quinta-feira, março 01, 2007

Adeus

O frio da lâmina ao tocar na pele da garganta. A sensação de formigueiro enquanto a lâmina leva consigo os pêlos faciais. A impotência que percorre o meu corpo todas as vezes que ela insiste em me fazer a barba. Medo ou excitação, nunca sei bem o que sinto realmente. As mãos dela passam pelo meu rosto enquanto limpa a lâmina. Estranho ritual este que se criou entre nós. Não consigo ver a sua cara, não sei se tira algum prazer deste exercício ou se é apenas uma forma de lembrar que a minha vida lhe pertence. Em todos os sentidos. O sangue corre mais depressa nas minhas veias quando a lâmina acaricia a maçã de Adão. Na verdade, nas primeiras vezes que ela insistiu em usar ela própria a lâmina, o sangue jorrou, pouco é certo, mas mesmo assim fez a sua aparição. Desde então, as suas mãos tornaram-se mais agéis, mais subtis e nunca conseguiria eu próprio fazer a barba melhor do que ela. Mas hoje algo se passa. Noto-lhe um nervosismo que há muito não via. Sinto a lâminha a arranhar um pouco mais. Vejo-a a pegar mais vezes no copo de vinho que sempre coloca à minha frente. Faz parte do ritual. Mas hoje o copo está quase vazio e a barba ainda nem sequer vai a meio. Sinto receio. Receio que alguma coisa não esteja bem. Receio que ela tenha andado a vasculhar o meu casaco. Receio que tenha deixado no casaco algo da noite anterior. Receio que... Receio que a lâmina esteja a ir mais fundo do que devia. Receio que a minha pulsação tenha disparado enquanto um fio de sangue começa a esvair-se da minha garganta. Receio que esse mesmo sangue comece a não me deixar respirar. Receio que ela não merecesse a minha traição tanto como eu merecia esta morte que agora se anuncia...

4 comentários:

a miúda disse...

Isso para os teus lados hoje está muito cinzento, não está! Tens de vir ver os meus balõezinhos para te animares! ;)
Que arrepio imaginar uma lâmina a cravar-se na pele, brrr....
Beijos

PenaBranca disse...

e eu amanhã ao fazer a barba já vou estar com um olho no espelho e outro por cima da mão. que filme de horror. mais vale dar umas cambalhotas. de preferência azuis.

Nuno Guronsan disse...

(A emissão segue dentro de momentos.)

AR disse...

pois eu gostei... umpouco triste mas ao mesmo tempo suave

:)