quinta-feira, dezembro 20, 2007

Prenda de Natal

Gostava de manter a tradição, por isso tinha colocado a árvore na sala, decorando-a com todas as pequenas preciosidades que Beatriz tinha feito com as suas próprias mãos, naquele primeiro Natal longínquo, passado em conjunto. De certa forma, enquanto fazia o pequeno ritual que iniciava todos os Natais desde então, de certa forma, pensava ele, sentia-a mais próxima de si, quase conseguindo ouvir a sua voz e o seu riso que ecoava por toda a casa, suplantando de uma forma doce e delicada todas as músicas que pairavam por ali, naquela época do ano. Mesmo assim, aquela era a altura do ano em que o seu coração mais se apertava com a ausência de Beatriz. Tinham vivido uma vida inteira unidos por um amor interminável e agora ele tinha de seguir essa vida por si próprio, sem a outra metade de si mesmo. Não havia mágoa, apenas uma inabalável saudade.

Ao lado da lareira, as luzes da árvore brilhavam como pequenos pirilampos perdidos. Era altura de preparar a mesa da consoada. Não tardariam a chegar os seus filhos, noras, genros, netos e uma pequenina bisneta que iluminava toda aquela enorme casa. Todas aquelas pessoas que continuavam a fazer do Natal a sua altura preferida do ano. Mesmo sem Beatriz. Mas ao mesmo tempo, em todas aquelas caras que se reuniam à volta da mesa, comendo, bebendo, conversando, rindo e sim, mesmo por vezes chorando, em todas elas acabava por ver a presença da sua esposa, na felicidade que ela sentia de cada vez que a família se reunia para partilhar todas as recordações de mais um ano, enquanto presentes eram abertos e cumplicidades partilhadas. Uma e outra vez.

A mesa estava pronta, só faltavam os convidados. Enquanto esperava, ia olhando para as paredes de tanto tempo, onde fotografias e mais fotografias de Beatriz se tinham acumulado ao longo dos anos. Dos momentos bons e de outros menos bons. Desde o seu casamento até à sua primeira gravidez. Aquela pequenina alma que apenas tinha vivido com eles alguns dias até ao momento em que se tinha extinguido. Miguel. O seu primeiro filho. Quantas alegrias ou tristezas poderia ele ter trazido consigo. Até onde poderia ter chegado. Assim não haveria de acontecer. Na altura, foi a primeira vez que sentiu a dor como nunca a tinha sentido. Por Miguel e por tudo aquilo que passou com Beatriz. De uma coisa tinha a certeza, foi nesse momento que o seu amor se revelou verdadeiramente e soube que iria passar todos os seus dias ao lado daquela mulher generosa, viva, feliz como poucos. E com o passar dos anos, todas as ramificações que deles os dois tinham brotado, eram expressões de felicidade do amor que sentiam um pelo outro. Todos os dias.

Era por tudo isto que continuava a celebrar o Natal e cada vez com mais entusiasmo. Porque, para lá dos presentes, das rabanadas, do vinho do Porto com que todos os anos brindava, das luzes de Natal, da confusão generalizada à mesa, para lá de tudo isso, o Natal acabava por ser a ocasião em que sentia Beatriz mais próxima de si, na sua alma e na de todos os que entravam por aquela porta e se juntavam à festa. E era por isso que agora, no momento em que a campainha tocou, o seu sorriso se tornou ainda mais largo e uma pequenina lágrima rolou pela sua face abaixo. O Natal tinha acabado de chegar. E mais logo, seria a altura em que mais uma vez recitaria o poema preferido de Beatriz, aquele que todos eles já sabiam de cor e que sabiam ser a memória mais bonita que tinham daquele anjo que tinha passado pelas suas vidas...

Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...
entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sitio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.

Procuremos o rastro de uma casa,

a cave, a gruta, o sulco de uma nave...

Entremos, despojados, mas entremos.

Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.




16 comentários:

Nuno Guronsan disse...

Obrigado, Sónia, pelo bonito poema que partilhaste comigo. E uma enorme vénia ao sr. Mourão-Ferreira, por tão bonitas palavras.

Nuno Raimundo disse...

bOas...

Agradeço as tuas palavras e aproveito para te desejar um Feliz e Santo Natal!!!


abr...prof...

José Raposo disse...

Fazes tudo para ter visitas no blog, mas não vou ter tempo de ler antes da noite da consoada. :)
Feliz Natal

a miúda disse...

Nuno, está mesmo bonito. Como sou uma chorona até a mim me-ia quase rolando uma lágrima pela face!
Obrigada pela prenda.
:)
Espero que passes esta temporada desta forma que descreves.
Beijo grande e Feliz Natal
**
L

Anónimo disse...

ola jeitoso! desejo um feliz natal com teus pais e que tenhas aquilo que desejaste. beijos e abraços do primo luis, isabel e margarida
ho! ho! ho!
p.s.-beijocas para "a tal"
;)

Anónimo disse...

feliz natal para ti
pergunta: quem é a tal?

Luisinha disse...

Olá Nuno. obrigado gostei muito assim como o poema com que a Sónia Contribuiu. Desejo-te um óptimo Natal e tudo de bom no novo ano que aí se aproxima. Em nome do Casal Carinhas bjs e abraços

Polly Jean disse...

Beijo Nuno. Tal como tu, remeto os votos para o meu jardim.
Adorei o texto. E o poema..:)
Beijo grande,
Sónia
http://gardenofdelight.blogspot.com

José Raposo disse...

Andas metido com a Keana Rivas?

Anónimo disse...

Querido Amigo , obrigado pela prendinha está mt lindo .......
e agora k tal em francês ?? hehehehe
Para ti e todos os teus um Feliz Natal cheio de tudo , paz , amor e muitas prendinhas .
Beijokas
Claudia

Desambientado disse...

Há brilho nos pinheiros,
Como candeeiros,
Para imitar as estrelas,
As cores não são delas:
São escapadelas,
Fugazes e belas.
Que tragam:
Um Feliz Natal
Descomunal…

Félix

Nuno Guronsan disse...

Obrigado a todos pelas vossas gentis palavras. Espero que o vosso Natal seja mesmo universal e não apenas Dezembro.

Beijos e abraços.

Anónimo disse...

Obrigado, amigo, por esta belíssima prenda!Espero que também o teu NATAL seja cheio de emoções -paz, amor, alegria e boas memórias!
Abraço grande!

Anónimo disse...

As notícias que esperava nunca chegaram e aquelas com que não contava apareceram de surpresa.
Fizeste-me sorrir numa altura que está a ser especialmente difícil.
Obrigado por tudo!

Feliz Natal

Anónimo disse...

Obrigada por este presente e pelas restantes palavras que escreves e que têm tanto significado para os teus amigos (alguns desnaturados que nada dão em troca :-)
Bjs,
Célia (que às vezes confunde as histórias com a realidade)

kiduchinha disse...

Que o Natal esteja presente todos os dias do ano!!! Excelente 2008!!! Desejo-te tudo de bom!!! O poema é lindo! Beijocas Grandes