sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Burrices

Um burro.
Um animal de carga.
Sempre a puxar a carroça, mesmo quando os viajantes não lhe agradavam. E apenas pela simples razão que era a sua função. Era aquilo que era esperado dele. Inspirava a admiração dos graúdos pelo seu empenho, e a curiosidade e carinho dos mais pequenos, que adoravam passar as suas mãos pelo seu pêlo cinzento e pela sua crina àspera. Gostava de olhar as crianças nos olhos. Naqueles olhos limpos de maldade e inveja, como tantas vezes tinha enfrentado nos olhos dos mais adultos. A crueldade de alguns dos seus donos ainda o atormentava durante o sono.
Estava cansado.
Demasiadamente cansado.
Em breve já não poderia puxar mais carroças ou arados. Começava a faltar-lhe a força nas pernas, nos cascos. Não que fosse velho. Não, em anos de burro era ainda um jovem adulto, com muitos anos pela frente. Mas a vida tinha sido madastra. Nunca lhe dando descanso ou palha suficiente. Apenas trabalho, trabalho e mais trabalho ainda. Nunca um dono o viu como mais do que um animal de carga, sempre ao seu dispôr, sempre alegre por poder ajudar o seu dono. Enfim, errar era mesmo humano, pensava ele.
Tinha chegado ao seu destino.
Tinha chegado o seu destino.
O fim do dia trazia normalmente consigo o descanso ansiado. Desta vez iria trazer muito mais. O fim do cansaço. O fim daquela vida de animal de carga, de nada mais que um animal de carga. Era tempo de descansar dos outros animais, aqueles que se julgam mais inteligentes que todos os outros. Aqueles que teimam em mostrar a sua irracionalidade. Todos os dias.

2 comentários:

PenaBranca disse...

onde foste buscar inspiracao para isto? ainda ontem vimos um burro pendurado num quadro. esse conta?

Nuno Guronsan disse...

Não, não conta. A inspiração não foi assim tão literal, infelizmente...