quinta-feira, janeiro 11, 2007

In Illo Tempore

Sinto-a como um casaco. O casaco que me acompanha há algumas décadas. O casaco que decidiram dar-me como a prenda mais preciosa que se pode dar a alguém. A princípio estranhei-o um bocado, parecia-me antiquado, demasiado grande para mim e muito pouco interessante. Mas depois fui aprendendo a gostar dele, comecei a conhecer-lhe as finas costuras, fui-me acostumando ao seu forro quente e protector e a descobrir todos os bolsos que possuía e que, de alguma forma, se relacionavam com tudo aquilo que vivia no meu quotidiano. Á medida que ia crescendo, parecia que o casaco crescia também, que se ia acomodando às mais diversas experiências que ia tendo e já não conseguia conceber a minha vida sem aquele casaco, o seu tecido embrenhado bem fundo no tecido da minha própria vida. Mas depois algo aconteceu. O casaco continuava a servir-me mas havia algo de diferente. Estava gasto e em alguns pontos começava-se a notar alguns buracos. A suspeita começava a lançar-se na minha mente, será que teria de deixar o meu casaco? O casaco que, de certa forma, me tinha acompanhado em tantos e tantos passos e caminhadas que dei e que, de repente, parecia que já não se adequava a mim? Depois comecei a notar que alguns dos bolsos se fechavam misteriosamente. Tentava meter lá a mão como tantas e tantas vezes tinha feito e... nada. Estava fechado para mim. Porque seria que o meu casaco me tratava assim? Eu que nunca tinha desistido dele, mesmo quando os buracos nas mangas ou nas costuras envergonhariam qualquer um. Nem mesmo quando o seu estilo já nada tinha a ver com o mundo em que me movimentava todos os dias, nem nessa altura me passou pela cabeça separar-me do meu casaco. Mas agora, numa altura em que precisava do calor e do conforto que me lembrava que ele me dava, parecia que todos os bolsos se fechavam e que o meu casaco não se sentia bem no meu corpo. Era altura de o guardar. Não para sempre, há demasiado de mim naquele casaco, mesmo que os outros não o compreendam. "Como é que alguém se pode afeiçoar a um casaco velho, caduco, fora de época e sem qualquer contacto com os nossos dias?" Seja. Poderão ter alguma razão. Mas eu acredito no meu casaco. Ainda acredito que um dia o possa voltar a usar novamente, que ele abra de novo os seus bolsos e que me possa novamente aquecer a consciência e o coração, como sempre o fez antes...

6 comentários:

Anónimo disse...

Muito interessante....nunca eu teria pensado em escrever uma crónica assim... Bom fim de semana amigo! beijocas

sonialx

cuotidiano disse...

Tudo na vida pode ter duas faces - um buraco velho pode ser um novíssimo ar condicionado, um bolso roto pode ser um topo de gama reciclador de objectos, um casaco velho pode ser, apenas e mais que tudo, uma paixão antiga, um... enfim, havemos sempre de chegar à conclusão que só interessa o que sentimos, não o que sabemos.

Um abraço

PenaBranca disse...

acho que vale a pena ouvir, ao mesmo tempo que se lê este post, o "A Perfect World" dos Pizzicato Five que está aqui ao lado no Gira-Discos. Logo se abrem novas perspectivas e (pelo menos no meu caso) o "casaco" volta a ser aconchegante e acolhedor. e com este frio, preciso mesmo de andar bem encasacado!

Nuno Guronsan disse...

Sónia, não acho que esteja assim tão interessante. Nunca fui muito bom a fazer analogias ;))) Beijos.

Caro Quotidiano, e esta é mesmo uma questão em que apenas me posso guiar pelos sentimentos, pois a racionalidade já teria implicado o afastamento do casaco há algum tempo. Mas a paixão, para além de ser antiga, é mesmo intensa... Um grande abraço.

Pena, nem todos podemos andar a passear pelo meio da neve. Portanto, aguenta-te ;))) Podes sempre ouvir os PF no meio da neve, pode ser que tudo se torne mais agitado e mais quentinho ;) Um enorme abraço deste lado do atlântico!

Sea disse...

Há, de facto, uma peçazita de roupa na nossa vida, que se torna especial para nós, como uma extensão de nós, um companheiro de aventuras, viagens e afins.
Gostei de te ler.
Um beijo

A disse...

Ai Nuno... sem palavras

(vamos ver se é desta, meu caro)


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Um casaco, simples casaco.
As coisas a que nos afeiçoamos, as coisas que fazem parte de nós... nunca o deites fora. Decerto um dia tirá-lo-ás do armário e todo um significado novo darás à Moda de então.


Mil beijos