E sorrio. E enxugo as lágrimas. Pois sei que ainda aqui estás, ainda me rodeias com tudo aquilo que foste e sempre serás no meu coração. E volto a sorrir e volto a sair para a rua. Para o sol. Lá fora.

(esta não é a minha voz. é uma voz ficcionada para outrém. outrém que admiro.)

quinta-feira, maio 20, 2010

"Mas ando pela vida feito placa de auto-estrada, que ensina o caminho aos outros mas pouco sabe de si
Mas ando pela vida por ver andar meus amigos, e confesso que por vê-los nem me custa andar aí"




segunda-feira, maio 17, 2010

As intermitências da morte

"Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta de cor violeta. Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu."

José Saramago


quinta-feira, maio 06, 2010

Ser benfiquista

"Uma derrota do meu Benfica perfura-me o ânimo, sem cuidar da anestesia. Uma vitória do meu Benfica alimenta-me mais do que o mais calórico dos alimentos, e anima-me mais do que uma mão-cheia de antidepressivos. Na vitória, o amor ao clube é partilhado, mas no desaire a solidão dá-lhe uma expressão infinita e incondicional. Como acontece com a pessoa amada, o verdadeiro teste do afecto concretiza-se nos momentos difíceis. O Benfica é ao mesmo tempo afecto e privilégio, coração e razão, vitamina e analgésico, fermento e adocicante, saudade e desafio, cumplicidade e aconchego."


Utilizo as palavras de outrém pois acho que são a explicação possível para o que significa ser adepto de algo. Quando as emoções se misturam cá dentro a um ritmo avassalador, quando passamos no espaço de um minuto da maior das euforias ao mais profundo dos desesperos. E acho que isto é algo com que qualquer adepto se pode relacionar, independentemente da sua cor clubística. Todos somos treinadores de bancada, todos achamos que sabemos a táctica perfeita, todos pensamos que sabemos o segredo por trás da vitória, dos golos, das bandeiras e dos cachecóis a rodopiarem no ar. No fundo, não passa de um jogo, algo que também atravessa a nossa vida, mas que não passa disso mesmo, de um jogo. Que por vezes se leva a si próprio demasiado a sério, mas enfim, se fosse a feijões a paixão não existiria. Assim, e independentemente do que aconteça este próximo fim-de-semana, neste campeonato o meu clube já me deu enormes alegrias. Desde a avalanche de golos, aos passes de letra do Di Maria, dos pontapés bombásticos do Carlos Martins, às fintas do Saviola, dos pulmões enormes do Ramires, ao nervoso miudinho de cada vez que o Cardozo ia marcar uma penalidade, da força de vontade do Jorge Jesus, às vezes em que preferia que o mesmo Jesus ficasse mudo e calado. Houve de tudo este ano e agora que, sem cinismos, espero que o campeonato fique ganho, mesmo que isso não aconteça, o meu Benfica já cumpriu uma coisa em relação a mim. Devolveu-me, nem que seja só este ano, o gosto de ver futebol bem jogado. E isso, é bem melhor que um Picasso de 81,3 milhões de euros (ou não...).

sábado, maio 01, 2010

sexta-feira, abril 30, 2010

Gula

Alenquer Bemhaja nem queria acreditar. Na sua longa carreira de três semanas e meia como inspector da Judiciária já tinha assistido a muita coisa. Três zaragatas conjugais, cinco furtos de pipocas no Alvaláxia, duas manifestações de naturistas em Rio de Mouro e uma tentativa de assassinato à estátua do Marquês. Mas nada se comparava à horrenda cena que se lhe apresentava naquela noite. Não fossem os vizinhos a notarem o desagradável cheiro a tomate que ainda persistia e nunca teriam encontrado o corpo a tempo de evitar o bolor que certamente se iria instalar. Ninguém merecia uma morte como aquela, nem mesmo o mais horripilante ser da terra. Nem mesmo os constantes protagonistas da ARtv mereciam um fim daqueles. Dois fins como aquele sim, apenas um não. De acordo com o médico legista, a mulher deveria ter 25 anos, um metro e setenta, sessenta e três quilos, destra, nascida no Alentejo, adepta do Desportivo de Chaves, sócia do viva-fit há dois meses, com especial apetência por fetiches relacionados com cintas anatómicas e capaz de comer três mcbacons seguidos. Alenquer Bemhaja ficava fascinado com os avanços da medicina forense e pensava que ainda a semana passada teria que ter aberto a carteira da vítima para saber tudo isto. Afinal, havia efeitos secundários positivos de tantas séries policiais televisivas, isto se excluirmos as vendas galopantes de luvas de látex. Aproximando-se do corpo, o inspector Bemhaja procurava não tropeçar nas muitas garrafas de quetchupe vazias que rodeavam o corpo da vítima. Parecia demasiado macabro alguém falecer de sobre-ingestão de molho de tomate, mas era exactamente isso que tinha sucedido. Um monstro tinha obrigado aquela pobre rapariga a ingerir quetchupe e mais quetchupe, uma garrafa após outra, sem parar. E nem ao menos tinha tido a decedência de colocar a garrafas vazias no contentor verde da reciclagem, apenas as deixou ali, todas espalhadas e, pior que tudo, sem qualquer vestígio de impressões digitais. Apenas uma coisa era certa, isto era um crime passional. E não era só a mensagem escrita a quetchupe que o assassino tinha deixado na parede, "isto foi um crime passional!!!". Não, havia algo mais no instinto de Bemhaja que lhe dizia isto. Talvez fossem as alcaparras que alguém tinha esquecido em cima da mesa. Ou talvez fosse mesmo o rasto de almôndegas que havia na escada de serviço do prédio. Fosse como fosse, o inspector não iria descansar enquanto não visse o criminoso atrás das grades. Ou, pelo menos, enfiado numa cataplana, numa cama de vegetais salteados, pronto a ser deglutido na cantina da esquadra de polícia, de preferência numa sexta-feira como alternativa às horrendas caras de bacalhau que o Sá Pessoa insistia em preparar como forma de protesto associativo. E enquanto cogitava sobre o crime, Alenquer Bemhaja tirou uma embalagem de nuggets do bolso e aproveitou um pouco do quetchupe na parede, deixando uma críptica mensagem a pairar sobre a investigação, "i to fo u rime onal!!!"...